Indústria limpa: veja como empresas mineiras têm inovado na gestão de água e efluentes

Empresas mineiras de diferentes setores têm aumentado os investimentos voltados para a gestão correta de água e efluentes nas operações. Essa preocupação do setor produtivo quanto ao uso consciente dos recursos hídricos está diretamente ligada à pauta da sustentabilidade. Minas Gerais reúne alguns exemplos em que a indústria atua como aliada do meio ambiente sem prejuízos para a produtividade.
A aposta na inovação para o tratamento e reaproveitamento da água engloba desde grandes mineradoras até indústrias alimentícias sediadas no Estado. O objetivo dessas empresas é alcançar maior eficiência produtiva com menos impacto ambiental, além de desenvolver uma relação mais sustentável com as comunidades vizinhas.
Para a engenheira especialista em tratamento de esgoto da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Frieda Keifer Cardoso, o atual cenário da gestão de água e efluentes no Estado demonstra avanços quando comparado a períodos anteriores, especialmente em relação à crise hídrica de 2014 e 2015. Ela relata que, desde então, houve amadurecimento na gestão de recursos hídricos.
Esse avanço foi impulsionado por ações estratégicas de planejamento, regulamentação e também pela busca das empresas por alternativas para garantir água em seus processos. “Nesse sentido, o reúso de água é uma fonte alternativa para muitos processos industriais”, explica.
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A especialista destaca que, atualmente, apenas oito estados brasileiros possuem legislação própria para reúso de água não potável proveniente de estações de tratamento de esgoto. O Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG) publicou, em agosto de 2020, uma deliberação normativa que estabelece diretrizes, modalidades e procedimentos para o reúso direto de água não potável, proveniente de Estações de Tratamento de Esgotos Sanitários (ETE) de sistemas públicos e privados.
Empresas que inovam na gestão da água
Frieda Keifer cita a parceria firmada entre a Copasa e a siderúrgica Metalsider como exemplo deste avanço em Minas. A ação resultou na formalização de um contrato para fornecimento de água de reúso proveniente da ETE Betim. “A iniciativa reflete um movimento crescente de integração entre empresas, órgãos reguladores e prestadores de serviços de saneamento”, diz.
Outra empresa que adota ações de gestão hídrica em Minas Gerais é a Cedro Têxtil. A analista do sistema de gestão integrada da fabricante mineira de tecidos, Keller Chamon, destaca que a companhia é certificada pelas normas internacionais ISO 14001 (Sistema de Gestão Ambiental) e ISO 9001 (Sistema de Gestão da Qualidade).
Keller Chamon ressalta que a gestão hídrica é um tema de grande relevância para a indústria têxtil, devido ao uso intensivo de água na produção. Ela pontua que a Cedro se destaca quanto à eficiência, consumindo cerca de 60% menos água que a média do setor.
“Além disso, 100% dos efluentes industriais são tratados em Estações de Tratamento de Efluentes e aproximadamente 35% desse volume é reutilizado em diferentes etapas do processo produtivo”, relata.
Após o uso no processo industrial, a água torna-se efluente e obrigatoriamente passa pela estação de tratamento antes de ser devolvida ao meio ambiente. As unidades fabris da empresa contam com poços artesianos outorgados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), que fornecem a água necessária para a produção.

Outro exemplo no Estado é a fabricante de batatas congeladas Bem Brasil. A empresa adota uma gestão para o tratamento de água tanto para o consumo humano quanto de efluentes, com estações de tratamento de água (ETA) e ETE nas unidades.
A gerente de sustentabilidade da Bem Brasil, Isabela Navarro, relata que a captação de água é realizada a partir de fontes subterrâneas e superficiais. Essa ação é monitorada por meio de plataformas de gerenciamento e programações que asseguram o respeito aos volumes outorgados.
O tratamento de efluentes é realizado em ETE, que combinam processos físico-químicos e biológicos, adaptados às especificidades de cada unidade. “Em Araxá, os efluentes tratados são atualmente destinados a corpos hídricos, porém, a unidade já investe em um projeto futuro de reuso”, afirma.
Já na fábrica de Perdizes, no Triângulo Mineiro, todo o efluente tratado é reutilizado na fertirrigação de áreas agrícolas pertencentes a um fornecedor parceiro da marca. Além disso, em ambas as unidades, os biodigestores utilizados no processo de tratamento geram biogás, que é reaproveitado como combustível nas caldeiras de biomassa, contribuindo para a sustentabilidade da operação.
A utilização da água é essencial às atividades da mineradora AngloGold Ashanti e, por isso, a conservação dos recursos hídricos faz parte de uma estratégia ambiental de longo prazo da empresa. O diretor de meio ambiente da companhia, Marcos Morais, pontua que o compromisso da companhia para este ano é aumentar a recirculação de água, reduzir a geração de efluentes para garantir maior disponibilidade hídrica e melhorar a qualidade da água nas bacias onde os empreendimentos estão localizados.
“A conservação dos recursos hídricos faz parte de uma estratégia ambiental de longo prazo. Nos últimos anos, a AngloGold Ashanti obteve ganhos de eficiência ao ampliar o reaproveitamento da água em suas operações”, acrescenta.
O controle de qualidade da água também foi aprimorado com o uso de sensores inteligentes, que monitoram continuamente os níveis de pureza e segurança dos efluentes tratados. Outra novidade é a implementação de sistemas de recirculação da água, reduzindo a dependência da procura por novas fontes e promovendo mais eficiência no consumo dos recursos.
“Como resultado, o reaproveitamento total foi de 4,56 bilhões de litros, ou seja, aproximadamente 1,8 mil piscinas olímpicas, reforçando o impacto positivo desse reaproveitamento na redução da demanda por novas fontes”, relata
Vantagens de uma gestão responsável dos recursos hídricos

Entre as principais vantagens da gestão de águas e efluentes pelas indústrias está o fortalecimento da imagem da empresa como uma entidade comprometida com as causas ambientais. Além disso, há também a redução de custos operacionais e a regularização dos negócios com as legislações ambientais.
A gerente de sustentabilidade da Bem Brasil afirma que o reúso de efluentes e o aproveitamento do biogás, por exemplo, reduziram os custos com recursos naturais e energia. A iniciativa contribui para a diminuição das emissões de gás carbônico, além de promover uma economia circular.
Já a analista do sistema de gestão integrada da Cedro Têxtil, avalia que a gestão desses recursos é essencial para ampliar a competitividade no mercado e manter a empresa alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU). “Especialmente aqueles relacionados à água limpa e saneamento, consumo responsável e ação contra mudanças climáticas”, completa.
- Leia também: Reuso de água ainda é desafio no Brasil
Ações como essas também podem contribuir para as comunidades vizinhas a essas indústrias. Um dos grandes benefícios é a preservação dos recursos hídricos da região e a melhoria do meio ambiente, devido à redução de potenciais impactos ambientais das atividades.
Esse tipo de iniciativa ainda proporciona uma relação de confiança entre a sociedade e a empresa. “Ela gera impacto positivo na percepção pública e estimula o desenvolvimento regional de forma equilibrada”, acrescenta Isabela Navarro.
Marcos Morais relata que a AngloGold também realiza ações de com comunidades locais e órgãos reguladores, além de ampliar os programas de conscientização sobre o uso sustentável da água entre os funcionários e parceiros. A empresa ainda auxilia na regularização da vazão do Rio das Velhas durante o período de estiagem por meio do Sistema Hidrelétrico Rio de Peixe, criado em 1904.
“Essa é uma importante medida para garantir o abastecimento de água para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)”, afirma.
A engenheira especialista da Copasa destaca algumas vantagens dos projetos de reúso dos recursos hídricos nas empresas, como a proteção do ecossistema e a preservação dos recursos hídricos, além da redução de poluentes nas bacias hidrográficas mineiras. Confira mais benefícios:
- redução do custo de outorga para lançamento de efluentes em corpos d’água;
- abertura de oportunidades no mercado e desenvolvimento de potenciais fontes alternativas de recursos;
- redução da dependência de água potável para o processo industrial;
- aumento da disponibilidade hídrica para o abastecimento público;
- redução dos custos de produção e operação;
- geração de economia financeira e de recursos materiais;
- contribuição positiva para a imagem das empresas envolvidas;
- mais possibilidades de obter incentivos fiscais pela prática sustentável.
Investimentos em gestão de água e efluentes

A manutenção dos esforços para garantir o uso consciente dos recursos hídricos exige investimentos. A empresa que estiver disposta a destinar recursos para esses projetos aposta não só na melhoria da imagem como também nos negócios e no aumento eficiente da produção.
A AngloGold Ashanti, por exemplo, vem investindo no desenvolvimento de sistemas de tratamento de água que dispensam o uso de energia elétrica e reagentes químicos. Esses projetos deverão entrar em operação nos próximos anos e prometem utilizar estruturas naturais projetadas para promover a depuração da água de forma eficiente e sustentável.
De acordo com diretor de meio ambiente da AngloGold, alguns testes internos já estão sendo realizados com o objetivo de comprovar a viabilidade técnica da tecnologia e possibilitar sua futura aplicação em escala. “Essa abordagem alia simplicidade operacional a baixo custo de manutenção, aproximando o processo do funcionamento dos ecossistemas naturais”, explica.
A busca por tecnologias inovadoras faz parte do Plano Estratégico de Água que envolve todas as unidades da empresa no mundo. Nesse contexto, a ampliação do Projeto de Eficiência Hídrica da Planta de Queiroz, em Nova Lima, na Grande BH, permitiu reduzir a geração de efluentes em aproximadamente 60%, minimizando de forma clara potenciais impactos ambientais.
Outro projeto é o Probiomas, que tem como objetivo realizar a recomposição florestal nas principais microbacias contribuintes da sub-bacia Ribeirões Caeté-Sabará, responsável pelo abastecimento de mais de 18 mil pessoas nas duas cidades da RMBH. O excedente deste corpo d’água contribui para a bacia do rio das Velhas, principal afluente do rio São Francisco, que é responsável pela manutenção de aproximadamente 5,3 milhões de mineiros.

A Bem Brasil também vem investindo em inovação ambiental, com foco no reúso de efluentes, para aprimorar a eficiência do processo. Atualmente, a indústria alimentícia avalia uma possível implementação de tecnologias avançadas no processo de tratamento, com o objetivo de possibilitar o reúso de efluentes da fábrica em diversas atividades.
“Como parte das ações em andamento, estamos implementando uma nova etapa no processo de tratamento, que envolve a desinfecção por meio da tecnologia de radiação ultravioleta”, esclarece a gerente de sustentabilidade.
Já os investimentos em eficiência hídrica e sustentabilidade da Cedro têm como objetivo modernizar o processo de reúso de água nas operações. Só em 2024, a empresa investiu cerca de R$ 3 milhões na implementação de um flotador na unidade de Sete Lagoas, na região Central de Minas, para melhorar a qualidade do efluente e retornar ao processo produtivo.
“Esse trabalho é permanente e faz parte da estratégia de longo prazo”, garante Keller Chamon.
Para os próximos anos, a indústria têxtil planeja novos projetos de inovação para integrar tecnologia e preservação ambiental, garantindo a continuidade do compromisso com o uso responsável e com o desenvolvimento sustentável das regiões onde atua. “A Cedro Têxtil tem a certeza de que indústria e preservação podem caminhar juntas”, declara.
Quanto às ações da Copasa, Frieda Keifer destaca que a companhia planeja lançar o Portal Reúso Copasa, onde empresas e clientes interessados poderão se cadastrar para a utilização do efluente tratado em suas atividades. A iniciativa está em consonância com o Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020) e o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). “Por meio do portal, a Copasa visa fomentar o desenvolvimento sustentável e a economia circular”, completa.
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