Inovação desenvolvida na UFMG captura até 17% de CO₂ gerado por caminhões

Uma solução definitiva para mitigar as emissões de gases do efeito estufa ainda está longe de ser alcançada e, certamente, terá de passar por medidas profundas, mas uma inovação desenvolvida nos laboratórios do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) promete colaborar nesse processo.
Trata-se de um material absorvente de dióxido de carbono (CO₂) desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos com apoio de grandes empresas e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), que captura até 17% de CO₂ gerado por caminhões.
Nos últimos testes realizados, o material foi capaz de capturar algo entre 7,7% e 17,2% de dióxido de carbono produzido pelo sistema de combustão de caminhões. Esses índices foram alcançados em situações reais de circulação, durante testes em campo, e não apenas em laboratório.
No teste que gerou os resultados citados, um caminhão percorreu cerca de 170 quilômetros, passando por trechos rodoviários, urbanos e rurais, em um trajeto de cerca três horas e meia. A captura de 7,7% foi alcançada na circulação total do trajeto; a de 17,2%, no percurso urbano.
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Segundo o professor do departamento de Química da UFMG, Jadson Cláudio Belchior, foi possível ir além do que a expectativa inicial do estudo.
“Eu tinha nesse projeto pós-docs, mestrandos, alunos de graduação e aí isso nos estimula muito, porque a gente quer ensinar a formação de recursos humanos de alto nível nessa área de meio ambiente, capturas, principalmente o CO2, que é um problema sério. Ainda fomos capazes de desenvolver um material que, além de tudo, é patenteável”, afirmou Belchior, que é o coordenador geral do projeto por meio do qual a inovação foi desenvolvida.
Mas as perspectivas positiva não param por aí. De acordo com ele, “como não tivemos o controle da temperatura, deixamos um pouco a desejar, porque esses resultados poderiam ser muito melhores. Em vez de ser 7,7% e 17,2%, poderia ter sido 25% e mais de 30%”, adianta.
Porém, o professor reforça que nem tudo são flores no campo da pesquisa. “O pesquisador, o cientista mantêm sempre uma visão otimista. Ele sempre quer avançar, melhorar, contribuir, ajudar. E, com essa visão, esse otimismo, eu diria que, se tivéssemos recurso suficiente para poder pagar mão de obra especializada, de alto nível, fazer parcerias corretas, seria outro nível. Hoje, precisamos muito da indústria. Se tivéssemos essa infraestrutura de recursos financeiros, poderíamos contratar equipe e fazer parceria com a indústria, certamente teríamos um protótipo em menos de um ano”, projeta.
Entenda como funciona a tecnologia
A captura do dióxido de carbono depende da instalação de um reator diretamente nos caminhões; nesse reator é armazenado o material absorvente – esferas de cerca de um centímetro de diâmetro – que realiza uma reação química com o gás quando ambos entram em contato em determinada temperatura. Assim, à medida que o caminhão vai circulando e seu sistema de combustão libera CO₂, o material faz a captura desse gás, impedindo que ele seja remetido à atmosfera. Retido, o gás pode ser regenerado e reutilizado controladamente pelas várias indústrias que se valem desse insumo, como a química e a de alimentos.
A metodologia utilizada no caminhão para a captura do gás e sua medição é chamada de Real Driving Emissions (RDE), desenvolvida em 2016 e implantada na Europa em 2017. “Até então, medições desse tipo eram todas feitas em laboratório, onde o veículo e seus parâmetros, como a rotação e o torque do motor, são monitorados e bem controlados. Com a RDE, o veículo sai efetivamente para a rua, o que possibilita alcançar um resultado mais condizente com as emissões reais de seu uso”, explica o professor.
Patente do material para caminhões e processo de desenvolvimento na UFMG
O pedido de patente relativo à tecnologia foi realizado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no dia 23 de janeiro, mas as pesquisas da equipe de Jadson são desenvolvidas desde 2007. De lá para cá, cerca de 20 patentes foram registradas no Brasil e nos EUA, de modo a estabelecer as propriedades industriais dos avanços parciais que, relacionados ao invento, foram sendo alcançados. Algumas dessas inovações dizem respeito, por exemplo, ao aumento da resistência mecânica do material, que hoje já é capaz de operar em vários ciclos de captura e regeneração do CO₂.
Jadson rememora a história de concepção da inovação. “De modo geral, essa história se organiza em três etapas. A primeira vai de 2007 a 2009, quando fizemos o nosso primeiro depósito de patente relacionado a um material cerâmico capaz de capturar CO₂. Na época, conseguíamos fazer a captura em uma temperatura de cerca de 600 ºC, o que já era um avanço. A segunda etapa ocorreu sobretudo de 2015 a 2018, quando empresas como a Petrobras e a Fiat [hoje Stellantis] se envolveram no financiamento do projeto”, ele lembra. Na época, o material foi aprimorado, de forma a se conseguir a captura do CO₂ em temperaturas de cerca de 300 ºC.
A terceira etapa ocorreu após a pandemia. Em 2021, foi preparado novo projeto em parceria com o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) e com uma indústria de veículos. Em seguida, em 2022, esse projeto foi contemplado com recursos do Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística do Governo Federal, que fomenta o desenvolvimento do setor automotivo do país. O novo projeto possibilitou alcançar os atuais percentuais de captura do gás.
Mobilidade verde
“Montadoras de veículos colocaram como expectativa o patamar de 8% de captura de CO₂ só em 2040. Nós estamos alcançando esse percentual de captura 15 anos antes”, comemora Jadson. O pesquisador lembra ainda que os resultados obtidos com a inovação vão ao encontro das metas estabelecidas pelo Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), criado pelo governo federal no ano passado como desdobramento do Rota 2030, que já visava reduzir em 50% as emissões de carbono até 2030, em relação às emissões de 2011.
A tecnologia desenvolvida no projeto de Jadson Belchior possibilita a captura do CO₂ em temperaturas na faixa de 100 ºC. Ele vislumbra a possibilidade de se fazer a captação em temperaturas ainda menores, o que será particularmente importante para reduzir o custo energético e viabilizar economicamente o processo. Segundo o professor, a tecnologia desenvolvida se mostra promissora para a captura não apenas em veículos, mas também em estruturas industriais emissoras de CO₂.
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