Inspirado por invenção mineira, projeto Litro de Luz ilumina 120 comunidades brasileiras com energia solar

A partir de uma solução caseira criada em Uberaba, no Triângulo Mineiro, nasceu o projeto Litro de Luz. Hoje, presente em 15 países, a iniciativa já ilumina 120 comunidades no Brasil, impactando mais de 30 mil pessoas. Antes de se consolidar no País, no entanto, a invenção do mecânico Alfredo Moser, de 73 anos, viajou mais de 19 mil quilômetros e foi parar na Filipinas.
A solução original para iluminar ambientes sem o uso da eletricidade criada por Moser em 2002 leva seu nome: lâmpada de Moser. Trata-se de uma garrafa pet transparente cheia de água e um pouco de água sanitária que, quando acoplada a um telhado, ilumina o espaço usando um fenômeno ainda mais antigo, descoberto no século XVI: a refração da luz.
A lâmpada de Moser, ainda usada por ele e por seu entorno em Uberaba, é movida, portanto, a luz solar, mas sem as tecnológicas placas fotovoltaicas muito visadas hoje em dia. Por isso, o invento só funciona durante o dia. Mas, ao longo dos anos, a invenção foi ganhando adaptações para funcionar à noite, e virou destaque na mídia, inclusive no exterior.
Em 2011, a lâmpada de Moser inspirou o filipino Illac Diaz a criar o movimento Liter of Light. O projeto retornou ao Brasil com a tradução Litro de Luz em 2014, e completa, neste ano, uma década.
Hoje, a solução original foi substituída por outra com alguns incrementos, como as placas solares. Mas a base da “tecnologia” original de Moser permanece: a garrafa pet transparente.
Ao todo, o projeto já forneceu 5 mil soluções de iluminação para brasileiros em comunidades que não possuem acesso à energia elétrica ou que contam com iluminação precária.

Com isso, são beneficiadas comunidades quilombolas, ribeirinhas, indígenas, e também urbanas. Neste último caso, a iluminação do projeto ajuda a conferir mais segurança a mulheres e crianças no caminho para a casa, antes, completamente escuro.
“Celebramos com muito orgulho uma década de conquistas extraordinárias e luz. Agradecemos todas as pessoas que fizeram parte da nossa história. Este marco renova nosso compromisso em continuar iluminando o nosso País, uma garrafa de cada vez”, comemora o presidente do Litro de Luz no Brasil, Rodrigo Eidy.

Como funciona o projeto?
As ações começam pelo menos três meses antes da luz, de fato, chegar à comunidade. Quem explica é a coordenadora de Marketing e Parcerias do Litro de Luz, Tayane Belem.
“O diferencial é o trabalho de engajamento comunitário. A gente não chega com a solução pronta na comunidade. Ela vai desmontada para que os moradores montem junto com a gente. A nossa solução não é imposta. A comunidade precisa aceitar. Por isso, fazemos reuniões comunitárias antes para entender se todos aceitam. As pessoas precisam se sentir donas dessa solução. Acredito que 80% do sucesso do projeto se dá justamente por essa metodologia que usamos”, diz.

É também junto à comunidade que são identificados os locais onde serão instalados os equipamentos. Além disso, a manutenção dos sistemas de luz também é feita pelos moradores, que são treinados para isso.
“Neste trabalho pré-ação que realizamos junto às comunidades, também formamos embaixadores, que são moradores que nos representam enquanto não estamos lá. Eles aprendem a trocar o led, por exemplo, algo aparentemente simples. Capacitamos cerca de 5 pessoas em cada comunidade para fazer a manutenção das soluções”, explica a porta-voz Tayane Belem.

Alfredo Moser, a inspiração de todo esse movimento, aprova. “Que bom que eles abraçaram essa causa de Moser pra não ficar parada. Acho que é muito bom para a população, para as pessoas mais carentes que estavam sem energia. E tem até alguns moradores que se tornam embaixadores. Senhores de idade, senhoras, moças mais novas, rapazes, tudo aprendendo a ser ‘eletricista’, e montando iluminação”, diz, orgulhoso.
Como são as lâmpadas de Moser na versão Litro de Luz?
A adaptação da lâmpada de Moser gerou dois sistemas de iluminação. Um deles é o lampião solar, portátil.

“Ele é muito usado em comunidades ribeirinhas e quilombolas, onde as pessoas precisam de iluminação externa ou interna”, diz Tayane Belem. O lampião carrega por energia solar, portanto, além desses equipamentos, cada comunidade recebe também uma placa solar para recarregá-los.
A outra solução é um poste solar usado para iluminação externa. “Ele é fixado em alguma parte do solo, por exemplo, em ruas de comunidades. Neste caso, o poste já tem a placa solar acoplada”, explica a porta-voz do projeto.

Quem paga por isso?
Segundo Tayane Belém, o projeto é viabilizado por meio de leis de incentivo, projetos via emenda parlamentar, mas, principalmente, com o patrocínio de empresas e grupos alinhados com o propósito do Litro de Luz.
“Por exemplo, empresas que querem envolver seus colaboradores em ações de voluntariado, e levam um grupo em uma comunidade a que levamos as soluções. Geralmente, são empresas que têm forte essa pegada de meio ambiente, sustentabilidade e que são, de fato, alinhadas aos critérios ESG”, diz.
Felizmente, a preocupação das empresas com esse tema tem crescido. Prova disso é que, do ano passado para este ano, o projeto teve um crescimento de 10% na captação de parcerias.
“Nossa captação vem aumentando ano a ano, mesmo com uma pandemia no meio. A gente percebe mesmo esse movimento de empresas que buscam desenvolver seus pilares de sustentabilidade e marcar presença social”, comenta Tayane Belem.
A contrapartida do projeto, além de oferecer a possibilidade de engajamento em uma ação que transforma comunidades inteiras com soluções sustentáveis, é a divulgação da marca como patrocinadora.
Como são escolhidas as comunidades a serem iluminadas?
São dois principais critérios para escolha das comunidades beneficiadas, explica a porta-voz do projeto: “Ter a necessidade de receber a nossa solução e aceitar receber a nossa solução”.
“Temos um banco de comunidades, e sempre que vou entregar uma proposta a uma empresa, cruzo os objetivos dessa empresa, o nosso banco de comunidades e a localização da empresa. Todos têm que estar alinhados aos nossos objetivos. Então, realizamos o encontro entre o investimento e a comunidade escolhida”, diz.

No site do projeto é possível indicar comunidades que precisam de iluminação, para serem integradas ao banco e colocadas no radar das empresas.
Neste ano em que o projeto completa 10 anos, pela primeira vez, a luz chegou a Minas Gerais. Em maio, a comunidade de Bandinha, em Ninheira, no Norte do Estado, recebeu 35 postes solares. Além de vários convidados, a ação, que também foi celebrativa em razão de uma década de projeto, contou com um convidado de honra: Alfredo Moser.
Ao lado de Ninheira, já há outra comunidade em vistas de receber o projeto e ser iluminada, adianta Belem.
Ouça a rádio de Minas