‘Iluminado’ por Chico Xavier e preocupado com apagão, mecânico de Uberaba criou lâmpada sustentável

Há mais de 20 anos, o mecânico Alfredo Moser, de 73 anos, criou, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, uma solução feita com uma garrafa pet, água e “duas tampinhas” de água sanitária para iluminar ambientes escuros. Anos depois, sua invenção inspiraria um projeto de alcance internacional que fornece soluções sustentáveis de iluminação a diversas comunidades que precisam: o Litro de Luz. Só no Brasil, a iniciativa, que completa uma década neste ano, já beneficia 30 mil pessoas.
A história do inventor da lâmpada que leva o seu nome, a lâmpada de Moser, é também cercada de pontos de luz. São marcos significativos em uma linha do tempo que culminaram no projeto global de iluminação sustentável. “Ih, tem é muita história pra contar”, confessa o próprio Moser.
O ponto de partida, como ele acredita, foi o encontro com o médium Chico Xavier na cidade de Uberaba, onde foi morar em 1978, após se casar. Aconteceu pouco antes do apagão que deixou o Brasil no escuro em 2001.
“Desde que fui morar em Uberaba, onde tinha o Chico Xavier, sempre quis conversar com ele. Um dia, de tarde, eu andando de bicicleta, vi ele sair de uma residência cercado de idosos. Encostei a bicicleta no passeio e fui lá cumprimentar. Aí ele me disse bem assim: ‘Moser, sabia que você vai ter uma luz na sua vida? Mas essa luz não vai ser só sua, vai ser de todo mundo’”, lembra o mecânico.

E ele ficou com isso na cabeça, matutando que luz seria aquela. O insight seguinte aconteceu já em meio ao apagão do início dos anos 2000. Foi quando Moser e a esposa foram à casa de uma prima, em Uberaba.
“Chegamos lá na hora do café e tinha uma mesa posta. Ali tinha uma garrafinha de plástico retorcida e com água, que refletia na parede”, conta. Naquela época, ele já sabia o que era a refração da luz.
Mesmo antes da casa da prima, do Chico Xavier e de Uberaba, quando trabalhava em Brasília entre as décadas de 70 e 80, o mecânico era acometido por ideias que envolviam iluminação e ajudar as pessoas.
Em Brasília ele trabalhava em um lugar onde caía muito avião, e ficava se perguntando o que aconteceria quando um avião caísse e tivesse tudo escuro, “sem um fósforo para iluminar”.
Compartilhou a preocupação com o chefe, que lhe falou sobre a refração da luz. “Ele fez uma demonstração pra mim, com uma lupa que o sol batia e pegava fogo na grama. Eu nem sei como esse chefe me mostrou isso de bom grado, porque ele era difícil. Demorei uns seis meses para conquistá-lo”, se diverte ao lembrar.
Mas conquistou bem, porque o resto da história é que a ele foi dada a oportunidade de consertar carros. Um “upgrade” na carreira. E era esse chefe que indicava Moser para os consertos de carros mais difíceis. “Tudo que era carro ruim ele levava pra mim. E eu era bom mesmo, o melhor mecânico”, diz.
Antes de ir para Brasília, ainda em sua cidade natal, Itajaí, em Santa Catarina, Moser se dedicava à lavoura de culturas diversas. “Cana, abacaxi, amendoim, laranja, batata-doce”, para citar algumas.
Todas essas experiências e encontros, desde suas habilidades em lidar com a natureza – o que envolve boas doses de observação e paciência –, o talento com a mecânica automobilística, a curiosidade inerente a todo inventor e o “chamado” para fazer algo pelo coletivo, o levaram a desenvolver a lâmpada de Moser, em 2002.
A invenção da luz
Após a catarse de ver a luz refletida de forma límpida na casa da prima, em Uberaba, a partir de uma garrafinha de plástico com água, Moser entendeu que não havia mais volta. Era preciso criar a luz. Ou pelo menos uma forma de iluminar o seu entorno.
“Eu fiquei pensando nisso o dia inteiro. E na minha borracharia não tinha janela, ficava escuro. Aí eu coloquei lá uma garrafinha pequena dessa pra testar. Deu certo. No outro dia, peguei uma garrafa de dois litros, coloquei duas tampinhas de água sanitária pra não dar lodo e tampei a garrafa com uma tampa branca pro sol entrar. E aí a notícia espalhou, comecei a fazer pros vizinhos também”, lembra.
Com suas habilidades de mecânico, ele “instalava” a lâmpada nos telhados, vedando cuidadosamente.
“Você pega uma serra-copo [ferramenta para cortar vários tipos de materiais] e faz o furo na telha. Se for telha de barro tem que molhar para não estragar. Pode usar uma broca também. Aí passa massa plástica para vedar bem, e a garrafa fica metade para cima e metade para baixo. Tem que colocar duas ou três tampinhas de água sanitária na água. Se for água do ribeirão, coloca umas quatro, ou até meio copo”, ensina.
Hoje, ainda, ele tem lâmpadas homônimas na sua casa e na oficina. A durabilidade é indeterminada. “Pra você ver, foi outro dia que troquei uma lâmpada dessa na casa de um parente, depois de 20 anos que ela estava lá”, diz.
O projeto Litro de Luz, baseado na invenção original do mecânico, também ensina a fazer a lâmpada de Moser.
Outros impactos da lâmpada de Moser
Passados 22 anos, a invenção de Moser, ainda hoje, é novidade pra muita gente. No ano passado, a professora Rita de Cássia Santos, da cidade de Água Doce, em Santa Catarina, conheceu a lâmpada de Moser e passou a desenvolver um projeto na escola estadual Ruth Lebarbechon com estudantes do ensino médio.
Os resultados do projeto chamado “Reprodução da Lâmpada de Moser e Tecnologias Emergentes” têm sido apresentados pelos estudantes em feiras nacionais e internacionais sobre projetos científicos e tecnologia, e também aproveitados em comunidades.

“Como essa lâmpada de Moser funciona só durante o dia, acoplamos um led ligado a uma placa solar, para ela funcionar à noite também. E, devido a essa pesquisa dos meninos, moradores de uma comunidade de Rio Verde, em Goiás, que não têm energia elétrica, vão começar a usar essa lâmpada de Moser do nosso projeto. Esse trabalho tem despertado não apenas a curiosidade científica dos estudantes, mas também uma consciência social e ambiental muito necessária nos dias de hoje. Nosso projeto foi para lugares fantásticos através da ideia do sr. Alfredo Moser”, diz a professora.
Enquanto isso, Moser segue muito cotado em sua comunidade. Além de ser uma espécie de “consultor” em projetos inspirados em sua criação sempre que solicitado, como no caso dos estudantes de Santa Catarina, ele continua ajudando nos reparos e manutenções em sua vizinhança.
Para as igrejas de sua cidade, por exemplo, ele criou uma espécie de “tocha” com o mesmo protótipo da lâmpada de Moser: a garrafa pet.
“Essa nossa igreja da comunidade, Divino Espírito Santo, por exemplo, eu que ajudei a construir. Já tinha uma capelinha no fundo, e aí depois fizemos o alicerce e fomos construindo tudo. Quando inventei a lâmpada de Moser, me pediram para fazer sete tochas para a igreja. Aí depois, eu fiz mais 12 para os apóstolos. Em outro ano, ‘subi’ um pouco a tocha pra não ficar queimando os cabelos”, conta.

Assim como os inventos, que passam por adaptações e melhorias, também mudam os tempos. O grande apagão que acometeu o Brasil em 2001 por quase um ano devido a uma crise nos reservatórios motivou Alfredo Moser a inventar uma solução para isso.
Hoje, mais de duas décadas depois, o País viu novamente seus reservatórios ameaçados com um longo período de estiagem. São Paulo viveu, recentemente, episódios de falta de energia que deixaram muita gente no escuro. E Moser, mais uma vez, gostaria de poder ajudar.
Ele sugere: “Eu acompanhei os apagões lá em São Paulo, acho que a lâmpada de Moser pode ajudar. Eles têm que acabar com aqueles postes cheios de fios, pôr essa lâmpada de Moser com luz de led, com placa solar, e, quando dá um apagão, todo mundo vai ter luz ainda. Igual nos ‘interior’, que o Litro de Luz está colocando. Assim, se acaba a energia ninguém fica no breu. Ajuda demais a lâmpada de Moser”.
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