Serra do Cipó busca identidade gastronômica para diversificar economia

Depois do fogo, a efervescência cultural da Serra do Cipó continua. Por mais que seja comum pensar nas belezas naturais quando o assunto é a região envolta em Cerrado e incrustada de cachoeiras, há ainda outros encantos a serem explorados por ali. E é isso o que a comunidade local procura mostrar, inclusive como uma forma de diversificar a economia local, hoje amparada, principalmente, no turismo.
Desde as rodas de samba, que acontecem todo domingo em um quilombo, passando por festivais de gastronomia e de música, até o trabalho de produtores rurais com raízes e plantas medicinais, a Serra do Cipó está construindo, neste momento, a sua própria identidade gastronômica e cultural, para além das famosas cachoeiras.
Mas também não é por acaso que o local tem a fama pautada em suas belezas naturais. A região toma a porção Sul da Serra do Espinhaço, importante divisor de duas grandes bacias hidrográficas brasileiras: a do Rio São Francisco e a do Rio Doce.
A vegetação, os cânions e as cachoeiras que encantam os turistas renderam o título de “Jardim do Brasil”, cunhado pelo famoso paisagista Burle Marx. As informações são do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
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É por isso que quando chegou a notícia, há cerca de duas semanas, de que a região estava em chamas, o turismo por ali sofreu uma baixa considerável. O Parque Nacional da Serra do Cipó chegou a ser fechado.
“Em geral, muita gente não conhece a Serra do Cipó de verdade. Surgiu a notícia dos incêndios, que aconteceram no Parque, e muita gente começou a ligar para saber. O pessoal dá uma assustada, acha que se fechar o Parque, fecha tudo. Mas há muitos atrativos fora dali, há outras cachoeiras, gastronomia, hospedagens”, lembra o empresário Guilherme Silva Diniz, dono da pousada Rancho Cipó.

Na ocasião das queimadas, a vice-presidente da Associação Comercial da Serra do Cipó, Hizzaura Hariná, chegou a calcular uma queda de 20% a 30% na movimentação turística.
Enquanto isso, comerciantes e produtores locais trabalham para dar visibilidade a diversos outros atrativos que a região possui.
“Muitas destas experiências são as próprias pessoas da Serra do Cipó. Queremos divulgar esse olhar mais profundo sobre a nossa região, mostrar que aqui temos a flora, a fauna e a botânica, mas também temos a vivência com a comunidade, com os produtores locais, um meio de viver. Temos hospedagens de alta qualidade com valores acessíveis, temos bons restaurantes que usam ingredientes de produtores rurais da região, temos artistas locais e eventos culturais”, conta Hizzaura Hariná.
A Serra do Cipó está a cerca de 70 quilômetros de distância do Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, na região metropolitana, e a 100 quilômetros da Capital.
Identidade gastronômica em construção
A vice-presidente da Associação Comercial da Serra do Cipó, que também tem uma pousada e um café na região, destaca a gastronomia local forte, encabeçada pela agricultura familiar, que fornece a matéria prima para os pratos que servem os turistas nos restaurantes.
Há também, por ali, a cultura das plantas medicinais, ervas e preparados naturais.
“São produtores que produzem seus próprios hortifrutis, e que abastecem os restaurantes. Há também muitos mercadinhos de plantas medicinais, frutas e verduras. Um exemplo da culinária local são os frutos do Cerrado. Você não precisa ir até o Norte de Minas para comer um bom pequi, por exemplo. A gente tem aqui”, diz Hizzaura.
É por isso que, nos últimos anos, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em Minas, tem atuado, junto aos governos locais, para consolidar uma identidade gastronômica para a região.

A analista técnica do Sebrae Minas, Samira Melo, que atua na microrregião de Sete Lagoas, conta que o trabalho envolve capacitar os empreendedores de restaurantes, bares e bistrôs da Serra do Cipó, mas também desenvolver outros roteiros turísticos e novas experiências.
“O turista vai à região muito por causa das belezas naturais, mas também pela gastronomia. Por isso, temos trabalhado para formatar outras experiências como passeios em trilhas relacionadas à Estrada Real, remetendo ao tempo dos tropeiros, onde os turistas podem apreciar o pôr do sol e comer uma paçoca de carne, por exemplo”, diz.
Segundo ela, a ajuda na parte de gestão de pequenos negócios tem acontecido desde o ano passado. “A ideia é que o turista possa encontrar produtos, soluções e experiências que ele só pode vivenciar na Serra do Cipó”.
Resultado disso é o Festival Gastronômico Da Raiz ao Prato, que tem apoio do Sebrae e está no seu segundo ano. O evento mobiliza chefs de cozinha da Serra do Cipó e de Santana do Riacho a criarem pratos com ingredientes dos produtores rurais da região. Para a 2ª edição, que termina neste domingo (1º), os produtos escolhidos foram o milho e a mandioca.

“Há vários pratos típicos por ali, com produtos de lá, mas ainda não há um pertencimento, uma consciência sobre isso. Não é como, por exemplo, quando falamos de pastel de angu e já associamos a uma cidade de Minas. Por isso, essa identidade ainda está sendo construída para a Serra do Cipó, e acreditamos que estamos caminhando para que isso aconteça”, conclui Samira Melo.
Parque da Serra do Cipó completa 40 anos
Com área total de 33.800 hectares, o Parque Nacional da Serra do Cipó, que abarca os municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Morro do Pilar e Itambé do Mato Dentro, completa quatro décadas em setembro. Ele foi criado neste mesmo mês, em 1984, com o objetivo de preservar as riquezas naturais da região.
O local possui altitudes que vão de 700 até 1.670 metros. Há, por ali, rios, cachoeiras, cânions e cavernas, e uma rica flora, com mais de 1.700 espécies registradas.
Com vegetação predominantemente de Cerrado, a Serra do Cipó também abriga histórias e personagens, como o Juquinha, que inspirou a criação da estátua em 1987, e que se tornou símbolo da região.

Juquinha foi o andarilho José Patrício, que que viveu por ali até o ano de 1983. Ele era conhecido por sempre andar com flores sempre-vivas nas mãos, espécie comum na Serra do Cipó, e oferecer para as pessoas que cruzavam o seu caminho. Hoje, ele continua dando as boas vindas para quem segue para a serra, mas na forma de monumento em Santana do Riacho.
Após a seca, a primavera
O período de estiagem e seca em Minas Gerais, que contribuiu para a propagação do fogo na Serra do Cipó, está com os dias contados. Ou, pelo menos, é a esperança que se tem: a chegada da primavera, em 22 de setembro, é promessa de chuvas e tempo fresco no Estado. E também marca mais um evento cultural em Santana do Riacho: o 3º Festival Primavera Musical na Serra do Cipó.
O evento é gratuito e acontece nos dias 20 e 21 de setembro, com atrações como Aline Calixto cantando Clara Nunes, Lurex (cover da banda Queen), Black Pio e Aroldo Balla, em tributo a Milton Nascimento, dentre outras.
Serra do Cipó muito além das cachoeiras
Diferentemente da estiagem e do tempo seco, a vida cultura na Serra do Cipó é perene. Além dos festivais gastronômico e musical, há diversos atrativos para conhecer profundamente a região. Hizzaura Hariná indica, por exemplo, o Samba do Açude, que acontece aos domingos no Quilombo de mesmo nome, que fica na Serra do Cipó, e guarda saberes e cultura ancestrais.
Há também experiências como:
- almoço ou café em quintais de produtores rurais;
- visita a quintal de remédios nativos (plantas medicinais);
- rodas de tambor;
- aulas de artes diversas;
- cozinha afetiva “às cegas”;
- vila de abelhas;
- vivência em agroecologia e bioconstrução;
- autoconhecimento com mulas e cavalos;
- noite de contação de “causos” e cantorias;
- feiras;
- tropeirismo nativo;
- queijarias;
- charcutaria;
- cachaçarias; dentre outras.
O Sebrae organizou um Livro de Experiências Turísticas da Região da Serra do Cipó, em que é possível encontrar estas várias possibilidades de turismo para além das cachoeiras. O material está disponível neste link.
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