A literatura de Fernando Moreira Salles

Lançado em 1993, “Memorando” foi escrito por Fernando Moreira Salles em parceria com o jornalista mineiro Geraldo Mayrink, merecendo edição ampliada em 2019. Qualificado como um ‘exercício despretensioso sobre a memória’, sobretudo sobre as recordações da juventude passada no Rio de Janeiro entre as décadas de 50 e de 70, o livro foi adaptado para teatro em 1995, gerando a peça “Eu me lembro”, um monólogo que ganhou o palco em duas montagens: a de São Paulo, com Irene Ravache, e a de Santa Catarina, com Paulo José. A segunda incursão de Moreira Salles pela dramaturgia se deu com “Entrevista”, de 1998, uma história de amor que aborda o próprio fazer teatral e a dificuldade de comunicação entre as pessoas. O protagonista é um autor isolado em um sítio que resolve conceder uma entrevista à ex-mulher.
A estreia de Moreira Salles na poesia se deu com “Ser longe”, de 2003, em edição enriquecida pelos elegantes desenhos de Iole de Freitas. A ‘orelha’ do livro já anuncia os temas que constituem o seu universo lírico: a infância, o afeto e o silêncio, entre outros. Gosto especialmente dos textos que abordam a relação entre o poeta e a sua produção, como “Hubble”: ‘Verso meu/calado/sopro amargo/perdido em mim/aventura/noite adentro/estrela extinta/luz/que não chega a ti.’ Os mistérios da voz poética são insinuados em “Aspetta il barítono”: ‘Não,/ não tenho outra voz/além da que calo/ Só que essa/é sua’.
“Habite-se” surgiu em 2005 e, na avaliação de José Mindlin, ‘demonstra a delicadeza’ das ideias de Moreira Salles. A opinião de Antônio Cândido também aparece nesse volume: “Mensagens muito densas, apenas sugeridas, se exprimem com o mínimo possível de palavras, abrindo para o leitor um universo cheio de flutuações de sentido, que vão pouco a pouco impregnando a sensibilidade e criando o desejo da releitura – marca da verdadeira poesia”. De novo, interesso-me pelos poemas que se debruçam sobre as experiências do poeta com a linguagem, fenômeno a um só tempo forte e frágil, como se nota em “Declaração de bagagem”: ‘Meu verso/certa medida/da tarde que resta/ palavra exausta/ à busca/ dos deuses silentes/e da beleza/ que inventamos/ um dia/ no horror do instante/Meu verso/inútil quadratura/só canto e compasso/escassa/ rouca voz/ no vento”.
“A chave do mar”, de 2010, explora o imaginário marinho, criando o que se chamou de ‘dicção de espuma’. Mais uma vez, meu foco recai sobre os poemas que refletem sobre a condição do poeta e de suas criações, como ocorre em “Beleza”: ‘Sua luz/me toca/no vazio/onde mora o poeta’, ou em “Amiga”: ‘Esta noite/trago/um verso/ esta baça/risível luz’.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Finalmente, em “Diário do Porto Pim – e outros poemas”, de 2020, Moreira Salles republica várias das composições presentes nas obras anteriores, a elas acrescentado produções novas, como “Peregrino”, que termina assim: ‘Caminho/porque em mim/me perco/Caminho/dia afora/sonho adentro/porque é preciso’.
Ouça a rádio de Minas