A presença luminosa de Sônia Viegas

Rogério Faria Tavares*
Era o primeiro semestre de 1989. A Constituição Federal, promulgada meses antes, contribuía para fortalecer a nova institucionalidade que se procurava instaurar no País, depois de mais de vinte anos de governos militares. As primeiras eleições presidenciais diretas desde 1960 ocorreriam no final do ano. A efervescência política era intensa. As expectativas de mudança eram altas.
Aprovado no vestibular para Direito, cursava o então chamado ‘ciclo básico’ no mítico prédio da Fafich, à rua Carangola, no bairro Santo Antônio. Entre os professores, o inesquecível Michel Marie Le Ven, de ‘Política’, e Léa Ferreira Laterza, de ‘Lógica do Pensamento Científico’.
A comunidade acadêmica respirava esperança. O fim da censura animava um debate amplo, franco e plural, sem restrições de qualquer natureza – como deve ser. A universidade a mim se apresentava como um campo fértil, rico de possibilidades, o lugar adequado para ampliar horizontes e sonhar com outros mundos.
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Empolgado pelo clima reinante, buscava, o máximo possível, comparecer às atividades oferecidas pela Faculdade. Vários candidatos a presidente passaram pelo auditório da escola, onde conversaram com os estudantes, democraticamente. Lembro-me de haver assistido a sessões com Aureliano Chaves, Lula, Mário Covas…
Num belo dia, no entanto, atraiu-me um cartaz pregado num dos murais do saguão de entrada. Anunciava a palestra “O amor em Platão”, com Sônia Viegas. Convidei meu irmão Rodrigo a me acompanhar.
Após vencer a disputa por assento no recinto lotado, tivemos o privilégio de ouvir uma das vozes mais potentes da intelectualidade mineira de sua geração. Saímos impactados pelo carisma com que a professora exercia a arte da palavra.
Clara, precisa e profunda, ela tinha o poder de transportar o público para um lugar diferente, para uma espécie de ágora grega, inclusiva e gentil, capaz de acolher o diálogo, a divergência e a dúvida – condições valiosas para a sofisticação do pensamento.
Sônia Viegas faleceria em outubro daquele mesmo ano, deixando uma legião de alunos e admiradores saudosos do seu brilho e de sua paixão pelo ofício do pensar e pela partilha generosa do conhecimento. Belo Horizonte até hoje sente a falta de suas iniciativas marcantes, como o Cinema Comentado e o Núcleo de Filosofia.
Aquela manhã na Fafich voltou várias vezes à minha mente durante a leitura do excelente perfil biográfico escrito pela professora Miriam Peixoto, que será lançado na noite de hoje, dia 29, às 19:30 horas, na Galeria de Arte do BDMG Cultural, no Edifício Professor Darcy Ribeiro (rua Bernardo Guimarães, 1.600).
Ao longo de mais de cento e cinquenta páginas, Sônia Viegas está de volta, mais viva que nunca, principalmente em suas luminosas atuações como professora e como pensadora da Cultura.
Quem puder comparecer ao evento, cuja entrada é gratuita, terá a oportunidade de reverenciar a memória de uma das mais importantes intelectuais públicas de Minas nas décadas de setenta e oitenta do século passado.
*Jornalista. Da Academia Mineira de Letras.
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