“Cartas para Irene” funde linguagens

A Ananda Cia. de Dança Contemporânea estreia “Cartas para Irene”, uma criação de dança e teatro que fala sobre memória e saudade e se estrutura a partir de cartas escritas pelo dançarino e ator Oscar Capucho à sua mãe, falecida em abril de 2012. Ele ficou cego aos nove anos devido a um descolamento de retina.
Neste espaço-tempo que marca a transição entre o mundo permeado por imagens e um outro, no início obscuro, permeado de incertezas, Oscar descreve com muita emoção o papel que Irene, sua mãe, teve em sua vida. A direção é de Anamaria Fernandes e codireção de Duna Dias. As apresentações vão acontecer hoje, às 20h; e amanhã, às 19h. Será disponibilizado acessibilidade de audiodescrição e tradução em libras. O acesso é gratuito pelo canal https://www.youtube.com/c/CiaAnanda.
“Cartas para Irene” nasceu de uma conversa entre Oscar e Anamaria, quando o artista conta sua história e apresenta, com emoção, as marcas de Irene em sua trajetória. A diretora, então, propôs que o artista escrevesse cartas à mãe durante seis meses. Este é o princípio norteador e fundante da criação da montagem. O processo de escrita teve início no mês de julho de 2020. As cartas, guardadas individualmente em envelopes selados, foram abertas de maneira aleatória. Cada carta, de conteúdo desconhecido pela diretora e assistente, instigou processos de improvisação nos quais o artista, na revelação do íntimo que a carta trouxe, transitou entre a escrita e a dança.
As cartas foram o alicerce da peça. Tudo partiu desta escrita, das linhas em braile que cruzam e marcam as folhas de papel. É um trabalho que propõe uma tessitura, no campo da intimidade, da escrita, da dança e da interpretação. Das palavras, emana-se um dizer do corpo, uma manifestação particular do íntimo que se desvela ao outro. “Nós buscamos fazer uma criação que captasse os sentimentos, as lembranças e emoções contidas nas cartas, de forma não literária. Trouxemos as palavras para o universo da dança, como matéria a ser esculpida pelo corpo, como um mergulho dentro do corpo. O atravessamento dessas emoções foi um processo difícil e delicado. Mas acredito que deste quarto íntimo, conseguimos criar algo sensível, tocante e compartilhável”, explica a diretora.
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Irene era uma mulher pequenina no tamanho, mas grandiosa no caráter. Dona de casa, mulher forte e guerreira, nascida em Sabará criada desde os três anos pelos avós que trabalhavam na roça, plantando café. Oscar conta que a influência de Irene em sua vida foi e é fundamental em cada uma de suas escolhas. Desde então, muitas coisas a lhe dizer. Muitas já ditas no espaço íntimo desse artista, em cada lembrança, em datas comemorativas, em muitos silêncios. Algumas ainda não ditas, guardadas dentro do peito. Através das cartas, vamos conhecendo um pouco da história de Oscar e Irene.
A montagem traz essa mulher que vê, aos poucos, seu filho perder a visão. Uma mulher que faz a escolha de não ter dó de seu filho, de não o inferiorizar. Uma mulher que faz a escolha de tornar seu filho independente, de acreditar em suas potencialidades, de ter confiança em sua força. Uma mulher que aceita, sem preconceito, a homossexualidade do seu filho e sua escolha em ser artista. Oscar Capucho revela que o espetáculo reverencia a sua mãe, que sempre o apoiou, independente da sua condição.
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