Corpo dança música feita por Gil e Caetano

Na sua tradicional temporada brasileira do segundo semestre, o Grupo Corpo faz a festa para dois compositores da mais alta esfera da MPB que completaram 80 anos em 2022: Gilberto Gil e Caetano Veloso, trazendo ao palco os espetáculos “Gil”, em versão totalmente nova – com o aposto “Refazendo”- e “Onqotô” (2005). O programa estreia no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes hoje, para seis apresentações, até 4 de setembro.
O espetáculo reúne dois balés com música especialmente composta para a companhia pelos geniais baianos: “Onqotô”, de 2005, trilha de Caetano em parceria com José Miguel Wisnik; e “Gil”, de 2019, agora inteiramente refeito e rebatizado de “Gil Refazendo”.
Em 1942, nasciam na Bahia dois dos maiores nomes da música brasileira – Gilberto Gil, em 26 de junho, na capital do estado; Caetano Veloso, dia 7 de agosto, na pequena Santo Amaro da Purificação. E em 2022, quando ambos completam 80 anos, serão celebrados pelo Grupo Corpo.
A renovação do balé de 2019 já estava nos planos do grupo. “Não ficamos satisfeitos com o resultado e decidimos voltar à estaca zero a partir da trilha de Gilberto Gil”, aponta o diretor artístico Paulo Pederneiras. “É, na verdade, uma estreia, um novo espetáculo”. Além da oportunidade de homenagear Gil nos 80 anos, a decisão foi reforçada pela transformação radical que o mundo viveu nesse período – e o Brasil em particular. “Embarcamos na ideia de um renascimento, de um refazer, replantar, reconstituir”, continua Paulo. “Gilberto Gil, com sua metafísica, suas ideias e sua fundamental militância em prol do meio-ambiente se torna uma perfeita tradução da necessidade de reconstruirmos o que foi arrasado, pôr de pé novamente o que desandou”.
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A bem da verdade, há uma única exceção na renovação da coreografia: o samba da Mari – solo da bailarina Mariana do Rosário na releitura de “Aquele Abraço”. “Fora isso, é tudo absolutamente novo”, reforça o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. “Temos uma trilha que quase não respira, é como um rio caudaloso, de correnteza forte. Entrei nessa dinâmica, com grupos grandes em cena, em vez da prevalência de os duos e trios. E não há chão – é uma energia que sobe”. Mesmo no final, em que a música foge do habitual encaminhamento para um ápice e opta por um ralentando, a força dos movimentos “puxa para o alto ”, descreve Rodrigo.
A cenografia se apoia numa imagem de fundo em milimétrico movimento. “São girassóis que lentamente voltam à vida”, conta Paulo. “Gravamos por 15 dias ininterruptos a transformação das flores vivas em plantas murchas, encerradas num local fechado; na projeção do palco, invertemos o processo. O público vai acompanhar, a princípio sem perceber e no final de maneira explícita, a vida que retorna”. Vestidos de linho em tom cru – moças de camisa sobre uma malha de duas peças, rapazes de calça e camisa de corte casual – os bailarinos dançam sob a luz “branca e simples”, como diz Paulo Pederneiras.
“Aquele Abraço”, “Realce”, “Tempo Rei”, “Andar com Fé”, “Toda Menina Baiana”, Sítio do Picapau Amarelo, Raça Humana: na trilha de 38 minutos, surgem frases e temas de canções de Gilberto Gil – retrabalhadas, mas perfeitamente reconhecíveis nas suas variações. O arco traz quatro temáticas, ou quatro ambientes musicais, na definição do compositor: um choro instrumental; uma abordagem camerística (com inspiração“ em Brahms ou Satie”, aponta ele); um terceiro momento de liberdade improvisadora e, finalmente, uma construção abstrata baseada em figuras geométricas. “Círculo, triângulo, retângulo, pentágono, a volta ao círculo e finalmente a dissolução numa linha reta”, explica Gilberto Gil.
Nos arranjos, se alternam os tambores ancestrais e as distorções do aparato eletrônico; o afoxé e o naipe de sopros de pegada jazzística; a modinha e o berimbau. As citações bailam entre si, entrecruzando-se e dialogando enquanto o arco da trilha avança. “O fechamento da trilha traz ainda um poema concreto recitado por Gil, onde as cinco letras de corpo se desdobram em cravo, cedro, flora, palco, perna, braço e pedra. “Ouvindo o resultado final, percebo que há muitos elementos da minha dimensão rítmica mesmo, elementos da Bahia, da música afro-baiana”, conclui o compositor.
O balé criado para a celebração de 30 anos do Grupo Corpo, em 2005, se atira para o universo: olha para o Big-Bang, a gênese cósmica. O tema proposto por Caetano Veloso e José Miguel Wisnik explora a sensação de pequenez do ser humano na imensidão do tempo e do espaço – e, com bom-humor, para o Big Mac e para a provocadora frase do dramaturgo Nelson Rodrigues, fanático tricolor: “O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada”.
Batizado de Onqotô – corruptela de uma das indagações existenciais que permeiam a criação da trilha e do espetáculo – “Onde que eu estou?”, “Para onde que eu vou?”, “Quem que eu sou?”; ou, em delicioso mineirês, “Onqotô?”, “Pronqovô”, “Qemqosô?”.
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