“Diorama”, de Carol Bensimon

Rogério Faria Tavares*
O primeiro livro da gaúcha Carol Bensimon, “Sinuca embaixo d’água”, de 2009, foi finalista do Jabuti e do prêmio São Paulo de Literatura. Também autora de “Todos nós adorávamos caubóis”, editado em 20013, foi com “O clube dos jardineiros de fumaça”, de 2017, que a autora conquistou o Jabuti de Melhor Romance e chegou a finalista do prêmio São Paulo de Literatura. Mestre em escrita criativa pela PUC do Rio Grande do Sul, Carol vive em Mendocino, na Califórnia. Suas obras já foram traduzidas nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Espanha e na Argentina.
Lançado no final do ano passado, “Diorama” (Companhia das Letras, 285 páginas) é o quarto romance de Bensimon. Seu título é palavra pouco familiar e significa ‘a representação de uma cena, onde objetos, esculturas e animais empalhados inserem-se em um fundo pintado realisticamente’, como a própria escritora explica, na página inicial do livro. Tal escolha remete ao universo de Cecília Matzenbacher, a personagem-narradora, que trabalha como taxidermista num museu de história natural. Filha do ex-deputado Raul Matzenbacher, acusado de assassinar outro parlamentar, João Carlos Satti, em meados dos anos oitenta, em Porto Alegre, Cecília é irmã de Marco e Vinícius, cuja presença na história se mostrará decisiva para desencadear a ação central da trama. Mesmo que a morte de Satti e os fatos que a ela se seguiram sejam o fio condutor do enredo e das memórias de Cecília, o livro não pode ser classificado como ‘policial’. Ainda que os elementos de suspense e tensão típicos do gênero apareçam em vários momentos, o que a obra realmente propõe é o contato com temas mais complexos, como as relações familiares, a descoberta da sexualidade e as múltiplas possibilidades de vivê-la, a homofobia e a questão ambiental.
O modo como Cecília e seus irmãos convivem com os pais, os tios e os empregados da casa e como tudo isso será afetado pelo curso dos acontecimentos dão o eixo às cenas a que o público terá acesso no decorrer da leitura. O aparecimento de Fred e Luciano e de lugares como o “Anjo azul”, já na última seção do livro, acrescentam atores indispensáveis para decifrar o “diorama” que a narradora vai compondo ao longo das quase três centenas de páginas que compõem a narrativa.
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Vitalizada por minuciosa e potente pesquisa sobre o ofício dos taxidermistas, suas origens, sua evolução e seus expoentes, e, também, sobre o Brasil e o Rio Grande do Sul de quase quarenta anos atrás, ainda no Governo Sarney, a obra garante uma experiência de excelente qualidade a quem se dispuser a desbravá-la. Bensimon tem estilo elegante e agradável, ágil e sedutor. Sabe criar personagens convincentes, dotando-os de rica vida interior e de passados relevantes. Produz diálogos vivos, com ritmo, e vai organizando o andamento da história com a habilidade de quem possui o pleno domínio técnico de sua arte.
Em memorável passagem, a narradora assim reflete sobre Raul: “Tentei muitas vezes explicar meu pai a mim mesma. Ele se tornara deputado quase sem querer em um momento histórico de muitas incertezas, mas também de alguma esperança. A esperança é insistente no Brasil. Raul Matzenbacher foi um parlamentar medíocre. Era mais um desses homens de ideias pequenininhas e ambiçõezinhas rasteiras que vão fazendo um país”.
*Jornalista. Doutor em literatura. Presidente da Academia Mineira de Letras
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