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Guy de Almeida: o mestre que ensinava com rigor, defendia com paixão e vivia o jornalismo com alma

Jornalista Guy de Almeida teve duas passagens pelo Diário do Comércio e foi um dos principais nomes do jornalismo nacional
Guy de Almeida: o mestre que ensinava com rigor, defendia com paixão e vivia o jornalismo com alma
Crédito: Reprodução ALMG

A imprensa mineira perdeu mais do que um jornalista na última sexta-feira (2). Perdeu um mestre. Guy de Almeida, que teve duas passagens marcantes como coordenador editorial do Diário do Comércio, deixou como legado muito mais que manchetes e editoriais: deixou memória, caráter e uma profunda lição de integridade.

Quem conviveu com ele ainda carrega na voz a admiração intacta. “Possivelmente, o maior que eu conheci. O maior jornalista. Muito mais que jornalista, maior que tudo. Maior pessoa”, resume, com emoção, Luiz Carlos Motta Costa, presidente do Conselho Gestor do jornal. Para ele, Guy foi mais que um colega de trabalho. Ele foi referência de integridade, profissionalismo e coragem.

A primeira passagem de Guy de Almeida pelo jornal foi em 1978, logo após seu retorno do exílio, por conta da ditadura militar. Quando Guy chegou ao Diário do Comércio, encontrou uma equipe jovem e cheia de energia — mas que precisava de alguém com mais bagagem para assumir a coordenação. Era o início do Jornal de Casa, publicação ousada, gratuita e com grande tiragem do mesmo grupo de comunicação.

“Absolutamente fantástico. Das pessoas que conheci, ele foi o mais íntegro, o mais culto, o mais humano”, diz Costa, que relembra o papel de mestre que Guy desempenhava com qualquer colega de redação. 

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“Ele só estava enriquecendo o trabalho. Não era capricho, não era prepotência. Era ele oferecendo o melhor que tinha para oferecer e que nós todos, jovens jornalistas, tivemos a sorte de ter esse professor na prática”, lembra.

Outro colega que aprendeu bastante com Guy de Almeida na redação do Diário do Comércio foi Amaury Pimenta de Pinho, mais conhecido como Xisto. Em 37 anos de casa, Xisto foi revisor, editor e editor-chefe e conviveu de perto com Guy. 

“Acho que ele ensinou muita gente. Pessoas que trabalharam com ele aprenderam muito, porque ele era um cara de experiência, muito culto, antes de tudo, e sabia o que era um jornal”, conta Xisto. 

Defensor do bom jornalismo e dos jornalistas

Apesar do jeito firme e do apelido de “Sô onça” dado pelos colegas, Guy era profundamente respeitado. Costa conta que ele dava broncas sempre que precisava, mas também era muito carinhoso. Uma dessas broncas ficou na memória de Costa. Era véspera do Dia das Mães, uma das edições mais importantes do ano. 

“Ele era muito rígido com horário e indignado com o atraso de um repórter, disparou: “Há quanto tempo você sabe que nesse domingo era o Dia das Mães? Como que sexta-feira você está fazendo essa matéria?”, indagou, à época.

Mas atrás da rigidez de Guy de Almeida, havia sempre propósito. “Era o jeitão dele. Ele podia até ser duro, mas logo depois, pedia desculpas”, rememora Costa. 

Guy também era um defensor intransigente de sua equipe. Xisto lembra que ele cobrava muitos dos repórteres, mas também defendia-os. Ele conta um episódio em que uma repórter do Diário do Comércio foi ofendida por um deputado. “Ela chegou chorando ao jornal. O Guy ligou imediatamente para o parlamentar. Para ele, repórter era intocável”, rememora. 

Guy de Almeida: o maestro da redação

Foto: Rodrigo Dias ALMG

Na segunda passagem pelo Diário do Comércio, já em 1992, Guy voltou para um ambiente diferente, mas a missão dele era a mesma: elevar o nível da produção jornalística. O contexto era de efervescência econômica e o jornal precisava acompanhar as mudanças. Guy entendeu essa transformação com clareza e sensibilidade.

“Com toda a sabedoria dele, com todo o talento, ele aprimorou, lapidou o que a gente fazia. Mais uma vez, um trabalho de afinação, de ajustar a orquestra, um trabalho de maestro”, explica Costa.

Se no dia a dia profissional Guy era conhecido pela exigência e rigor na qualidade e na responsabilidade na produção das matérias, fora das redações, ele era mais tranquilo. 

“Nos encontros de fim de ano, ele era muito brincalhão, tinha ótimo humor”, lembra Xisto. “No trabalho, era rígido. Mas fora dele, era leve”.

Guy também tinha vivência internacional, com passagens pelo Peru, Chile e Itália — o que lhe dava uma visão ampla e generosa do mundo. Luiz Carlos Costa recorda uma viagem com ele ao Iraque. 

“Na volta, passamos por Roma. Um amigo chileno dele nos levou a um jantar e, na conversa, eles lembraram de outro amigo, que era o então atual prefeito de Roma. No dia seguinte, estávamos nos encontrando com o prefeito de Roma. Guy tinha amigos assim”, conta. 

Um legado para o jornalismo

Considerado um exemplo para os colegas, Guy de Almeida deu imensas contribuições para o jornalismo mineiro e brasileiro. Responsável pelas reformulações no Jornal de Casa e no Diário do Comércio, ele sempre prezou pelo ofício do fazer jornalístico e pelos colegas. 

“Ele impulsionou o Jornal de Casa, deu outro estilo, outra forma de escrever, e no Diário também. Ele era rígido e, ao mesmo tempo, muito colega. Chamava a atenção, mas também agradecia, valorizava o trabalho jornalístico das pessoas”, relembra Xisto.

A morte de Guy de Almeida não apaga o que ele construiu. Pelo contrário, fortalece a lembrança dele como um dos nomes mais importantes do jornalismo nacional. Um homem que acreditava na palavra como ferramenta de transformação, no rigor como caminho da excelência e na integridade como único método possível de trabalho.

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