IDEIAS | Do you speak english?
CARLOS PERKTOLD*
A pergunta acima é dirigida ao leitor a propósito da quantidade de palavras em inglês que temos na mídia impressa diária. O leitor precisa quase ser poliglota para entender o que deveria ler em português. Se não se está habituado a elas, fica sem saber o que é homeschooling ou Summit ou ainda streamning nos jornais diários, causando um lockdown cerebral a quem não está familiarizado com a língua.
Isso, sem mencionar a alvagaria dos termos em economês ou em informatiquês, também criada para diletantes da língua de Shakespeare. E tome byte, bit, e-commerce, software, e-mail,hardware, big techs, home office e delivery. Deletar já virou verbo no Brasil e já deve estar registrado nos dicionários. Save, do verbo inglês to save, arquivar, virou salvar na língua dos iniciados em informatiquês. O leitor sabe o que é hedge cambial? Se sabe, congratulations. Se não sabe, you should, pois está em quase todas as páginas dos cadernos de economia.
Há colunas nos jornais com títulos inacreditáveis. Exemplo: O Guia Pet Friendly. Guia todo mundo sabe o que é, mas pet friendly só para os apaixonados pelos animais caseiros, caso contrário, ninguém lê a matéria. Se alguém está pensando em montar um small business, procure uma company que lhe ofereça coworking em algum prédio. Fica mais em conta e não se arriscará tanto. Há algumas lives on-line que te ensinam a não investir muito em business novos. Se o timing de seu cotidiano não permitiu ouvi-las, basta acessar o youtube ou contatar algum amigo no seu facebook.
As frases impressas em T-shirt e em adesivos trazidos de Miami e aplicado nos carros nos fazem ficar perplexos como há pessoas que concordam em vestir ou colocar nos automóveis frases como: How I am driving? Dial 0800FUCKU.
É grosseria sem limites e não faz ninguém rir. Há camisas com descaradas cantadas “Leave me your phone number I will leave you mine”; clichê cinematográfico Hasta la vista, baby que fica simpático na voz do austríaco que conquistou a Califórnia e a sobrinha de Kennedy, imaginem a primeira impressa na camiseta apertada sobrando barriga.
O capitão Wagner Moura Nascimento disse numa entrevista publicada há poucos meses que alemã é a língua do Diabo, tão difícil ela lhe pareceu. Para quem nasceu aprendendo português é mesmo. Talvez por isso, vemos poucas citações na língua de Goethe, o que é uma schade (pity in English, by the way). Maior uso dela poderia despertar interesse de aprender alemão na garotada e descobrir os grandes filósofos. Alemão tem a vantagem de ter uma palavra para cada sentimento, cada coisa ou objeto, mesmo que sejam aquelas imensas que a gente precisa de um balão de oxigênio para dar uma respirada e pronunciá-la no meio do caminho até chegar ao fim. Ela é assim porque quando se trata de algo muito específico as palavras formadoras dela ficam juntas. Por isso, se fosse em alemão, a frase acima seria uma única palavra. Haja oxigênio.
Amigo nosso pediu-me para sugerir um nome ao saloon novo dele e, surpresa neste mundaréu de anglicismos, que fosse em alemão. Sugeri “Dona Frau”, fácil de pronunciar e bem germânico, mas ele não concordou. Há muito não o vejo, mas hoje seu boteco deve ser algo como John´s Bar, com apóstrofe e caso genitivo in english.
No passado, quando francesa era a língua que todos os interessados em cultura aprendiam, havia muitas citações dela na imprensa e até nos diálogos entre eruditos. Hoje só é possível encontrar prédios com nomes pra lá das praias da Normandia: os Chateaux. São aqueles com nomes de castelos começando com a letra “A” e vai dangereusement até a letra “Z”, fora as maisons daqui ou dali.
Estão aí meus amigos da construção civil, Chico Matos, Erick Nielsen e Raul Araujo, que não me deixam seule nesta história e confirmarão tudo. Nomes chics ajudam a vender o prédio. Já imaginaram um deles chamado Silva´s Building? Venderia mais devagar, e na primeira reunião de condomínio, por certo, o nome seria trocado para John Wayne Business Center.
E há por fim os tratamentos entre as pessoas em língua estrangeira. Conheci um sujeito que deu um fora horrível numa festa ao resmungar para o colega ao lado “esse cara é gigolô de madame”. Numa festa na qual todos falavam francês, menos ele, claro, o monoglota achou que estava falando em português e que ninguém entenderia. Em cinco minutos ele estava hors de la fête.
Que o leitor também não imagine que tudo isso descrito aqui é uma balela. Basta prestar atenção nos jornais, nomes de prédios, bares, camisetas e adesivos para comprovar que não sou fabricante de fake news e que os anglicismos estão impregnando nossa língua como um chewing gum.
*Psicanalista, advogado e escritor
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