IDEIAS | Essa América, mãe. Onde estou?
Adriana Aparecida de Oliveira Rezende*
Subtrair de uma nação suas riquezas e território não é tão simples quanto supõe a literatura europeia. Os cânones e os dogmas romanos querem fazer crer em sua literatura, universidades e bibliotecas, que Borges chama labirintos, onde se move com a desenvoltura de sua visão privilegiada. Joga na promoção da incomunicabilidade entre gerações, visando inibir a transmissão da dignidade familiar e legado cultural e patrimonial.
O exercício da língua nativa, cuja inferioridade seria compensada pela língua estrangeira, cujos conhecimentos que propõe transmitir são mal versados e traiçoeiros, impostos em textos notadamente falaciosos de contestação fácil.
Postas as gerações mais novas em conflitos de identidade nacional, muitas vezes preferem outra nacionalidade na ilusão conferida pela imagem de cidades suntuosas, ricas, que abrigam em seus fabulosos museus o patrimônio de milênios de invasões e rapinagem cultural. As mesmas que ocultam os problemas inerentes e universais de toda urbe, pobreza, criminalidade, saneamento, precariedade de transportes, subemprego e etcetera.
Nosso imenso e plural país sedimentou-se na diversidade, adversidades e perseverança. Aparentemente vulnerável em sua distribuição de riquezas desigual, faz crer ao observador ingênuo que não tem solidariedade, unidade e cede com ganância e irresponsabilidade à corrupção.
Não é tão simples quanto lhes parece. Aqui há raízes tanto ou mais sólidas quanto às que hoje sofrem terríveis violências nas florestas.
No Brasil como em tantas colônias europeias, consolidamos uma língua nacional, onde se afirmam vocábulos indígenas, africanos, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, árabes e outros tantos que aos moldes roseanos assimilamos, recriamos e o faremos tantas vezes quantas a história humana nos desafiar.
Como nossos irmãos de Guiné-Bissau, reféns de ditames colonialistas, provaram em correspondência com o mestre Paulo Freire, nunca terem padecido males de analfabetismo, que estatísticas imaginosas atribuíram a seu povo.
Sociedade cuja lavoura primava pelas técnicas bem-sucedidas, criações de animais para sustento, casas limpas e ordenadas, famílias dignas. Comunicavam-se com desenvoltura e tinham bem organizadas suas instituições de manutenção da ordem social. (Freire, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1977).
Em “El labirinto de la Soledad”, Octavio Paz, testemunha o esvaziamento do México, e da sua matriz étnica, por seus colonos cuja política promoveu o apagamento da língua, rituais e costumes, religião e riquíssima bagagem cultural cujos vestígios sobrevivem em obras de arquitetura impressionantes.
Trata-se de reclamar justiça ao homem do México, que resistindo à violência dessa dominação perversa, construiu uma dignidade própria, apesar ainda da situação caótica que sua geografia impõe, fronteiriça aos EUA, vizinha de sua Hollywood, que cotidianamente constrói caricaturas debochadas e insistentes do mexicano.
O objetivo dessa narrativa é despretensioso, inspirado pelo meu livreiro, que teve queimado seu acervo de três mil livros. Hoje já conta com um acervo maior, produto de doações, uma vez que tem como única fonte de suprimento o recolhimento em pontos de reciclagem de lixo.
A covardia de incendiar livros para intimidar e mesmo exterminar civilizações, é uma prática que remonta à antiguidade e sempre vai existir a conduta covarde que pensa poder desconstruir o pensamento humano, sequestrando o registro de costumes, práticas laborais, propriedades, riquezas, religiões, ritos, e outras colunas que fundam a dignidade social de um povo.
Foi para sublinhar a inutilidade e a ignorância de quem pensa poder apagar o povo brasileiro, promovendo a desinformação relacionada a nossas capacidades, fazer-nos ignorantes a ponto de ser conivente com o genocídio cultural, moral e físico de mais um povo, que como vem se repetindo ao longo da história, pretendem roubar e humilhar.
Como se nascidos ontem, brasileiros não fôssemos.
*Pedagoga
Ouça a rádio de Minas