Elas nos negócios: Quando nunca é tarde para empreender

Aos 66 anos, Maria Eudiléia dos Santos tem um currículo extenso. Já foi fiscal do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG) e advogada da União, oportunidades que conseguiu após se graduar na universidade com o dinheiro da venda de bolos que ela preparava. Essa habilidade na confeitaria também lhe rendeu algumas vagas temporárias de auxiliar de cozinha no comércio de Belo Horizonte na década de 70.
O que Maria Eudiléia não imaginava, naquela época, é que seria possível redescobrir o prazer de trabalhar mesmo após se aposentar do serviço público. Foi quando ela abriu uma floricultura no bairro Floresta, na região Leste da Capital, onde comercializa espécies de plantas e itens de decoração que dão um toque de classe aos arranjos que produz. A aposentada que também é microempreendedora individual (MEI) não só administra, como também participa da arrumação e das vendas.
“Me aposentei muito jovem, com 51 anos, há 15 anos. Agora acabo trabalhando mais do que antes, mas também sou muito empolgada com o que faço. Cada vez que noto um cliente sair feliz daqui por conta do meu trabalho, eu ganho o meu dia”, diz.
Ela é uma das pessoas com mais de 65 anos que optaram por contribuir com sua experiência e disposição notáveis no mercado de trabalho, em vez de curtir sua aposentadoria em casa.
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Segundo dados do Ministério da Economia divulgados pelo Sebrae neste ano, no Brasil, os MEIs já correspondem por 53% dos negócios ativos no Brasil, deles, 43,7% são comandados por mulheres. Entretanto, apesar de não existir dados específicos sobre pessoas aposentadas que se tornam MEI, o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que no Brasil, atualmente, existem cerca de 22,1 milhões de indivíduos acima dos 65 anos. E, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), as pessoas a partir de 60 anos representam 19,4% da população economicamente ativa.
Isso significa que, sim, tem muita gente da terceira idade disposta a trabalhar. E um dos motivos é, possivelmente, o avanço da medicina, que tem proporcionado saúde e longevidade para quem já passou dos 60.
Na maior favela de Minas, sonho ajudou a ‘lavar’ barreiras
Na loja de Edivânia Cruz, uma lavanderia no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, o movimento é pra valer. Das 8h às 23h, de segunda a sábado, ela cuida do seu estabelecimento. A clientela é fiel e a única funcionária, Joyce da Silva já tem carteira assinada. A proprietária garante que está a loja está só começando.
“Hoje, graças a Deus, tenho aproximadamente 90 clientes. É um negócio que surgiu há pouco tempo, porém está caminhando bem. A minha vontade agora é pegar a parte de cima da loja, que estou aos poucos construindo, e colocar ali o serviço de passadoria”.
Ela ainda diz: “Fico sonhando em cada canto, em crescer meu espaço e, futuramente, ter várias passadeiras trabalhando comigo, vendo um monte de roupas penduradas e entregando por motoboy“.
Segundo a microempreendedora, ela não imaginava o sucesso que a lojinha poderia ter. “Eu pensava que poderia ter algum tipo de sucesso lá embaixo, no asfalto, e não aqui na comunidade. Mas, a comunidade acabou me surpreendendo”, diz. O Aglomerado da Serra, mais precisamente, é a maior favela de Minas e está localizada na zona sul da Capital.
Em 2023, Edivânia Cruz estava desempregada e sem dinheiro, mas tinha uma intuição e uma enorme vontade de vencer. A lavanderia começou como a maioria dos empreendimentos no Brasil: bem pequena e em casa mesmo. “As máquinas ocupavam vários espaços. Tinha uma na cozinha, ao lado do fogão e da pia, e outra que ficava junto com uma secadora em um quarto que precisei adaptar. Já as roupas prontas, separava numa mesa que tenho na sala ou em caixas”, relembra.
O primeiro passo para sair de casa foi usar um trailer de lanches emprestado por um vizinho que já estava sem uso. “Foi assim que tudo começou e depois passei a ganhar até mais do que meu próprio esposo”.
Na expectativa de que tudo daria certo, ela ainda relembra que naquela época foi feita uma aposta com o marido: “Conversei com ele que, se a gente passasse dos seis meses iniciais e não quebrasse, iríamos em frente. E, quando chegou aos seis meses, fizemos um churrasco com os nossos amigos e alguns parentes. Foi quando pensei comigo que agora não quebra mais”.
Cada centavo conta
Em Itinga, um pequeno município no Vale do Jequitinhonha, com 13,9 mil habitantes, Francisca Fernandes sempre foi uma mulher de múltiplas tarefas. Para ela, superar desafios sempre foi parte de um caminho marcado por dificuldades. “Já trabalhei com costura para funerária, fiz uniformes para creche, já cozinheira, cuidei de criança e fiz arranjos para noivas. Tentei de tudo para transformar minha realidade”, relembra.
Analfabeta e trabalhando na informalidade, Francisca Fernandes enfrentou dificuldades financeiras. “Já tive o tempo em que não podia alimentar meu filho mais velho e me sentia impotente por não conseguir trabalhar, tudo em função de não saber ler nem escrever”, diz.
Seu marido, mecânico, tinha um bom salário, mas após um acidente de trabalho em 2017, Francisca precisou se reinventar mais uma vez. No mesmo ano, mudou-se com a família para Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e começou a criar figuras em biscuit, uma técnica artesanal que havia visto na televisão. Como a matéria-prima era cara, ela experimentou com o que tinha em casa: óleo, goma de mandioca e vinagre.
“Tinha pessoa que comprava apenas para ajudar, outras eram mais sinceras e diziam que não era muito bonito, mas mesmo assim tentava levar a vida. Tentei de diversas formas até chegar ao resultado desejado, mas o ponto de virada foi quando testei a massa do biscuit com sabonete”.
As dificuldades na produção e na venda não a fizeram Francisca Fernandes desistir. Hoje, as peças que comercializa nas redes sociais retratam personagens como Lampião e Maria Bonita, que, assim como ela, nunca fugiram da luta.

“Tudo melhorou após um curso que fiz de artesanato, onde aprendi as técnicas. Atualmente, sou MEI, mas não estou sozinha, pois também trabalho com meu esposo na produção”. Somente em 2024, o negócio de dona Francisca já cresceu aproximadamente 40%, totalizando em um mix de 600 produtos.
“Hoje, muita gente que diz: ‘ah, mas na internet tem mais barato’. Mas o meu produto é feito à mão, tem cuidado, tem carinho. Meu produto não tem só preço, ele tem valor”, afirma Francisca.
Mulheres se unem para compartilhar e viver a tecnologia
Os “cabelos prateados” são frequentemente associados à sabedoria e experiência, imagem que, muitas vezes, pode até conferir uma vantagem no ambiente de trabalho. No entanto, essa visão nem sempre se traduz em oportunidades iguais, especialmente em setores dominados por uma mentalidade mais “jovem”, como a área de tecnologia.

Para as mulheres, o desafio é ainda maior. Além do etarismo, elas também enfrentam o machismo, e batalham contra a dupla discriminação: a de idade e a de gênero. Saber do tamanho da luta por trás da história torna a experiência de Mercedes Luzia Miguel ainda mais inspiradora. Com 66 anos, ela se lançou recentemente nos estudos de Programação.
Aposentada, Mercedes Miguel não vê a idade como uma barreira para o aprendizado em tecnologia. Sua filha, Maria Isabel que empreende há 12 anos como programadora e consultora de marketing para empresas é a principal incentivadora. Com muito bom humor, ela questiona: “Quem disse que tecnologia é só para os jovens? Foi minha filha que me incentivou a sair do conforto da minha cadeira e me aventurar nesse campo. Ver os jovens inovando e brincando com inteligência artificial é algo fantástico”.
Para Maria Isabel, a trajetória da mãe não apenas desafia estereótipos relacionados à idade, mas também ressalta uma mudança cultural que pode ser adotada pelas empresas e projetos sociais espalhados pelo Estado. “Ao abraçar tantas as mulheres que sonham em investir no futuro, independente da idade, da profissão, da meta, as empresas enriquecem o mercado de oportunidades”, diz.
Hoje, Maria Isabel não somente ajuda a própria mãe, como criou um projeto social nos fundos de casa, no bairro Sagrada Família, na zona Leste de Belo Horizonte onde elas também recebem compartilham conhecimento e aprendem sobre programação básica.
“Somos em cinco mulheres, que a cada dia me surpreendo eom elas, o interesse em que elas possuem e a vontade de aprender mais e mais, Penso que com uma vasta gama de experiências e diversidade seja no empreendedorismo feminino, seja na geração de empregos por parte das empresas, todas nós que temos perspectivas podemos ajudar a pavimentar um caminho para um futuro mais inclusivo e produtivo”.
Mercedes Miguel afirma: “Sempre ouvia dos meus pais que nunca é tarde para aprender e empreender. Hoje, repito isso para a minha filha, e ela me diz o mesmo. Isso é bom porque sinto que não devo desistir de mim mesma e quem sabe posso ajudá-la, em breve”, reflete.
O empreendedorismo feminino sempre será necessário para a economia, diz socióloga
Para a professora especialista em Antropologia e Sociologia da UFMG, Cláudia Meirelles, as mulheres empreendedoras ainda enfrentam alguns desafios no mercado nacional. Segundo a docente, apesar do aumento de empreendimentos liderados por mulheres no País, a desigualdade de gênero ainda é significativa, tanto na ocupação de cargos de liderança quanto no acesso a financiamento.
“É necessário incentivar as mulheres a realmente investirem em modelos de negócios, como inovação, tecnologia, comércio e serviços. É sabido que grande parte dessas mulheres que optam por criar o próprio negócio o faz por necessidade. Para se ter uma ideia, nos últimos anos, o índice de empreendedorismo feminino aumentou cerca de 40% no Brasil”.
Ela continua: “É claro que, além disso, o perfil da empreendedora brasileira enfrenta dificuldades para desenvolver seus negócios devido à carga burocrática, aos impostos corporativos elevados e à complexidade do sistema tributário. Logo, a opção do microempreendimento é a alternativa que acaba sendo a mais viável, Entretanto, temos avançado, graças à persistência e a resiliência de tantas mulheres”, afirma.
A socióloga ressalta que políticas públicas e ações de incentivo para abrir espaço às mulheres empreendedoras é também uma forma de impulsionar a economia do País. Para isso, é importante promover uma sociedade mais inclusiva. Uma maneira de alcançar isso seria ensinar equidade de gênero desde a infância. “Nossos filhos e filhas devem crescer compreendendo a igualdade de gênero como algo natural, e não como algo que exija esforço constante”, aponta Cláudia Meirelles.
Para ela, essa é uma responsabilidade coletiva; em que cada indivíduo pode ser um aliado das mulheres na busca por oportunidades equitativas. “É fundamental superar padrões e barreiras para que isso se concretize. Precisamos assegurar que as mulheres tenham as mesmas oportunidades na educação, na carreira e no desenvolvimento profissional’, conclui.
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