Teatro de boneco aborda delírios e clichês do Brasil

“Brasil: Versão Brasileira”, do grupo “Pigmalião Escultura que Mexe” chega hoje às telas brasileiras. Com quatro exibições gratuitas, a obra se apresenta como um documentário fantástico que registra os delírios de um diretor marionete ao tentar criar uma obra que retrate o Brasil.
No processo, ele se debruça sobre a observação de clichês atribuídos ao País que, por vezes, se tornam realidade, e sofre com a inversão de suas expectativas diante do projeto, desencadeada por um motim dos atores/manipuladores, registrado pela dramaturga Marina Viana. A conclusão: tentar elaborar qualquer definição de Brasil é como uma serpente que devora a própria cauda.
“Hoje em dia é muito fácil todo mundo sair correndo quando escuta uma proposta de conversar sobre o Brasil, mas acho, de verdade, que conseguimos reverter essa sensação no espetáculo. Tanto pela linguagem escolhida como pela própria abordagem do tema”, explica o diretor Eduardo Felix.
“A formatação audiovisual permitiu que aplicássemos com detalhamento nossas técnicas, evidenciou a manipulação e permitiu com que criássemos uma bela ilusão. Um jogo com o público que tem dúvidas se ora é ator ora é boneco”, observa.
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“Brasil: Versão Brasileira” faz temporada on-line de hoje a domingo, às 20 horas. A obra ficará disponível pelo Youtube do grupo durante o período de exibição. O espetáculo é realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
“Eu destaco muito a linguagem, a forma, o movimento, a composição visual do espetáculo, os meninos estão manipulando muito bem, mas também os jogos de palavras e a construção do raciocínio do texto”. Essa não é a primeira vez que o diretor e a dramaturga Marina Viana trabalham juntos “É uma parceira que admiro muito”, destaca.
Marina Viana entra na construção do texto para dar voz ao motim dos atores/manipuladores que aconteceu, de certa maneira, na vida real. “Tentamos falar do Brasil desde a perspectiva amplificada e caricaturizada do diretor do grupo, Eduardo Felix (representado por um boneco em tamanho real dele mesmo) em confrontação de todos os artistas do grupo que o manipulam (de fato) e escutam seu discurso.” conta ela.
Desse conflito surgem outras perspectivas de Brasil além das de Eduardo. Os manipuladores abandonam o boneco e falam por si, o esquartejam e obrigam o diretor vir à cena se posicionar.
Processo criativo – Estreada como “Brésil” em Reims, na França, a obra foi reestruturada para a sua “Versão brasileira”, porém nos dois casos o grupo precisou se recolher para uma auto-análise, onde foram discutidas as relações internas e externas, bem como o papel que pode ter uma trupe de teatro de bonecos dentro da sociedade, tentando entender como também usufruem das mazelas que criticam.
Numa inversão total das expectativas iniciais do processo, o diretor do grupo Eduardo Felix, que havia proposto o tema, acabou se tornando uma marionete, personagem central da trama, colocando em cheque suas próprias convicções e a visão que ele tem de si mesmo e do país a partir dos julgamentos dos outros integrantes do grupo.
Se a elaboração de uma dramaturgia que contemplasse todos esses questionamentos seguiu sendo um desafio em ambas as formulações da obra, o novo formato, audiovisual, ampliou as possibilidades de trabalho e exploração da obra. Trabalhar com audiovisual não é novidade para o grupo que já investia no formato desde antes do isolamento social.
“Nossa manipulação é muito realista, muito detalhada, então sempre funcionou muito bem para o vídeo. Talvez, nesse aspecto, até mais do que o teatro”.
O processo criativo da obra contou ainda com cenas criadas por colaboradores por meio de oficinas gratuitas oferecidas pelo grupo. As atividades formativas se dividiram em cinco turmas: iluminação para bonecos, construção de marionete tipo Kokoschka, escultura de cabeça em espuma (da ideia a forma), construção de meia máscara e manipulação de bonecos.
A proposta da inserção das cenas é trazer outros olhares de Brasil para o espetáculo. O resultado dos trabalhos pode ser conferido em trechos inseridos na obra final.
O “Pigmalião Escultura Que Mexe” é um coletivo de artistas que encontrou no teatro de bonecos o veículo ideal para desenvolver trabalhos no limite entre as artes cênicas e as artes plásticas.
Criado em 2007, o grupo sempre procurou desenvolver espetáculos com profundidade conceitual e filosófica. A marionete de fios, a relação do ator com o boneco e o Teatro Visual são seus principais focos. Na construção contínua de sua identidade, o Pigmalião busca o reconhecimento do teatro de bonecos na produção artística contemporânea.
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