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VIVER EM VOZ ALTA | A biografia de João Cabral de Melo Neto

VIVER EM VOZ ALTA | A biografia de João Cabral de Melo Neto
Crédito: ACERVO DA TV BRASIL

Lançado recentemente, “João Cabral de Melo Neto – Uma biografia”, de Ivan Marques (Editora Todavia, 557 páginas), é fruto da pesquisa extensa e rigorosa empreendida pelo autor, professor de literatura brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e responsável, ainda, por livros como “Cenas de um modernismo de província: Drummond e outros rapazes de Belo Horizonte” (2011) “Modernismo em revista: Estética e ideologia nos periódicos dos anos 1920” (2013) e “Para amar Graciliano” (2017). Bastante informativo, o volume narra, de modo objetivo e agradável, a trajetória biográfica de um dos maiores poetas da língua portuguesa do século XX, preenchendo lacuna importante na historiografia da literatura brasileira. Entre outros méritos, o trabalho humaniza o personagem retratado, revelando suas contradições e seus temores, a forma como se conduziu na carreira diplomática e em sua vida amorosa, marcada pelo casamento com Stella e, depois, pela união com a poeta Marly de Oliveira, mesmo contra a vontade dos filhos. Temas delicados, como a sua famosa dor de cabeça, a recorrente depressão e os problemas na vista de que foi acometido em seus últimos anos também são abordados com absoluta correção.

Logo na primeira página, quando descreve o encontro em que Cabral e Drummond se conheceram, Marques apresenta aos leitores o perfil psicológico de seu biografado: “Depois de alguma hesitação, o visitante pernambucano apertou a mão de Carlos Drummond. Estava impecavelmente arrumado, escanhoado e penteado. O cuidado com a aparência, o fato de jamais sair de casa sem paletó e gravata, a preferência pela cor branca, o uso do gel nos cabelos curtos e repartidos com precisão – tudo nele, mais do que o simples desejo de parecer elegante, expressava contenção e pudor. A coisa que mais detestava era chamar a atenção. Tinha horror de se abrir, de ver sua intimidade devassada e dada em espetáculo às outras pessoas”.

Também merece justo destaque na biografia o estrondoso sucesso de “Morte e Vida Severina”, até hoje um dos textos teatrais mais montados nos palcos do país. Encomendada a Cabral por Maria Clara Machado, desejosa de montar um auto de Natal em seu ‘O Tablado’, no Rio de Janeiro, “Morte e vida” seria por ela recusado para só estrear bem depois, graças ao grupo paraense ‘Norte Escola de Teatro’, que a encenou em 1958. A versão musicada por Chico Buarque para o Tuca, o grupo de teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entraria para a história, segundo Ivan Marques, como um dos núcleos da resistência política e cultural, incluindo-se entre os ‘documentos vivos’ da conturbada década de 1960, assim como os espetáculos dos grupos Arena e Opinião, que utilizaram trechos da peça em suas apresentações. E mais: para o biógrafo, para além de sua importância no contexto político pós-1964, “Morte e Vida Severina” se tornou um dos maiores acontecimentos na história do teatro brasileiro, impulsionando a carreira de Chico e popularizando a poesia de Cabral.

Destinado a relatar seus momentos finais, o capítulo 20 do livro, intitulado “Picasso cego”, ainda registra a repercussão de seu falecimento, em 9 de outubro de 1999, dando a devida dimensão a seu legado perene para a cultura brasileira, como enfatizou, na ocasião, o editorial da “Folha de S. Paulo”: “João Cabral teve sucesso naquilo em que a vida brasileira dá mais sinais de impotência, na cultura, na economia e mesmo nas ideias políticas: atingir um padrão de invenção e criatividade competente sem descaso para com o problema nacional, sem descurar do especificamente brasileiro”.

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