VIVER EM VOZ ALTA | A literatura de Ana Cecília Carvalho

Nascida em uma casa de leitores, dotada de ótima biblioteca (à qual tinha pleno acesso), Ana Cecília Carvalho ganhou sua primeira máquina de escrever aos doze anos. O gosto pela literatura, naquela época já em pleno desenvolvimento, dava origem a seus primeiros textos. A estreia em livro, no entanto, seria somente em 1976. “Livro de Registros” reuniu contos como “Trilha sonora para o capitão no sonho”, “O messias e o povo de Deus” e “Estória de Terror”. “Uma mulher, outra mulher” saiu em 1993 e brindou o público com outra coletânea de histórias inspiradas, como “Lágrimas não analisáveis”, “Tartarugas”, “Júlia, vestido e perfume” e “O tempo dos sentidos”. Entre os temas nela abordados estão o homem diante de si mesmo e a solidão.
A veia de contista da autora ainda foi explorada na famosa ‘trilogia da inquietude’, de que fazem parte “Os mesmos e os outros: o livro dos ex” (2018), “O foco das coisas e outras histórias’ (2019) e “A memória do perigo” (2019), todos editados pela excelente Quixote + Dô, de Alencar Perdigão e Luciana Tanure. Nos três, Ana Cecília cria narrativas de perdas, danos e abandonos, consideradas por muitos estudiosos como antecipadoras do que iríamos todos viver a partir de 2020, com a chegada da pandemia, tema por ela encarado em seu belíssimo texto “A sinfonia”, integrante de “20 contos sobre a pandemia de 2020”, obra idealizada pela Academia Mineira de Letras em parceria com a Autêntica Editora.
A literatura infanto-juvenil é a outra expressão literária em que se realiza o talento da escritora mineira. “Pedrinho dá o grito” é de 1991 e narra as mudanças na vida de uma família com a saída da empregada doméstica. Em “Papagaios!”, de 1993, o detetive Hércules Pororô investiga o sequestro de dez papagaios, vivendo aventuras em que a magia e a realidade se confundem. Do mesmo ano, “Policarpo, o inseto desclassificado” apresenta ao público um inseto recém-nascido que não sabe quem é, de onde vem nem a que família pertence. De dois anos depois é “O ourives sapador do pólo norte”, em que uma menina precisa fazer uma pesquisa sobre animais em extinção. Em 1996 chegou “O mundo do meu amigo (o encontro de dois meninos, um do campo, outro da cidade).
Merece destaque, ainda, na bibliografia de Ana Cecília, o delicioso “O livro neurótico das receitas”, em que a autora ensina como fazer cinquenta pratos, em textos marcados pela sua formação e a sua prática psicanalítica, pela sua elegância, sua sagacidade e seu humor. Entre eles, os leitores encontrarão a ‘torta melancólica de mirtilo’, os ‘cookies freudianos’, a ‘compota projetiva de frutas’ e o ‘pavê edipiano’.
Finalmente, não há como esquecer do instigante livro a que Ana Cecília Carvalho deu o título de “A poética do suicídio em Sylvia Plath”, fruto de sua tese de doutoramento na Faculdade de Letras da UFMG, sob a orientação de Ruth Silviano Brandão. No consistente estudo, são examinados, entre outros aspectos, as funções e os limites da escrita, no contexto da produção da poeta norte-americana, sobre quem Ana Cecília escreveu: “Sylvia Plath sabia melhor do que ninguém que o texto literário é a fantástica ‘cidade onde os homens são remendados’ e nele a poeta sempre renascerá tão boa quanto nova”.
Ouça a rádio de Minas