VIVER EM VOZ ALTA | A literatura de Carlos Marcelo

Nascido em João Pessoa, Carlos Marcelo morou no Recife e em Brasília, onde começou sua premiada carreira no jornalismo. Na capital federal, em 2004, lançou “Nicolas Behr – eu engoli Brasília”, o primeiro volume da Coleção Brasilienses, em que traça um perfil do poeta e faz uma longa entrevista com ele. Seu segundo livro também é sobre um personagem emblemático da cidade: Renato Russo. Fruto de pesquisa rigorosa, que durou nove anos, “Renato Russo – o filho da revolução” saiu em 2009 pela Agir e mereceu edição ampliada em 2016, pela Planeta.Amparado em dezenas de entrevistas, é documento essencial para quem quiser entender aspectos importantes do rock dos anos oitenta e a cena cultural do país no momento histórico da chamada ‘redemocratização’.
O interesse do autor pela música acabou gerando outra obra valiosa, publicada pela Zahar: “O fole roncou – uma história do forró”, de 2012, escrita em parceria com Rosualdo Rodrigues. Uma das expressões mais contundentes da arte brasileira, esse ritmo incrivelmente popular é a porta de entrada para que os leitores conheçam as trajetórias de Luiz Gonzaga, Marinês, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda e o Trio Mossoró, entre outros nomes fundamentais para a compreensão do tema. O livro também aborda o cenário social e econômico em que se deu a circulação do forró pelo território nacional e as dificuldades que ele enfrentou a partir de determinada época, sobretudo depois da chegada da Bossa Nova e da Jovem Guarda (o iê iê iê brasileiro).
A estreia de Carlos Marcelo na ficção se deu com “Presos no paraíso”, editado pela Tusquets em 2017 e lançado na França dois anos depois pela prestigiada Gallimard como “Captifs au Paradis”. Ambientado em Fernando de Noronha, ele comprova o quanto Carlos investe na construção de seus personagens, como Tobias e o delegado Nelsão, ambos complexos e contraditórios. A própria ilha, famosa pela sua natureza exuberante, ganha vida. Não é apenas cenário ou paisagem inofensiva. Pelo contrário. Tem passado, está envolta em mistérios e alimenta segredos, acionando as engrenagens da história.
Algo semelhante pode ser dito a respeito do ótimo “Planos”, lançado nesse ano pela Editora Letramentos. Aqui, Brasília não é somente um pano de fundo. É também protagonista do enredo, com capacidade para tensionar, até o limite, as relações entre os personagens principais do livro (Duílio, Rangel, Tide, Hélio Pires e Diana), um grupo de amigos da primeira geração de adolescentes do Distrito Federal que cresceu assombrado pela convivência com o poder e os perigos que ele oferece. De tal convívio nenhum deles sai ileso, como provam os flashbacks a 1978, ano de um terrível acontecimento na vida da turma, e, finalmente, o desfecho da trama.
Se o livro, por um lado, não se exime de tratar da degradada realidade política brasileira (ele se passa em 2017), expondo algumas de suas terríveis entranhas, por outro ele abre possibilidades de dias melhores e até alguma esperança de redenção, sobretudo quando apresenta aos leitores personagens da novíssima geração da cidade, como Nuno, Djennifer e Janine, hábeis o suficiente para surpreender e driblar o destino a eles reservado e para construir outras histórias…
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