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VIVER EM VOZ ALTA | Ainda sobre a literatura

VIVER EM VOZ ALTA | Ainda sobre a literatura
Crédito: Pixabay

Aquele que escreve fatalmente lança olhares na direção do seu entorno. Examina a comunidade a que pertence. Investiga a sociedade de que faz parte. Observa seus componentes, seus protagonistas e coadjuvantes. Está atento ao modo como as coisas acontecem, a como a vida funciona. Aquele que escreve fatalmente se porá no lugar do outro, se quiser ser bem-sucedido em sua tarefa de criar histórias. Vai calçar as suas sandálias. Verá o mundo pelas suas lentes. O que o escritor realiza senão a tarefa de ser o outro, de inventá-lo completamente, em suas características gerais e nos detalhes? O que é a criação literária senão um terrível exercício de alteridade? À palavra alteridade se seguem algumas outras, como empatia, ou compaixão, ou solidariedade. O discurso literário é, portanto, poroso, permeável, atento e sensível às dores e aos dramas do mundo que o cerca. Não tem como ser diferente.

O lugar do discurso literário não é o lugar do poder, da regulação da conduta, da imposição da regra. O seu ponto de vista é o da criação artística, o da proposição estética, o da inovação, o da ruptura. O da vanguarda, muitas vezes. O lugar do leitor de literatura é semelhante. Quem consome a mensagem literária também se propõe a sair de si, a viajar para outros mundos, a desbravar territórios desconhecidos, a experimentar-se sob outras peles.

A literatura convoca, pois, em escritores e em leitores, um tipo específico de sensibilidade. A sensibilidade que se abre, generosa, ao contato com o diferente, ao mergulho em águas distintas. A literatura combina, portanto, com pluralidade e com liberdade. Mais: sua linguagem pode ser vaga, lacunar, genérica, ambígua, contraditória. E polissêmica, portadora de múltiplos significados.

Quem lê literatura, e sobretudo a boa literatura, escreve melhor, com mais clareza, com mais precisão, com mais habilidade. Melhora a sua formação e amplia seu repertório cultural, suas referências, seu nível de informação. Entra em contato com os tesouros mais valiosos que dada sociedade foi capaz de acumular. Os textos literários contam a história de um povo, de um território, de uma época. E o fazem com mais competência até que os historiadores. Não raro os estudiosos recorrem às fabulações literárias que se salvaram dos escombros de determinado tempo para serem capazes de compreendê-lo.

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Além de documento histórico, a literatura ainda recupera e preserva a memória, os rastros do que passou, as pegadas que se perderam no caminho. Reconstitui ruínas, ou, simplesmente, presta um importante serviço: o de exibir as ruínas e as faltas que elas denunciam. O contato com a Literatura, tanto como leitor quanto como autor, refina a inteligência, deixando-a mais apurada, mais complexa, mais atilada. Os limites da mente parecem alargar-se. O consumo da literatura seguramente repercute na capacidade de entender o outro e os impasses postos à sua trajetória, suas dores e seus dramas.

Finalmente, a literatura promove a aptidão para imaginar e para sonhar, desenvolvendo a criatividade e a capacidade de lidar com situações imprevistas, inesperadas, surpreendentes. Quem não precisa desenvolver tais qualidades?

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