VIVER EM VOZ ALTA | Ignácio de Loyola Brandão
ROGÉRIO FARIA TAVARES*
Em entrevista a mim concedida no Instagram da Bienal Mineira do Livro, em sessão intitulada “A Literatura na vida toda”, ainda disponível ao público nesta rede social, Ignácio de Loyola Brandão refez sua trajetória no campo das letras, dos anos de sua formação, em Araraquara, até a atualidade, destacando a presença fundamental dos livros, desde cedo, no seu dia a dia.
Lembrou-se da biblioteca do pai, uma das maiores da cidade, e dos hábitos de leitura da mãe, além de registrar o quanto duas professoras, Lourdes Prada e Ruth Segnini, foram decisivas nos rumos que sua vida tomou. ‘Sem elas eu não teria escrito o tanto que escrevi’, reiterou o autor, antes de rememorar o modo como ingressou no jornalismo, em sua terra natal, como crítico de cinema: ‘Eu descobri que se escrevesse as resenhas não pagava as entradas. Então, comecei a publicá-las. Assistia a todos os filmes que passavam pela minha cidade’.
Já na capital paulista, Ignácio incorporou-se ao time do “Última Hora”, publicação na qual trabalhou por nove anos. Depois, pertenceu às redações de ‘Cláudia’, ‘Realidade’, ‘Planeta’ e ‘Vogue’. Seu primeiro grande sucesso editorial foi “Zero”, escrito em 1975, lançado primeiro na Itália, pela Editora Feltrinelli, e só depois editado no Brasil, onde chegou a ser proibido pela ditadura militar. Para furar o bloqueio imposto à circulação da obra, muita gente fazia cópias clandestinas do volume, que corria de mão em mão. ‘Incluí no livro grande parte das notícias que os censores dos jornais não me deixavam publicar. Está tudo lá’.
Outro livro importante na carreira do autor é “Não verás país nenhum”, originalmente publicado em 1981, hoje com mais de um milhão de exemplares vendidos, em várias edições. Ao longo de suas páginas, pioneiro e corajoso, Ignácio trata da questão do meio ambiente, desenhando um território devastado pela ação humana. Em um trecho, denuncia: “Ninguém queria ouvir falar em desmatamento, árvores caídas, pastos substituindo matas, formação de terras estéreis. Regozijem-se com o ouro de nossos garimpos, com a madeira que podemos exportar (…)” Pelo mesmo caminho segue a história de seu mais recente livro, “Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela”, de 2018, ambientado em um país mergulhado no caos, que derruba um presidente por semana. Em impressionante tom premonitório, presente em toda a história, escreve: “Ninguém sabe há quanto tempo não existe mais o Ministério da Saúde. Por economia. Os ministros da Cultura morreram de inanição, sem trabalho, verbas, sedes, equipes nem projetos”. Mais adiante, a personagem Clara reflete, em conversa com Marina: “Existe uma coisa a nos devorar, Marina, sem que possamos fazer nada, a não ser contemplar o esvaziamento até nos transformarmos em uma carcaça. Você também tem a sensação de que estamos todos enlouquecendo serenamente neste Brasil?”
Membro da Academia Brasileira de Letras, Ignácio de Loyola Brandão também se dedica à crônica, aos relatos de viagem e às biografias, exercitando o seu vigoroso talento nos mais distintos gêneros textuais. Apaixonado defensor da literatura como fonte para o sonho e para uma vida melhor, é autor que não pode faltar a nenhuma biblioteca que honre a produção brasileira.
*Jornalista. Doutor em literatura. Presidente da Academia Mineira de Letras
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