VIVER EM VOZ ALTA | Juscelino Kubitschek e Celso Furtado

Com grande alegria, presenciei, na Livraria Argumento, no Leblon, na semana passada, no lançamento de “Nos vinte e cinco anos da CPLP” (organizado pelo embaixador Lauro Moreira e por mim), o encontro entre Maria Estela Kubitschek e Rosa Freire D’Aguiar, viúva de Celso Furtado. A talentosa jornalista e tradutora pôde reiterar à filha de JK o quanto seu marido respeitava Juscelino, com quem trabalhou no plano federal. Tocado pelo belo diálogo entre as duas, recorri ao excelente “Obra autobiográfica”, de Celso, lançado pela Companhia das Letras, em 2015, como a edição definitiva de “A fantasia organizada”, “A fantasia desfeita” e “Ares do mundo”. No texto de apresentação à primeira edição, também incluído no volume, o inesquecível Francisco Iglésias deixa claros os vínculos entre o mineiro de Diamantina e o paraibano de Pombal. Escreve o saudoso professor da UFMG: “Com larga experiência na administração pública, no Brasil e no exterior, coube-lhe a chefia do Grupo Misto Cepal-BNDE, responsável pelo ‘Esboço de um programa preliminar de desenvolvimento da economia brasileira’ – uma das bases do Programa de Metas do governo Kubitschek (…)”. E mais adiante: “No Brasil, seu primeiro desempenho importante foi na diretoria do BNDE. Em seguida, no Conselho de Desenvolvimento do Nordeste e na superintendência da Sudene. Este organismo, criado no governo de Juscelino Kubitschek, é decerto a mais rica experiência administrativa do país, uma vez que foi incumbido de reformar toda a política do governo federal no Nordeste, trabalho que já vinha do século XIX e ganhou o primeiro grande impulso no começo do século XX, com o célebre Dnocs.”
O depoimento de Celso sobre Juscelino merece ser relembrado: “(…) Juscelino Kubitschek era uma personalidade que se afastava profundamente dos padrões brasileiros. Dotado de excepcional força de vontade e capacidade para tomar decisões, sem embargo de seu ar brincalhão, e conhecendo a tendência ao imobilismo da classe política do País, habituara-se a obter o que desejava correndo por fora das pistas convencionais. A construção de Brasília foi uma tarefa hercúlea, comparável à façanha da travessia dos Alpes pelo exército de Aníbal com suas brigadas de elefantes.”
No mesmo texto, no elegante estilo que lhe era peculiar, Celso Furtado rememora o clima político do País depois da vitória de JK: “Quando deixei o Brasil, em outubro de 1955, as ameaças de retrocesso alcançavam seu ponto crucial. Kubitschek acabava de ganhar a eleição presidencial, o que parecia haver surpreendido os grupos que se haviam instalado no poder após o suicídio de Vargas. O candidato derrotado era Juarez Távora, que tinha na Escola Superior de Guerra o seu estado-maior. Nas vésperas de minha partida encontrei o coronel Bizarria Mamede, que me pareceu tomado de muita preocupação. Mostrou-se surpreendido quando soube que eu estava de partida para a Europa. Prolongou a conversa com perguntas sobre o que eu ia fazer, e, ao se despedir, disse-me de chofre: ‘Se ainda é possível mudar de plano, não se ausente do País agora: podem acontecer coisas importantes e convém que você esteja por perto’. Um mês depois, li nos jornais de Paris as peripécias do golpe frustrado para impedir a posse de Kubitschek.”
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