VIVER EM VOZ ALTA | No centenário de Francisco Iglésias

Rogério Faria Tavares*
Nascido em Pirapora, em 1923, Francisco Iglésias foi um dos mais qualificados intelectuais brasileiros. Professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dedicou-se à história econômica, à história política, à história de Minas e, sobretudo, à história das ideias, havendo publicado centenas de textos e mais de duas dezenas de livros sobre tais assuntos. Passados 24 de seu falecimento, é possível afirmar que seu legado não envelheceu. Pelo contrário: está mais atual que nunca, como demonstrado reiteradas vezes no seminário em sua homenagem organizado pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e pelo Cedeplar, com o apoio do Ipead, sob a coordenação do professor João Antônio de Paula.
Ao longo de produtivas sessões, os conferencistas convidados destacaram a originalidade do trabalho de Iglésias e o modo peculiar pelo qual escolhia seus objetos de estudo. Na mesa de encerramento – que tive a honra de presidir – o acadêmico Silviano Santiago chamou a atenção para o fato de Iglésias pesquisar sobre a vida e a obra de autores de cujo pensamento discordava frontalmente, algo raro no universo acadêmico, dando como exemplos os ensaios do historiador sobre Jackson de Figueiredo e sobre a visão política (reacionária) de Fernando Pessoa, um dos maiores gênios da língua portuguesa. O texto de Iglésias a respeito está no clássico “História e Ideologia”, de 1971, e situa Pessoa como o poeta da decadência portuguesa. Também hoje, mais que nunca, continua absolutamente necessário entender em profundidade os contornos do reacionarismo e como ele ainda consegue capturar adeptos.
Silviano Santiago ainda valorizou a ligação entre Iglésias e a literatura, relembrando seu papel na chamada geração Edifício, integrada, igualmente, por Wilson Figueiredo, Sábato Magaldi, Jacques do Prado Brandão, Otávio Melo Alvarenga e Autran Dourado, entre outros. O grupo foi o responsável pela edição dos quatro números da revista de mesmo nome, surgida em 1946, quando Iglésias estreia com um artigo intitulado “Pensamentos perigosos”. Um dos maiores inspiradores da publicação, Carlos Drummond de Andrade mereceria, tempos depois, um belíssimo ensaio do historiador, “História, Política e Mineiridade em Drummond”, aberto por uma reflexão decisiva sobre o valor da Poesia. Escreveu Iglésias: “Se fiz o curso de história em uma faculdade de filosofia e sempre me dediquei ao seu cultivo, como professor ou pesquisador, desde cedo, ainda estudante, comecei a refletir sobre uma passagem muito citada de Aristóteles na ‘Poética’, segundo a qual a poesia é mais significativa que a história, pois esta cuida do particular, enquanto aquela cuida do universal. Parecia-me discutível a tese do filósofo, pois a poesia exprime uma voz pessoal, enquanto a história foge do particular, visando uma realidade geral, a ser explicada ou compreendida. Com o tempo fui mudando de opinião, aproximando-me de Aristóteles. Lírica ou épica, a poesia aproxima-se bem mais da verdade que o texto histórico; este, ainda em suas expressões mais altas, como em Tucídides, Maquiavel, Voltaire, Marx ou os grandes nomes de nosso século, com seu apuro de instrumental de trabalho e a sutileza das teorias interpretativas, fica um pouco aquém da apreensão do humano e do social expressos nas criações poéticas de um Homero, Virgílio, Dante, Camões, Shakespeare, Eliot, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade.”
* Jornalista. Doutor em literatura. Presidente da Academia Mineira de Letras
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