Opinião

Carta a Bolsonaro

Carta a Bolsonaro

Presidente, passei 12 anos no Congresso Nacional como deputado, quando o conheci no cafezinho da Câmara. Você conversava mais com nossos colegas cariocas naturalmente. Fui o autor daquele projeto, que mudou, de 3 para 8 anos, a punição de todo político corrupto cassado. Provocando as iras do Centrão! Argumentei a partir da isonomia, já que na época só o presidente da República era punido com 8 anos. Ajudou-me a elaborar o projeto, o atual presidente do STF, Dias Toffoli, naquele momento assessor jurídico da minha bancada. Aprovado na Câmara e no Senado, foi sancionado pelo amigo mineiro, presidente Itamar Franco.

Aliás, presidente, juntos cassamos o Collor e denunciamos os Anões do Orçamento de triste memória. A luta contra a corrupção engatinhava! Ainda não se falava de Teori Zavascki, Fachin, Fux, Rodrigo Janot, Moro, Raquel Dodge, o japonês da Federal, Mensalão, Roberto Jefferson, Petrolão, Zelotes, Marcos Valério, Palocci, etc. Nem se imaginava alguém no Planalto, disposto a combater a corrupção, a violência, o crime organizado e o sistema político-partidário da Velha Política, engasgada na goela da sociedade brasileira.

Passei 3 anos, na juventude, no Oriente Médio (década de 60). Convivia com israelenses, palestinos e jordanianos, aprendendo com eles a trabalhar como padre-operário, soldador e serralheiro. Morei no Kibutz Guinossar, a Genezaré dos evangelhos, perto de Mágdala, Tiberíades, Cafarnaum, Betsaida, a terra de Pedro e André. Morei às margens e pesquei nas águas do Lago  Kinneret (Harpa em Hebraico), quase na embocadura do rio Jordão, no local, onde você foi batizado, pela segunda vez, por imersão, e onde Yohanan Batista batizou o primo dele, Yeshua de Nazaré e tantos judeus e gentios, que passaram a seguir o “Messias” (Mashiar) pelas estradas da Galileia, da Samaria e da Judeia, fundando a sua Igreja (Gahal).

Compreendo, presidente, seu entusiasmo ao passar por aquelas terras abençoadas. Aos 23 anos, em 1963, tive a graça de trocar Roma por Nazaré e tudo que ela significa: o Trabalho, a Carpintaria de Youssef e Yeshua, a casa de Miriam, sua mãe, a fonte onde se buscava água, a sinagoga, em que o Messias ensinava a Boa-Nova do Evangelho, lia a Torá, os profetas, os patriarcas, os livros sapienciais, históricos e apocalípticos, cantava os Salmos e anunciava a grande “restauração” do universo criado pelo Pai através d’Ele, reunindo as nações de todos tempos e lugares na Jerusalém do Juízo Final. Nazaré significou na humildade e simplicidade dos agricultores, dos pastores, dos pescadores, de suas mulheres, que lá viveram, a primeira mostra da identificação de Yeshua com os pobres e sua opção preferencial por eles.

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Roma é um símbolo do Poder com dominação: Do poder civil (Império Romano), do poder espiritual institucionalizado (o Papismo). Da Roma dos Césares e dos Papas, para a Nazaré dos Carpinteiros, Youssef e Yeshua e de Miriam mãe e esposa! Vilarejo da pobre Galileia, Nordeste e Jequitinhonha do Oriente Médio, onde tudo começou. Não foi à toa que Yeshua, de Nazaré, viu com realismo a sociedade humana: “Aqueles que têm poder neste mundo o exercem com autoritarismo e dominação, e ainda querem se fazer passar por benfeitores. Entre vocês (discípulos cristãos) não será assim: Quem quiser ser o primeiro seja o servidor do último.” Ao dizer isso aos apóstolos, Yeshua deve ter pensado em Chico de Assis e no Irmãozinho Charles de Foucauld – Irmãozinho de Jesus e namorado dos pobres.

Aliás, o cristão faz sua opção ideológica pelos pobres, visando o Reino dos Céus, mas na política, com sua inteligência, elabora, com outras inteligências, os projetos relativos, que constroem na Terra dos homens, a Justiça e a Paz. “Yeroshalaim” para os judeus e cristãos. “El Kutz” para os árabes e islâmicos. A Cidade da Paz para “todos” universalmente, no fim dos Tempos.

O objetivo principal dessa carta é falar-lhe, presidente, com total sinceridade sobre o Oriente Médio. O ideal, a meu ver, é que não haja transferência da Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém Judaica. O melhor é seguir a ONU a partir da situação atual, buscando uma paz duradoura na região. Há motivos espirituais, humanos e políticos para isso! Só a verdade libertará.

Mas se por acaso acontecer a transferência de Tel-Aviv, nosso presidente poderia, também, transferir a Embaixada do Brasil de Ramalla para a Jerusalém Árabe, cuja maioria da população é de árabe-palestinos e jordanianos. Isso, caso a Autoridade Palestina aceite e o Itamaraty obedeça, apesar das convicções do Chanceler indicado.

A transferência só de Tel-Aviv seria unilateral num alinhamento com Donald Trump, o primeiro a fazê-lo, por ser Israel o braço armado dos EUA, grande potência, na região por razões de geopolítica. O simples gesto de mimetismo com Trump é sem vantagens para o Brasil e sem saldo positivo nas nossas relações internacionais. Sem falar do risco de consequências negativas com expressivo mercado consumidor árabe.

Dona Europa não tem nada a nos dizer hoje, já que explorou o Norte da África e o Oriente Médio com um colonialismo violento e vergonhoso, que se prolongou durante boa parte da Guerra Fria e, ainda hoje, com refugiados do mundo inteiro. Europa dividiu o domínio dos povos árabes e de seus territórios com a alegada superioridade não só da Alemanha, mas de outras Nações do Velho Mundo dominadoras. O Brasil, respeitado por seu “multilateralismo”, com milhares de árabes e judeus dentro de nossas fronteiras (mais de 100 mil brasileiros-palestinos), não pode perder a moral conquistada nos Fóruns Internacionais.

Você tem como instrumentos de ação, presidente, a política e a diplomacia. Você conta com excelentes colegas diplomatas, embaixadores de carreira do valoroso Itamaraty, do qual todos nós que por lá passamos, nos orgulhamos. Você pode emergir como estadista, um político com sensibilidade diplomática projetado por um “gesto pioneiro” de levar a Embaixada do Brasil de Ramalla para a Jerusalém Árabe. Será também uma visão crítica da guerra injusta que levou Israel a ocupar Jerusalém inteira, pretendendo eternizá-la, de modo exclusivo, como “sua” capital e a Cisjordânia.

Tenho por Jerusalém, presidente, ternura e carinho, além do olhar espiritual de quem leu a Bíblia por mais de três anos, no próprio lugar onde ela foi vivida e escrita. Em meados dos anos 60, morei na Jerusalém Judaica (Yeroshalaim) e na Jerusalém Árabe (El Kutz – Babel Hutta). Vivi com os filhos de Abraão, via Jacó, os israelitas e via Ismael, os ismaelitas do deserto, dando modesta contribuição em busca de um “sonhado consenso”: que mais tarde floresceu nos Acordos de Camp David no Egito, em Oslo e Madrid posteriormente. Foi uma vivência coletiva com amigos de vários países e línguas, como padre-operário, membro da Fraternidade dos Companheiros e Companheiras de Yeshua Carpinteiro de Nazaré. Liderados por Paul Gauthier e Marie Thérèse, gurus franceses que se fizeram judeus com os judeus e árabes com os árabes. E nós com eles! Paul está sepultado em Jerusalém ao lado de Oskar Schindler, o da Lista, alemão, protetor dos judeus na Tchecoslováquia, durante o Nazismo.

Tomei a liberdade de escrever-lhe, presidente, como ex-colega do Congresso Nacional, como jornalista, embaixador e militante das causas de Deus e de suas criaturas. Hoje em Contagem e no Vale do Jequitinhonha, uma verdadeira Galileia das Minas e dos Campos Gerais. Distanciei-me da política institucional, sendo ainda filiado ao PSB e Suplente de Senador até 31 de dezembro.

O pombo-correio desta carta é o “Diário do Comércio”, fundado por um mestre de jornalismo, de Política com P maiúsculo, de sabedoria e de vida, Zé Costa, hoje nas mãos do filho, dos netos e de uma brava equipe de jornalistas, depois que ele partiu para os corredores do Infinito. Ali aprendi a ser “escriba”, fazer jornal e ensinar jornalismo na universidade (por mais de 20 anos), e no qual voltei a escrever.

Um Natal abençoado por Yeshua-Bebê para você, os seus e para os povos brasileiro, judeu e árabe. Para todos os povos! Abençoado pelo Yeshua dos Judeus e cristãos e por Aissa, profeta para os Islâmicos.

  • Jornalista, embaixador e militante

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