Opinião

Imbróglio diplomático nas mãos de “Messias” Bolsonaro

Imbróglio diplomático nas mãos de “Messias” Bolsonaro
Foto: Reprodução

Tilden Santiago*

Na campanha eleitoral, o então candidato Jair Messias Bolsonaro declarou que iria transferir a Embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém.

Naquele momento, analistas levantaram hipóteses sobre as circunstâncias que levaram Bolsonaro a gesto tão insólito: 1) um mimetismo com Trump; 2) influência do fundamentalismo religioso de Edir Macedo, Silas Malafaia e Valdemiro Santiago; 3) entusiasmo de ‘’cristão-novo” recém-batizado pela segunda vez, por imersão no rio Jordão; 4) agrado a rabinos de sinagogas do Brasil; 5) estocada indireta em palestinos e árabes; 6) falta de sensibilidade e conhecimento da complexidade do Oriente Médio, eixo central da geopolítica, desde 1948; 7) inabilidade com a arte da diplomacia.

Felizmente, em seu primeiro encontro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, no Rio, o agora presidente não voltou a tocar no assunto publicamente.

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Escrevi então, uma carta ao presidente Bolsonaro, publicada no (Diário do Comércio, 22/12). O fiz como jornalista, ex-deputado, seu colega no Congresso Nacional, por 12 anos, embaixador e como “escriba”, que leu a Bíblia durante 3 anos morando em Israel e na Palestina, “lá onde ela foi vivida e escrita”, como militante das causas de Deus, da Humanidade e da Ecologia.

Levo ao conhecimento dos leitores o objetivo daquela longa missiva. Disse ao presidente, que o melhor para a construção de uma paz duradoura naquela região estratégica, era não transferir nossa Embaixada de Tel-Aviv.

Sendo agora um homem poderoso, se quiser executar a transferência, que o faça também com a Embaixada do Brasil em Ramalla, junto aos Palestinos, para a parte árabe de Jerusalém, onde a população é palestina e jordaniana. Isso, após negociações com a Autoridade Palestina e a boa vontade do novo chanceler e do Itamaraty, do qual nos orgulhamos nós brasileiros, que por lá passamos e servimos o Brasil. O grande pacifista israelense Amós Oz, que acabou de partir para os corredores do infinito, pensava e defendia a dupla transferência.

Bolsonaro sabe que a Yeroshalaim dos judeus e El Kutz dos islâmicos é uma só e é a morada amada, admirada e cultuada pelas três grandes religiões monoteístas: judaísmo, islamismo e cristianismo. Mas como presidente, guardião do caráter laico do Estado brasileiro, ele sabe que a paz em Jerusalém é uma aspiração dos cidadãos do mundo inteiro, independentemente de religião, raça, pátria, ideologia ou visão de mundo. Jerusalém é de todos! Cidade internacional aberta a todos! Este é o sonho da ONU!

Minha carta a Jair Bolsonaro era uma questão de consciência. Vivi e aprendi a trabalhar como padre-operário (soldador e serralheiro), aos 23 anos, com palestinos e jordanianos e com judeus e israelenses no Kibutz Guinossar. Morei na Jerusalém judaica e na parte árabe, perto do Templo (hoje grande Mesquita).

Como militar, Bolsonaro sabe que a nossa República nasceu laica nas mãos de militares e maçons: somos um Estado laico. É por razões políticas e humanas que se transferir a Embaixada de Tel-Aviv, terá de transferir também a de Ramalla para Jerusalém!

O Brasil, que ajudou a criar o Estado de Israel em 1948, com Oswaldo Aranha, não pode alimentar um conflito social e político, hoje, no Oriente Médio. Afinal, somos uma grande Nação com um povo generoso e democrático, de visão universal, que soube acolher, desde os tempos do Brasil-Colônia, milhares de irmãos semitas, judeus e árabes, israelenses e palestinos, que aqui vivem como filhos de Abraão. A vocação do Brasil não é alimentar conflitos e imbróglios diplomáticos! Com a palavra, o presidente “Messias” Bolsonaro.

  • Jornalista, embaixador e militante

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