Opinião

O Corvo (VIII)

Marco Guimarães*

Quando chegou ao Saint Medard, Annick já esperava por Virgínia, sentada à mesa lateral do café. Dava a última tragada na sua cigarrilha eletrônica.
— Desculpe-me o atraso, disse-lhe Virgínia.
— Não se preocupe, enquanto a esperava, me divertia com a cigarrilha eletrônica que acabei de comprar. Deixei o cigarro.
— Deixou? Você trocou um vício pelo outro, acha que vale a pena? Tenho ouvido dizer que proibirão a venda desses trecos que soltam fumaça eletrônica.
— Eu também li algo a respeito. Mas ainda acho que faz menos mal, ao menos não ponho a nicotina para dentro dos pulmões. Mas me conte o que você queria falar comigo — disse Annick.
— Penso em me separar do Maurice. Resolvemos não nos falar por esses dias. Enquanto não tomo uma decisão, vou dormir na casa de Isabelle.
 
Annick não consegue disfarçar a surpresa e pergunta se há outra pessoa no meio da relação.
— Não, querida, não há ninguém; não é fácil estar casada com um policial. Os nossos afetos estão em ritmo muito diferente, a cada dia que passa, nos desentendemos mais e mais.
— Mas vocês estão casados há tanto tempo… O amor de vocês não resistiu tanto, não é?
— Vinte anos, vinte anos. Não acredito que o amor tenha acabado, mas está ferido, ferido pela indiferença que ele há muito tempo tem por mim e, agora, pela indiferença que eu tenho por ele.
— Bem, minha querida, a indiferença é uma coisa que o caráter egoísta do amor não permite; nesse caso, ele é muito pouco generoso.
 
Virgínia tinha agora o olhar perdido no infinito, não enxergando nada diante dela, a não ser a angústia que se aproximava, e que, em poucos momentos, invadiria a sua alma e a faria chorar diante da amiga.
— Você tem certeza de que é isso mesmo que quer? — perguntou-lhe Annick.
— Tenho, e é essa certeza que me faz sofrer. Ela me cobra, a todo momento, que eu sacramente a separação — disse Virgínia, enxugando as lágrimas.
— Então, por que não o faz?
— Tenho medo, Annick, tenho muito medo, não sei se conseguirei suportar a ausência daquilo que ele representa para mim.
— Você terá que aprender novamente a viver só, a fazer com que todas as suas alegrias dependam apenas de você. Não será fácil, mas você conseguirá.
Annick sugere, então, que Virgínia dê um tempo, que se afaste de Maurice por um período. Sabendo que se ela ficasse em Paris acabariam se encontrando, e que o círculo vicioso entre os dois não seria rompido, ela sugere a Virgínia que peça uma licença sem vencimentos e vá para o interior com ela. Havia uma vaga para diretora em uma escola na sua cidade, não seria difícil para ela ocupar o posto.
Mesmo sabendo estar atrasada para o encontro com a imprensa, Natalie resolveu passar pela Rue Pascal antes de ir ao distrito. A mudança de trajeto não lhe tomaria mais do que dez minutos. Tomara a precaução de avisar aos colegas que já estava a caminho e que em alguns instantes estaria lá. Diminuiu a velocidade do seu velho Citroën quando chegou em frente ao hotel onde o carro do seu chefe fora encontrado. Sem mover a cabeça, levou os olhos à esquerda, depois à direita, fazendo assim uma completa varredura do local. Lá estavam o policial, visivelmente contrariado com a tarefa para a qual havia sido designado, tomar conta do veículo até a chegada do reboque, e o próprio carro que, dada a sua natureza, não podia expressar qualquer sinal de aborrecimento.
Resolveu parar por uns momentos. Teve vontade de conversar com o policial que guardava o carro do capitão, mas sabia que, se o fizesse, retardaria a sua chegada ao distrito. Esse atraso, pensou ela, antes de tomar a decisão de não conversar com o policial, deixaria o comissário mais irritado do que já estava com a cobrança sobre a elucidação do caso da menina Aline. Essas cobranças, dada a ausência inesperada do capitão, acabariam caindo sobre os seus ombros, porque, pela ordem natural das coisas, o comissário deveria, se o seu chefe imediato não aparecesse, designá-la para o caso. Teria, então, que incluir o sumiço do capitão Maurel à investigação do desaparecimento da menina sequestrada. Responsabilidade que acabaria por piorar o relacionamento com a namorada. Afinal, o próprio capitão Maurel já lhe havia confidenciado que o seu casamento com Virgínia fora abalado pelas responsabilidades e compromissos pertinentes às demandas impostas pelo ofício de policial.
Já perto do distrito, resolveu estacionar o carro em uma rua próxima, pois achou que a pequena multidão que talvez estivesse por lá acabaria atrasando mais ainda a sua chegada.
Como previra, o movimento em torno do local era grande; repórteres com máquinas fotográficas, cinegrafistas com câmeras, e outros tantos jornalistas com seus gravadores; sem contar parte da vizinhança; todos ávidos por notícias sobre o desaparecimento da menina e de sua sequestradora.
Uma vez dentro do distrito, ela foi até a sala do capitão. Queria ver as anotações finais feitas por ele na noite anterior e que serviriam de base para a entrevista que daria. Cinco minutos seriam suficientes, afinal, ela também o auxiliara na noite anterior na elaboração de parte do documento.

*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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