Opinião

Bolsonaro: ontem e hoje

Bolsonaro:  ontem e hoje
Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Tilden Santiago *

O mundo da política e do sindicalismo é como o mundo: sabe dar suas voltas!

O ano de 1968 foi um divisor de águas na história política contemporânea no Brasil e no mundo: líder estudantil e na Dissidência do Partidão, o alagoano que virou carioca, Vladimir Palmeira, filho de senador, liderava no Rio a Marcha dos Cem Mil. Com características semelhantes, Zé Dirceu, o mineiro de Passa Quatro, que virou paulista, agitava o meio estudantil na Paulicéia, em plena ditadura. Esse escriba, padre-operário, líder metalúrgico em Vitória (ES), vindo do Oriente Médio, trabalhava como soldador e serralheiro na laminação Ferro e Aço (4 mil trabalhadores) e levava uma dezena de colegas para os atos políticos no centro da capital capixaba, sob influência do Rio e São Paulo. Tudo em Vitória era inteiramente liderado por estudantes e militantes vermelhos ou cor-de-rosa.

Os anos se passaram: prisão, tortura, exílios, fuga para o Nordeste, 20 anos de autoritarismo, anistia para o alagoano carioca, para o mineiro paulista e o mineiro capixaba. Eleições democráticas! Chegam ao Congresso quatro novos deputados em 1991 (Collor no Planalto): Jair Bolsonaro (RJ), Zé Dirceu (SP), Vladimir Palmeira (RJ) e esse escriba por Minas entre tantos eleitos.

Impossível naquela época imaginar o capitão reformado, então deputado Bolsonaro, como futuro presidente da República. Tomávamos cafezinho em pé ao lado do plenário e quase não falávamos, exceção dele com Vladimir também carioca. Ele não se distinguia na tribuna, nas comissões, na mídia ou mesmo em sua bancada. Com o andar da carruagem, nas eleições ulteriores, Zé Dirceu já emergia como possível sucessor do presidente Lula. Quanto a Vladimir e a esse escriba não demonstravam pendor para a “carreira política” – para a política com P maiúsculo sim.

Se era impossível imaginar Bolsonaro presidente da República, mais inimaginável era o caos que estamos vivendo, as incertezas, envolvidos numa postura de ultraconservadorismo e de populismo, sem conteúdo libertador.

A entrevista de Bolsonaro ao colega repórter Danilo Gentilli foi uma miniatura do caos do governo recém-eleito. Vencedor nas urnas sim, entrou pela madrugada demonstrando estar em projeto de Brasil, sobre o qual discorrer, levando a conversa para um tom pessoal e ideológico, num clima de guerra fria, incapaz de unificar os grupos que o apoiam, dentro e fora da máquina de governo.

A veleidade de fazer um presidente do STF um evangélico é um sinal da falta de clareza quanto à relação do Estado e religião. Aliás, isso já aparecia na repetição cansativa do “Deus acima de tudo. Brasil acima de todos”.
Na verdade, Deus está entre nós depois que habitou conosco, na Palestina, em Israel. Com todo o respeito pelo Javé dos Exércitos do Antigo Testamento que ficava acima do Sol e da Lua ajudando Josué.

Sem o Estado laico, face às religiões, a democracia corre perigo!  A boa teologia quer que o cristão participe da boa política de construir um mundo novo, de restaurar o universo criado, apenas exigindo dos filhos de Deus, uma opção ideológica pelos pobres, pelos “damnés de la terre” – de Franz Fanon.

É ela a única condição. A Bíblia, os evangelhos ou epístolas de Paulo de Tarso não indicam em qual partido, qual sindicato, qual central, qual governo, qual modo de produção, se deve filiar e agir com projetos humanos, que levem ao projeto do Pai, ao projeto de libertação integral.

FHC tem razão: meio carisma populista ganha eleição, mas é um risco para governar.

*Jornalista, embaixador e anglicano

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