“Rocketman” contrapõe humano e mito de Elton John

ALEXANDRE HORÁCIO
Produzido pelo próprio Elton John e dirigido por Dexter Fletcher, “Rocketman” deixa de lado a sobriedade e a discrição que marcam as últimas décadas do popstar britânico para mergulhar de cabeça na turbulência criativa do início de sua carreira no fim dos anos 60 até chegar à beira do colapso artístico e emocional.
O personagem magistralmente interpretado por Taron Egerton, que inclusive canta as músicas com timbre semelhante ao de Elton John, começa a desconstruir o mito logo no início do filme ao chegar, de forma emblemática, a uma hipotética reunião dos Alcoólicos Anômimos vestido com uma fantasia de diabo, uma de seus excêntricos figurinos usados em shows, e se declarar viciado em bebidas e cocaína.
À medida em narra a sua própria trajetória em flashback, nos quais as belas músicas compostas por Elton John com letras de Bernie Tapin, como “Your Song”, “Tiny Dancer” e “Goodbye Yellow Brick Road”, além da canção que dá nome ao filme, se encaixam como luva no roteiro e conduzem a trama com imagens poéticas e surreais, o músico rasga literalmente a fantasia de astro do rock para revelar o ser humano que se esconde dentro de toda a parafernália e tribo que habita em sua volta, com suas fraquezas e virtudes e a solidão extrema de quem viveu o desamor familiar desde a infância e as dificuldades afetivas da homossexualidade.
O filme contrapõe o excêntrico artista Elton John e a criança prodígio que aprende a tocar piano de ouvido, o garoto tímido Reginald Dwight, sua verdadeira identidade. Logo no início de sua carreira, quando tocava em uma banda de apoio para um grupo norte-americano de soul music que excursionava em Londres, Elton ou ainda Reginald ouve um conselho de um dos músicos que passa a reger a sua escalada rumo ao sucesso: “Se você quer se tornar o que sonha deve matar o que você é”.
“Rocketman” despe Elton John sem falso pudor e pontua sua carreira com as passagens marcantes da sua vida pessoal, como a indiferença paterna e a crueldade materna, a amizade de toda a vida com seu parceiro de composições, o relacionamento destrutivo com seu empresário oportunista e manipulador e a estreia apoteótica no Troubadour, em Los Angeles, levando o público ao delírio diante das notas desconcertantes de “Crocodile Rock”.
A costura do filme em cima das canções de Elton em forma de musical mesclado com a linguagem convencional de cinema proporciona uma ousadia estética que sublinha com rara beleza, entre inspiradas baladas românticas e rock’n’roll bizarro, a transformação do pequeno e o talentoso Reginald Dwight no eterno e único Elton John.
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