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Triângulos amorosos de Louis Garrel

Triângulos amorosos de Louis Garrel
Crédito: Divulgação

ALEXANDRE HORÁCIO

Filho do cineasta francês Philippe Garrel, Louis Garrel despontou como ator em “Os Sonhadores” (2003), de Bernardo Bertolucci. Em seu quinto filme como diretor, “Um Homem Fiel” (2018), ele retoma a estrutura dramática do anterior, “Dois Amigos (2015), a tragicomédia de um sarcástico triângulo amoroso agora com dois trios e mudança em apenas um vértice.

O roteiro de Jean-Claude Carrière, que trabalhou com o mestre espanhol Luis Buñuel em sua fase francesa, inova ao criar um personagem essencial na trama que não aparece fisicamente em nenhum momento no filme, mas, simbolicamente, une os demais em torno do vazio e da superficialidade de suas relações, movidas por vaidade e capricho individual e desprovidas de um mínimo de paixão e absoluto senso de moral.

A influência do surrealismo de Buñuel não passa desapercebida na crítica ácida à efemeridade e ao tédio social da burguesia de “Um Homem Fiel”, obra irônica até no título. O clima sofisticado do clássico cinema francês é garantido pelas referências diretas à Nouvelle Vague, seja no tom da fotografia descolorida, seja nos diálogos que flertam com o intelectualismo. Há ainda um pitada de suspense policial, com inspiração hitchcockiana, para temperar a frieza e a futilidade dos personagens.

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A banalidade das relações afetivas dos protagonistas fica clara já na abertura do filme quando Marianne, interpretada por Laetitia Casta, esposa de Garrel na vida real, anuncia ao namorado Abel, interpretado pelo dublê de ator e diretor, com quem mora há anos que está grávida de Paul, seu amante secreto e amigo de ambos, o personagem oculto da trama. Assim, o relacionamento entre Marianne e Abel é desfeito com incrível naturalidade, como se troca de roupa.

Paul morre alguns anos depois e o antigo casal é refeito também com estranha normalidade, sem rancor. Para apimentar o jogo de manipulações amorosas que propõe “Um Homem Fiel”, entram em cena Joseph, o imaginativo filho de Marianne, que tenta convencer Abel de que sua mãe envenenou o seu pai, e Ève, a jovem e bela irmã do falecido, interpretada por Lily-Rose Depp, filha de Johnny Depp e Vanessa Paradis, que nutre desde a infância um desejo por Abel, que frequentava sua casa como amigo de Paul.

Um novo triângulo amoroso se forma a partir do engajamento de Marianne na relação entre Abel e Ève. Em meio ao joguete emocional e malicioso em curso, o fantasma de Paul ronda os personagens amorais e volúveis como fumaça ao vento até o desfecho bizarro e incomodante de “Um Homem Fiel”.

O epílogo deixa inconclusiva uma história peculiar e causa uma certa insatisfação no espectador diante das possibilidades de interpretação diante do proposital vazio exposto na tela como uma travessura lúdica de Garrel, que soa como falsete sugestivo de apenas aparente despretensão. O incômodo inicial deixado no espectador progressivamente dá lugar a um sutil e fértil terreno para reflexão.

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