Opinião

O impacto da descentralização no mundo corporativo

O impacto da descentralização no mundo corporativo
Crédito: Adobe Stock

Diogo Fontes*

Houve um tempo em que o universo era uma máquina simples. Luas, estrelas, galáxias, moviam-se feito a engrenagem bem azeitada de um relógio. Ponteiros diligentemente governados pelos desígnios pré-estabelecidos do geômetra cósmico, como trata Marcelo Gleiser em seu A Dança do Universo. A ordenação sociopolítica, religiosa, filosófica, desse mundo tomava como regra a metáfora mecânica dos autômatos – peças, metais e graxa e não mais tendões, músculos, veias, artérias. E a previsibilidade que decorria do passar incorrigível dos segundos ou do mover robótico das roldanas despertava tanto uma confortável sensação de segurança, como um desesperado sentimento de submissão perante a certeza encaixotada do destino. 

No tempo que vivemos, esses furiosos anos 20 – como designou o analista geopolítico Pepe Escobar -, as peças das engrenagens foram desmembradas e indiferentemente largadas à obsolescência; os afetos desmaterializados; ponteiros, geometrias, roldanas destituídas de suas enferrujadas funções mecânicas. A sociedade, que agora se autointitula com o acrônimo BANI – ou frágil, ansiosa, não linear e incompreensível -, crava suas unhas na borda de um abismo que não parece finito.

O Spotify, que nos priva do passeio da agulha na superfície sulcada das bolachas de vinil, é uma consequência desse contexto. A ausência do nitrato de prata nas selfies de Instagram consiste em uma consequência desse contexto. Do mesmo modo, a descentralização, tão impetuosamente proposta pelos evangelizadores da web3, é também uma consequência desse mesmo panorama.

O ato de descentralizar – totem ideológico dos Cypher e Cyberpunks –  oferece às gerações vindouras, e mesmo às que agora já escorrem para o beiral do ostracismo, um formato de governança que destitui a estrutura piramidal de liderança top-down, que ainda vige em grande parte dos governos e instituições. Sob o viés de gestões descentralizadas, os processos decisórios deixam de ecoar apenas a voz estertora dos CEOs (esses simulacros de messias) para serem fragmentados no desempate comunitário das múltiplas opiniões.

A estrutura maquinal, ordenada por uma dinâmica mecanicista de causa-efeito – base daquilo que compunha o pensamento de Newton e Descartes – foi substituída por outro paradigma de máquina, a celular e autopoiética, definida por Varela, Maturana e, posteriormente, Guattari.

Em uma seara institucional que leve em conta as transformações propostas pela web3, essa nova máquina poderia ser representada em termos práticos pelo conceito de organização descentralizada e autônoma (ou DAO). Ao invés de um organismo único, baseado em uma identidade férrea e imutável, as organizações, comunidades, empresas e sociedades passam a ser constituídas por uma concatenação de singularidades desterritorializadas.

Hoje, comunidades são – e serão cada vez mais – ativos vitais para a perpetuação de qualquer Empresa. Comunidades bem geridas possuem audiência altamente engajada; membros participativos com disponibilidade para absorver ensinamentos técnicos; produção de conteúdo espontâneo; cultura colaborativa e um intenso sentimento de pertencimento, clã e irmandade. Quando a Nike anuncia que, através de sua plataforma Swoosh Studio, permitirá que sua comunidade crie novas versões de seus tênis e seja remunerada por isso, percebe-se a conexão da marca com as tendências promovidas pelo marketing de comunidade.

Por outro lado, apesar de todos os atributos altamente valiosos que as comunidades detém, grande parte delas ainda são iniciativas informais e carecem de acesso a investimentos, de parceiros institucionais relevantes, de infraestrutura tecnológica, de atividades de mentoria e capacitação para seus integrantes, de mecanismos de governança democráticos, de um bom relacionamento com a mídia e uma lista extensa de outros recursos indispensáveis para que possam expandir suas atividades e escalonar suas operações de forma afirmativa.

Em linha com essa perspectiva, o projeto Mocaverse, iniciativa capitaneada pela gigante Animoca Brands, almeja lançar em fevereiro de 2023, uma coleção de 8.888 NFTs exclusivos voltados para conectar os diversos stakeholders do ecossistema de web3. O projeto, que atende demandas do mercado em quatro linhas de atuação – jogos, educação, construção (no contexto de programação) e social -, visa, paradoxalmente, fomentar o mundo descentralizado, tornando-o, em concomitante, mais unido. 

Enfim, estes são os tormentosos tempos em que vivemos: frágeis, ansiosos, não lineares, incompreensíveis, embora, sem dúvida, altamente instigantes.

*CSO da DUX e CEO da Plug_Ag

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