Política

Duda Salabert defende novo modelo econômico para Minas

Meio ambiente, mineração e segurança pública também estão entre os temas que a representante mineira pretende defender em Brasília
Duda Salabert defende novo modelo econômico para Minas
Duda Salabert pretende propor a criação de um fundo de diversificação econômica para os municípios mineradores | Crédito: Leonardo Morais

Com mais de 208 mil votos, Duda Salabert (PDT) é a primeira deputada federal trans da história de Minas Gerais. Mas a ex-vereadora de Belo Horizonte, eleita em 2020 também como a primeira vereadora trans e a mais votada da história do Legislativo na capital mineira, com 37.613 votos, garante que seu mandato no Congresso Nacional não se limitará às chamadas pautas identitárias.

Meio ambiente, mineração e segurança pública estão entre os temas que a representante mineira pretende defender em Brasília. Ela sabe dos desafios que irá enfrentar num parlamento ainda extremamente conservador, mas elegeu o diálogo como aliado em sua missão na Câmara. “Que briguem as ideias e nunca as pessoas. Penso em construir política pública pautada muito mais em pontes do que em muros”, resume.

Natural de Belo Horizonte e professora de literatura, Duda Salabert recebeu o DIÁRIO DO COMÉRCIO para uma conversa sobre política econômica. A congressista falou sobre o que deve guiar sua atuação no Congresso Nacional, como está seu relacionamento com os governos federal e estadual e qual caminho enxerga para a pacificação do País.

Muito engajada em pautas ambientais, travou duros embates na Câmara Municipal contra a mineração na Serra do Curral e agora, em Brasília, pretende propor a criação de um fundo de diversificação econômica para os municípios mineradores, a fim de potencializar a economia dos municípios e torná-los cada vez menos dependentes do setor. Por fim, defendeu um novo modelo econômico para Minas Gerais, sem que a extração e o beneficiamento de minérios sejam a engrenagem central dos investimentos e negócios no Estado.

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Qual o significado da eleição de Duda Salabert como uma das primeiras mulheres trans da história do Congresso Nacional, sendo a terceira deputada mais votada de Minas Gerais?

Esta é uma vitória, sobretudo, da democracia, porque temos que lembrar que o Congresso Nacional sempre foi um espaço extremamente conservador, cuja política é praticada sempre pelos mesmos corpos e identidades: homens brancos heterossexuais e empresários e, pela primeira vez na história, travestis foram eleitas. Isso é extremamente importante não apenas sob o ponto de vista político, mas também da democracia, porque a presença do nosso corpo é uma forma de alargar o sistema, já que democracia pressupõe não só uma diversidade ideológica e partidária, mas também de corpos e de identidades. Isso é fazer política sob outra perspectiva. Uma perspectiva que foi historicamente apagada. É preciso lembrar que 90% dos travestis e transexuais de Belo Horizonte estão na prostituição e 91% não concluíram sequer o ensino médio, o que mostra um preconceito estrutural. Nossa vitória é uma forma de ampliar essa voz que foi historicamente apagada. Mas não somos uma candidatura exclusivamente identitária. Também trazemos outros debates, especialmente, do ponto de vista sócio ambiental. Então, nossa vitória representa também o anseio da sociedade de superar ou mitigar a crise climática que enfrentamos.

Mas as eleições de 2022 ainda mostram um grande conservadorismo. Como defender e aprovar pautas mais progressistas neste contexto?

O problema nunca foi o conservadorismo. O problema são discursos antidemocráticos que, em governos anteriores, chegaram a flertar com o fascismo e regimes que são alheios a qualquer tipo de diversidade. A Câmara Municipal, em que fui a vereadora mais votada da história de Belo Horizonte, era extremamente conservadora e nós conseguimos aprovar projetos, inclusive com unanimidade. A ideia é: eu mostro a tese, o outro lado a antítese e o Congresso escolhe a síntese. A diversidade é muito bem-vinda no espaço legislativo. O conservadorismo representa uma fatia da sociedade, mas não acredito que seja capaz de frear o avanço de pautas importantes para o crescimento do País. O conservadorismo está ligado muito mais a instituições que, na perspectiva dos conservadores, têm que ser preservadas, mas essas instituições precisam ser pautadas na justiça sócio ambiental e com um debate qualificado poderemos avançar em todas as pautas, assim como fizemos na Câmara de Vereadores.

Quais os principais projetos que pretende apresentar ou apoiar no Congresso?

Primeiro, diante do cenário de crise climática que vivemos, é fundamental atualizar a legislação ambiental, deixá-la mais rígida e superar o que foi chamado na última gestão de ‘de deixar a boiada’, o que é uma metáfora para o desmonte da legislação ambiental. Isso é algo que afeta a todos, independente do ponto de vista político, partidário ou ideológico. Especialmente em Minas Gerais, um estado que durante séculos viveu a chamada minério-dependência ou minério-imposição, a partir de uma dependência extrema do setor minerário, que impacta diretamente as questões ambientais e agudiza a crise hídrica no Estado. No Quadrilátero Ferrífero é impossível extrair minério de ferro sem destruir aquíferos e reservatórios de água e, num contexto de crise climática, precisamos de alternativas para superar essa relação. Neste contexto, temos lutado pela criação de um fundo de diversificação econômica para os municípios mineradores a fim de potencializar a economia dos municípios e torná-los cada vez menos dependentes do setor.

O novo marco da mineração é discutido há anos. Qual sua avaliação?

Não temos uma posição contrária à mineração e sabemos que é uma atividade fundamental para tudo que usamos, mas há que se discutir qual modelo de mineração queremos. Esse modelo predatório, criminoso que tem atuado nas serras de Minas Gerais? Não há mais espaço para ele. Por isso, defendo que a gente comece a discutir, por exemplo, a mineração urbana, que reaproveita minérios de eletrodomésticos e eletrônicos. Há neles metais importantíssimos que podem ser reutilizados e ainda ajudam a potencializar a chamada economia circular. O Brasil caminha timidamente neste quesito. E sobre o Quadrilátero Ferrífero, temos que rediscutir o local, a fim de traçar um prazo para acabar com as atividades minerárias na região.

A mineração na Serra do Curral foi uma de suas principais causas enquanto vereadora. Como vê a questão do tombamento deste cartão-postal de Belo Horizonte?

O não tombamento estadual da Serra do Curral é uma demonstração clara da influência que as mineradoras ainda têm na política brasileira, sobretudo, mineira. E é algo muito preocupante. Porque querem fazer um mega projeto de mineração em cima da adutora que abastece 40% da Região Metropolitana e 70% da Capital, sem apresentar nenhum estudo de alternativa para o caso de um colapso. O fato de as mineradoras não estarem preocupadas com a segurança hídrica de Belo Horizonte e quererem minerar no maior cartão-postal da cidade mostra como se construíram e a importância que dão para questões como segurança hídrica, patrimônio cultural e até mesmo crescimento do País. É preciso pensar em outro modelo econômico para Minas Gerais, reconhecendo que a mineração não pode ser mais a engrenagem central.

Ao mesmo tempo, a mineração é uma atividade fundamental para outros setores e para a vida das pessoas. Qual seria o ponto de equilíbrio?

A mineração em Minas Gerais é mais do que uma atividade econômica, é uma ideologia, porque se fossilizou no imaginário popular que o setor é um elemento fundamental para o crescimento do Estado. Mas nos últimos dez anos, a mineração representou uma média de 4% do PIB, 1,3% dos empregos e 2% de impostos arrecadados em Minas Gerais. Não se trata de um setor que representa 60% da economia. O impacto que essa atividade causa em questões socioambientais é absurdamente maior. Destrói nossos aquíferos e nossos reservatórios de água. Por isso, defendo a diversificação da economia do Estado e o avanço na chamada mineração urbana, que ainda é tímida, também devido aos lobbies da mineração.

Qual a sua opinião sobre a reforma tributária? Deve passar com facilidade?

Há um anseio grande para aprovação deste projeto, mas até agora não nos chegou nenhuma minuta ou esboço nem fomos convidados para debatê-lo. É fundamental uma reforma tributária se quisermos uma justiça no País, mas temos que aguardar o texto, que pode aprofundar a crise fiscal do Brasil ou apontar rumos para a superação.

O presidente também já falou algumas vezes de uma possível revisão da reforma trabalhista. Acredita que seja possível?

O Brasil vive a maior crise econômica, ambiental e climática de sua história e o responsável dessa crise não foi o (Jair) Bolsonaro. Ele, na verdade, foi gerado por essa crise. O Bolsonaro não era o problema, mas parte do problema. Na verdade, quem gerou essa crise foi o modelo econômico que praticamos nos últimos 20 anos, o modelo neoliberal. E os últimos governos tentaram resolver a crise do neoliberalismo com mais liberalismo, o que aprofundou essa crise. Um dos exemplos dessas práticas de liberalismo foram as reformas trabalhista e do ensino médio. Se quisermos mudar os rumos econômicos, teremos que, primeiro, revogar essas reformas.

Você é professora e, ao longo dos últimos anos, vimos muitos cortes na educação. Quais os desafios para reestruturar a área?

O problema da educação nunca esteve na educação em si. O problema da educação sempre foi econômico, porque funcionou como uma ferramenta para gerar mais lucro para os grandes oligopólios. Quem tem gerido a educação brasileira nos últimos anos não são pedagogos ou professores, mas o Fundo Monetário Internacional. Basta ver que os últimos ministros eram economistas e não educadores. E a reforma do ensino médio, de forma indireta, é mais uma estratégia rumo à lógica de privatização da educação brasileira. Então urge revogá-la. Nosso desafio é como fazer a educação voltar para o colo de pedagogos e pedagogas e de poder discutir, de fato, melhorias na educação pública e ampliar o acesso às universidades, deixando de lado esse olhar mercantilista que tem pautado a educação nos últimos anos.

É viável converter isso num curto espaço de tempo? Neste mandato?

Há duas sinalizações que o governo pode dar se estiver, de fato, preocupado com a educação. A primeira é revogar a reforma do ensino médio e a segunda é pautar algum projeto que aponte melhorias na remuneração dos professores. Não há nenhuma outra forma de melhorar a educação, se não transformá-la numa profissão atrativa. Mas, até agora, o presidente não sinalizou para nenhuma delas.

Vivemos um momento de alta polarização política no País. Como você lida com isso e qual o caminho que enxerga para a pacificação?

A pacificação passa pela discussão de outro modelo econômico. Não há como pacificar um país com um modelo ultraliberal econômico, que é marcado por grande concentração de renda e desigualdade social. E também pela busca de alternativas para barrar discursos de ódio, intolerantes e antidemocráticos.

Muito dessa polarização tem refletido ou tem sido causada pelo difícil relacionamento entre os poderes, especialmente em Brasília. Qual sua avaliação deste cenário?

Essa crise entre os poderes também é reflexo da crise econômica. O Congresso foi omisso em diversos aspectos do Legislativo e o Judiciário acabou tendo que fazer um papel que não era dele. Sei que vai ser muito difícil eu construir política pública de qualidade num ambiente extremamente conservador. E a alternativa que usei na Câmara de Vereadores e que vou repetir, é construir com o Executivo. Por isso, o diálogo com o Executivo vai ser importantíssimo. Se temos um Congresso conservador, temos um Executivo progressista.

Como é sua relação com os entes dos outros poderes?

Já tive duas conversas com o presidente Lula, contato com a ministra Marina Silva, a quem deixei o mandato à disposição e também tenho conversado com outros ministérios. Em relação ao governo estadual, eu coloco o governador (Romeu) Zema num ângulo diametralmente oposto ao nosso, sob o ponto de vista político e ideológico. A política ambiental do governador foi um fracasso e hoje ele representa o maior inimigo da Serra do Curral e das serras de Minas Gerais, porque tem colocado em prática o que o governo Bolsonaro e o então Ministro Sales defendiam, de deixar a boiada passar, flexibilizando a legislação ambiental. Mas temos que lembrar que não foi Zema que abriu as porteiras. Quem abriu foi o governo (Fernando) Pimentel, responsável por um desmonte na legislação ambiental mineira. Zema aprofundou, o que é muito triste, porque estamos na contramão do mundo, que está debatendo uma maior rigidez da legislação. Mas, mesmo estando em lado oposto do ponto de vista político e ideológico do governador, não me privo do diálogo, quando necessário, em prol do bem comum para Minas Gerais. Que briguem as ideias e nunca as pessoas. Eu mostro a tese, ele a antítese e a sociedade escolhe a síntese. É assim que eu penso em construir política pública: pautada muito mais em pontes do que em muros. 

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