Economia

Projeto do Centro de BH exige sequência

Especialistas temem a descontinuidade da requalificação com eleição
Projeto do Centro de BH exige sequência
Foto: Alisson J. Silva/Arquivo Diário do Comércio

Lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) há pouco mais de um mês, o Programa de Requalificação do Centro da Capital promete repaginar a região ao longo dos próximos anos com melhorias em diferentes áreas como lazer, mobilidade, desenvolvimento e segurança.

Batizado de “Centro de Todo Mundo”, o projeto é uma das apostas da gestão do prefeito Fuad Noman (PSD) para melhorar a qualidade de vida dos moradores e trabalhadores, além de estimular novos investimentos, atrair mais pessoas e favorecer os setores produtivos.

Especialistas ouvidos pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO veem com bons olhos as mudanças propostas pelo Executivo municipal. No entanto, fazem ressalvas, por exemplo, quanto à continuidade do plano após uma possível troca de gestores na eleição de 2024.

Na opinião da urbanista e professora do Ibmec-BH, Camila Zyngier, a iniciativa é interessante do ponto de vista do perímetro escolhido. Para ela, o Centro de Belo Horizonte é importante para o município como um todo e, historicamente, concentra muitos valores do belo-horizontino, embora a relação com a região seja um pouco distinta atualmente.

“Apesar de a gente ter na cidade de Belo Horizonte de hoje outra centralidade de valor, que são importantes também, o centro ainda concentra muito da nossa vivência e da nossa experiência. Então, como localização, achei muito interessante”, diz.

Desejo antigo de parte da população, a desapropriação do anexo do Edifício Novo Sul América e sua posterior demolição também é destaque para a urbanista, assim como as ações que envolvem a ampliação da arborização e a priorização dos pedestres.

Em contrapartida, Camila Zyngier salienta que algo a ser levado em consideração é o risco de descontinuidade do projeto, visto que as ações de requalificação envolvem desde questões simples a complexas, o que demanda tempo de trabalho e sequência de gestão.

“Tem coisas que estão sendo postas no plano, como a parte da população em situação de rua, que é super complexo. É algo que não vai ser resolvido em um ou dois anos. Precisa de uma gestão contínua e se não tiver sequência, por exemplo, quando o Fuad sair, a gente vê morrer uma possibilidade que seria muito promissora”, ressalta.

Projeto de lei pode ser empecilho para habitação social

Ao analisar o projeto, o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andrés, sinaliza que estão sendo desenhadas políticas interessantes para o Centro de Belo Horizonte, como a implantação de novas ciclovias, a expansão das faixas exclusivas de ônibus e o fechamento da rua Sapucaí, no bairro Floresta.

“Todas essas são boas políticas para a cidade, porque as pessoas também deixaram de morar no Centro por causa do trânsito, pois ficou barulhento e poluído. Então, a gente precisa devolver essa região central para as pessoas”, afirma.

Embora destaque essas iniciativas como positivas, o urbanista reitera que o programa ainda conta com aspectos vagos e que seria importante trazer habitação social para a região. Ele explica, entretanto, que para isso, a Prefeitura necessita de recursos, o que contradiz com outra proposta do município, o Projeto de Lei (PL) 508/2023.

Pronto para ser votado em 2º turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), o texto propõe mudanças nos instrumentos de política urbana previstos no Plano Diretor. Uma delas visa reduzir o valor da Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) na Capital, o que, para Andrés, retira recursos de habitação social ao conceder desconto para as construtoras.

Uso de prédios ociosos e subutilizados

Com o objetivo de estimular a habitação social no Centro de Belo Horizonte, a prefeitura pretende utilizar prédios ociosos e subutilizados. Os especialistas apoiam a iniciativa.

Para efetivar a ideia, o Executivo municipal propõe, dentre outras medidas, uma atualização da legislação de retrofit. A ideia é criar novas normas que favoreçam a reforma de imóveis antigos a fim de modernizá-los para promover a reocupação da região. Camila Zyngier e Roberto Andrés analisam como viável o mecanismo, mas fazem observações.

Na avaliação de Camila Zyngier, existe viabilidade desde que as mudanças sejam feitas com acompanhamento técnico. Ela explica que algumas edificações da Capital estão preparadas para uso comercial, logo, para torná-las aptas ao uso residencial, será preciso fazer diversas adaptações de modo a trazer mais conforto e segurança para os futuros moradores.

“Por exemplo, vai ter que trazer mais estrutura hidráulica, porque terá mais banheiros. Vai ter uma cozinha onde não tinha antes. Então, você tem uma situação de ventilação e conforto térmico que é diferente de um uso comercial”, afirma.

Já na visão de Andrés, a aplicação do mecanismo é importante, porém não deve ser feito somente para o mercado. Ele salienta que é necessário ter um retrofit de habitação social.

“Você vai pegar um jovem, solteiro, de classe média, que vai optar por morar em um apartamento reformado por uma construtora. Isso pode existir, não tem problema, mas você precisa também de um retrofit de habitação social e aí é política pública, subsidiado dentro do Minha Casa, Minha Vida, que está sendo redesenhado para prever esse tipo de política”, diz.

Bons exemplos a serem seguidos por Belo Horizonte

Ainda que as ações do Programa de Requalificação do Centro de Belo Horizonte impactem em melhorias à população e na percepção da mesma frente aos gestores, são necessárias iniciativas de longo prazo para que, de fato, mudanças significativas ocorram na região.

É o que pensa o diretor executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte (Codese-BH), Elvis Gaia. Para ele, o primeiro passo já foi dado, que diz respeito à vontade do poder público em colocar o Centro como prioridade, entretanto, outras pautas precisam ser discutidas, como a inovação tecnológica.

“Já estamos sendo muito impactados pela inovação tecnológica e não vemos ainda isso sendo discutido a nível de cidade. Então, é fundamental que a gente possa discutir. Falamos muito de smart city, de novas soluções tecnológicas, está tudo acontecendo muito rápido e estamos ficando para trás”, ressalta.

Nesse sentido, de propor medidas a longo prazo, apresentar uma visão de sociedade e contribuir para o futuro da Capital, Gaia explica que o Codese-BH, à convite da Prefeitura, está desenvolvendo um plano com ações estruturantes para a região.

A fim de apoiar esse processo, o Codese-BH contratou Washington Fajardo, ex-secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro. O novo consultor técnico foi responsável pelo Reviver Centro, plano de recuperação da região central da capital fluminense, citado como referência para Belo Horizonte tanto pelo diretor executivo quanto por Camila Zyngier.

Para Gaia, além do Rio de Janeiro, existem exemplos fora do Brasil que podem ser seguidos pela capital mineira, como Medellín e Bogotá, ambos na Colômbia; Cidade do México; Londres, na Inglaterra, e até mesmo Buenos Aires, na Argentina.

“A gente pensa que a Argentina está quebrada, mas quando você vai a Buenos Aires nos dias de hoje, você vê como a cidade está bem cuidada. Isso é gestão. Precisamos adotar boas práticas, ter uma governança e fazer uma boa gestão com a participação da sociedade”, diz.

Já a urbanista e professora do Ibmec-BH menciona o modelo de gestão de Turim, na Itália, como outro exemplo a ser adotado por Belo Horizonte. Ela explica que em um plano de longa duração, o centro da cidade italiana, voltado para veículos motorizados, se transformou em um lugar que valoriza a história local, a população e a sustentabilidade.

“Turim tem veículos de transporte público sustentáveis baseados em luz solar, veículos elétricos, estacionamentos subterrâneos para liberar as vias e as praças para os pedestres. Eu conheci a cidade e estudei lá. Eles só conseguiram fazer isso porque tinha um plano de gestão que ia além do governo como partido”, destaca.

O urbanista e professor da UFMG, Roberto Andrés, também indica uma cidade europeia como exemplo. Ele ressalta que em Paris, na França, quando se constrói um novo prédio, cerca de 30% dos apartamentos devem ser destinados à habitação social.

“Em Paris, se você faz 100 apartamentos, vai ter que ter 30 para habitação social. Isso traz diversidade para as regiões centrais. Vai ter gente de vários estratos econômicos morando ali. Isso simplifica a vida dessas pessoas. Quem trabalha no comércio daquele bairro não precisa circular tanto para chegar ao local. Você também reduz a demanda de automóveis”, afirma.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas