Política

Relatora propõe o indiciamento de Jair Bolsonaro

Eliziane Gama disse que diferentes fatos mostram “exaustivamente” que o ex-presidente “foi autor, seja intelectual, seja moral" dos ataques
Relatora propõe o indiciamento de Jair Bolsonaro
Eliziane Gama apresentou o relatório, de 1.33 páginas, que será votado na sessão de hoje | Crédito: Lula Marques/ Agência Brasil

Brasília – A relatora da CPI do 8 de janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), sugeriu ontem o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos ex-ministros general Augusto Heleno, general Walter Braga Netto, general Luiz Eduardo Ramos e Anderson Torres.

A senadora mirou o “núcleo duro” do bolsonarismo para apontar que o ex-presidente estava cercado por movimentos golpistas, que chegaram ao ápice no dia 8 de janeiro deste ano, com a destruição do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

O relatório, de 1.333 páginas, será votado na sessão de hoje. O documento, obrigatório em comissões parlamentares de inquérito, pode apenas sugerir indiciamentos a autoridades responsáveis, como o Ministério Público Federal.

A relatora pede o indiciamento de Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.

Segundo ela, diferentes fatos mostram “exaustivamente” que o ex-presidente “foi autor, seja intelectual, seja moral, dos ataques perpetrados contra as instituições, que culminou no dia 8 de janeiro de 2023”.

A participação de Bolsonaro na teia golpista, segundo a senadora, foi exposta pelo programador Walter Delgatti Neto, o hacker da Vaza Jato, e pela delação premiada de seu principal ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid.

Em depoimento à CPI, Delgatti disse que a campanha de Bolsonaro planejou forjar a invasão de uma urna eletrônica em 2022 e que o próprio ex-presidente pediu que ele grampeasse conversas do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Diferentes minutas golpistas circularam no entorno de Bolsonaro após a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma delas, encontrada no armário de Torres, autorizava o ex-presidente a instaurar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outra foi localizada no celular de Cid.

Ao longo das investigações, a relatora tentou reconstruir a escalada golpista desde as eleições, começando pelas blitze feitas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno para dificultar a votação de eleitores petistas.

A senadora sugeriu que o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques seja indiciado por diferentes crimes, incluindo o de impedir ou dificultar o exercício de direitos políticos. Ele está preso desde agosto a pedido da Polícia Federal pelas suspeitas sobre o pleito.

Militares

Outro alvo da CPI foi o acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, após a derrota de Bolsonaro. A relatora pede o indiciamento do ex-comandante do Exército general Freire Gomes, e do ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira.

Eliziane também detalhou o papel dos militares formados nas forças especiais do Exército, os chamados de “kids pretos”, e sugeriu o indiciamento do general Ridauto Fernandes, ex-diretor de Logística no Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro.

A lista de militares entre os possíveis indiciados incluiu 22 nomes só das Forças Armadas, começando pelo próprio Bolsonaro, capitão reformado do Exército, e Cid, tenente-coronel. Também aparece na lista o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier, citado por Cid em delação premiada.

A linha do tempo construída pela relatora menciona ainda os ataques ocorridos em Brasília na reta final do governo Bolsonaro: a tentativa de invasão da sede da PF e o rastro de destruição provocado por bolsonaristas nesse dia, além da colocação de uma bomba perto do aeroporto.

A relatora afirmou que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), “tinha pleno conhecimento do risco de atos violentos”. Mesmo assim, o emedebista liberou manifestações na Esplanada dos Ministérios e não acionou a Força Nacional.

A senadora incluiu Ibaneis na lista de possíveis responsáveis pelo crime de omissão, mas sugeriu que as investigações contra ele sejam aprofundadas pelas autoridades porque a CPI não tem competência para investigar governadores.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) também aparece no relatório por associação criminosa, abolição do Estado democrático e golpe de Estado. A relatora afirma que a bolsonarista difundiu informações falsas sobre as urnas eletrônicas e fez a ponte entre Bolsonaro e Delgatti.

No total, Eliziane Gama sugere o indiciamento de 61 pessoas, incluindo a cúpula da Polícia Militar do DF, empresários e funcionários do GSI – como o ex-número dois de Heleno, general Penteado, que foi mantido pelo ex-ministro de Lula Gonçalves Dias nos primeiros dias de governo.

GDias, como o general é conhecido, acabou poupado. A relatora afirmou que ele estava há apenas oito dias no cargo, e que muitos de seus subordinados tinham sido indicados por Heleno. O ex-chefe da Secretaria de Segurança Presidencial do GSI general Feitosa também foi alvo de pedido de indiciamento.

“As invasões do dia 8 de janeiro fracassaram em seus objetivos mais escuros, mas os ataques à democracia continuam”, escreveu a senadora. “O 8 de janeiro ainda não terminou, urge que o sistema de vigilância seja permanente”, advertiu.

O principal relatório da oposição sugere a responsabilização do próprio presidente Lula, além de GDias; do ministro da Justiça, Flávio Dino; do ex-interventor e número dois do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli; e do ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Saulo Moura.

O documento também pede o indiciamento do comandante-geral da Polícia Militar do DF em 8 de janeiro, coronel Klepter Rosa Gonçalves, e do então chefe do Departamento Operacional da corporação, tenente-coronel Paulo José.

Em um segundo relatório da oposição, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também defendeu o indiciamento de Dino e GDias. (Thaísa Oliveira)

PGR encaminha acordos com réus

A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) três pedidos para validar os primeiros acordos com réus que confessaram crimes nos atos golpistas de 8 de janeiro e se comprometeram a pagar multas.

Em um desses acordos, um réu se comprometeu a pagar R$ 50 mil. Em outros dois, cada um prometeu pagar R$ 5.000.

Os três também se comprometeram a cumprir obrigações como prestações de serviços à comunidade durante 300 horas, participação de um curso sobre democracia e proibição de manter as redes sociais abertas.

O curso, segundo a PGR, terá a “temática sobre ‘Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado’, com carga horária de 12 horas, distribuída em quatro módulos de três horas, a ser disponibilizado em formato audiovisual”.

A decisão de validar esses acordos caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos.
O Ministério Público Federal solicita que Moraes, ao validar os acordos, determine a revogação de medidas cautelares como o uso de tornozeleiras eletrônicas.

Os réus que podem firmar esses tratos, que são chamados de ANPP (acordos de não persecução penal), respondem a crimes cujas penas máximas não ultrapassam os quatro anos.

No caso do 8 de janeiro, os casos são relacionados a réus que respondem pelo crime de incitação. Eles não participaram diretamente dos ataques aos prédios públicos, mas estavam, por exemplo, acampados em frente ao quartel-general do Exército em Brasília.

A PGR diz que mais de 300 dos 1.125 denunciados já manifestaram interesse em assinar o acordo. Após a validação pelo STF, as ações penais contra essas pessoas ficam suspensas, e podem ser retomadas em caso de descumprimento das cláusulas.

Caso Moraes valide os acordos, eles seguirão para a Justiça Federal em primeira instância para acompanhamento do seu cumprimento. (José Marques/STF)

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