Editorial

Verdade e mentira

Verdade e mentira
Crédito: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

É de todo improvável que uma sociedade ou sistema político possa conviver, livre de gravíssimos riscos, com situação em que a mentira passa a ser, mais que tolerada, parte integrante do processo, arma utilizada sem qualquer espécie de pudor ou disfarce. Algo próprio da modernidade, dirão alguns, ou das ferramentas que permitem que inverdades sejam multiplicadas com a velocidade da luz, ainda que à custa de um processo de descrédito que igualmente avança de maneira um tanto preocupante, relativizando valores que só podem, ou deveriam, ser tomados como imutáveis. Acontece no mundo, acontece no Brasil, com o agravante de parecer natural, se não pelo menos aceitável e sem que reações contrárias assumam a contundência que deveriam ter.

Mentira tornou-se a arma aceitável, recorrente, para quem, notadamente no espaço político, não dispõe de argumentos ou não tem como, simplesmente, colocar a própria verdade de seu lado e a seu favor. Um processo tão intenso, tão repetitivo que pode acabar padecendo de seu próprio veneno, a exemplo de acontecimentos mais recentes e envolvendo o ministro da Justiça, Flávio Dino, que se tornou uma das figuras centrais do atual governo. Além de alvo preferencial na medida em que tem potencial para ser candidato na próxima eleição presidencial. Foi dele exatamente que disseram à exaustão que teria se encontrado no Rio de Janeiro, numa favela, com líderes do crime organizado. Nada comprovado, nada do que se pudesse ao menos dizer que existiriam suspeitas, mas invencionice repetida naquela escala que se imagina ser capaz de transformar mentiras em verdade.

Agora voltam à carga contra o mesmo alvo, repetindo o cansativo – e um tanto desmoralizado – para propalar que o Ministério da Justiça teria abrigado, dolosamente, a mulher de outro chefão do crime organizado. Sim, houve desleixo e aparente falta de controle numa escala bizarra, numa espécie de reação em cadeia que começou muito distante de Brasília. Mas daí à tentativa de mais uma vez colocar Flávio Dino no centro dos acontecimentos vai uma distância que, em condições normais, bastaria para apagar toda a polêmica. Ou impedir que ela chegasse a existir.

Em nada impressiona que esta seja a arma de quem não tem escrúpulos e muito menos argumentos, condição já vastamente comprovada por quem nega que tenha havido um golpe de Estado em 1964 ou, mais recentemente, que os ataques em Brasília no dia 8 de janeiro teria sido obra de “infiltrados”.

Mas impressiona, e muito, que divergências de pensamento ou mesmo ideológicas possam contaminar pessoas que estão fora desse espectro e que aos poucos vão se mostrando incapazes de distinguir, mesmo em situações banais, verdade e mentira.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas