Economia

Estagflação já acomete o Brasil; entenda conceito e relação com a inflação

Estagflação já acomete o Brasil; entenda conceito e relação com a inflação
Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A economia parece avançar com a redução registrada na taxa de desocupação para 11,1% no primeiro trimestre do ano. Em 2021, a nível de comparação, a taxa ficou em 14,9% nos meses de janeiro, fevereiro e março. Mas, de forma isolada, o dado apurado pelo Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE) não representa crescimento econômico.

O especialista e professor Mauro Sayar Ferreira, do departamento de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que a geração de emprego ocorre pela abertura da economia. Isso significa que após o período de medidas mais rígidas para a contenção da pandemia da Covid-19, o comércio reabre e estimula a economia de forma geral.

No entanto, esse efeito de abertura da economia não é suficiente para que a economia cresça significativamente. A realidade de alta generalizada de preços, percebida principalmente no carrinho de compras no supermercado, abre espaço para uma combinação preocupante: a estagflação.

O que é a estagflação?

A palavra significa um contexto em que há justamente o baixo crescimento econômico ou a estagnação da economia com a elevada inflação. Em sua explanação, o professor Mauro acrescenta que o Brasil já vive a realidade reservada pelo conceito, mas em um nível classificado como pior dos mundos.

“Às vezes os preços estão altos, mas o país está crescendo, o emprego está sendo gerado. E as pessoas não sentem de forma tão intensa a elevação do custo de vida. Mas, no contexto atual, a gente tem essa grande elevação do custo de vida, principalmente para as famílias mais pobres, em um contexto de economia estagnada. Ao mesmo tempo, os empregos gerados não tem rendas altas”, explica.

O professor da UFMG acrescenta que o termo e seu significado não são novos. “A expressão foi cunhada nos anos 1970, quando os Estados Unidos enfrentaram o choque do petróleo”, diz.

Lourival Batista, conselheiro do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), conta que a reutilização do termo é, no entanto, recente. “A gente esteve muito tempo longe disso. O que a teoria econômica mais tradicional espera é que no momento de queda de preços você tenha também um nível de atividade caindo. E assim, quando você tem crescimento, há pressão sobre os preços. Não seria normal você ter declínio da economia e elevação dos preços”, analisa Batista sobre o cenário atual.

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Crédito: Adriano Machado/Reuters

Inflação, economia e recessão

A análise do especialista Mauro Sayar Ferreira considera as projeções de baixo crescimento, que estão girando entre 1% a 1,5%. Segundo ele, se confirmadas, as taxas não permitem ao País voltar a patamares anteriores à pandemia da Covid-19.

Assim como anunciado pelo Banco Central do Brasil (BCB) nesta manhã (23), o professor afirma que a desaceleração mais forte deve ocorrer a partir do segundo semestre de 2022.

Vale lembrar que a política de elevação da taxa básica de juros (Selic) adotada pelo BCB não tem efeitos imediatos.

É por isso que as altas da Selic são constantes. Os efeitos da medida de aperto monetário levam entre seis e nove meses para desacelerar a demanda e contribuir para a normalização de preços.

Essa reação é comum entre os bancos centrais de todo o mundo, entre eles, os Estados Unidos e países europeus. “Como você tem incerteza, o banco faz movimentos suaves e aumenta aos poucos a taxa de juros. Aos poucos, o banco avalia, estuda, quais são os impactos que estão acontecendo na economia em função da taxa de juros”, explica Sayar Ferreira.

Essa estratégia, ainda segundo o professor da UFMG, é fundamental para as instituições financeiras. Os bancos precisam rever o quanto de dinheiro vão reservar ou emprestar, e pensar nas taxas de inadimplência. Além disso, a escalada suave e contínua da taxa básica de juros permite a adaptação ao estímulo do Banco Central e o monitoramento das respostas.

Assim como no Brasil, Sayar Ferreira cita que a instituição que tem o mesmo papel da autarquia brasileira nos Estados Unidos também começou a subir a taxa de juros aos poucos.

No entanto, Lourival Batista afirma que o combate à situação atual não deveria ocorrer com o aumento da taxa, uma vez que não há demanda aquecida, em particular no Brasil. A opinião do especialista está intrinsecamente ligada aos cenários que levaram ao patamar atual e detalhados abaixo.

O que explica a desaceleração da economia?

O cenário internacional deixa suas marcas na situação brasileira. A pandemia da Covid-19 é um dos principais fatores que explicam algumas situações que persistem na economia nacional e mundial.

“A gente ainda tem alguns problemas nas cadeias produtivas. A China novamente adotou medidas bastante restritivas para controlar a pandemia. E vale a pena lembrar que parte expressiva dos insumos é proveniente da China. Isso impacta nas cadeias produtivas de todo o mundo”, explica o professor do departamento de economia da UFMG.

De igual forma, o diretor de política econômica do Banco Central do Brasil, Diogo Adry Guillen, afirma que a política de Covid Zero, adotada na China, afasta o processo de normalização das cadeias produtivas globais. E isso ocorre justamente pelas novas paralisações em fábricas que abastecem as indústrias.

Outro desdobramento decorrente da pandemia da Covid-19 foram as medidas adotadas nos momentos mais conturbados da doença nas nações. Nesses períodos, os países estimularam a demanda, mas a oferta de produtos estava reduzida pelas restrições e dificuldade de abastecimento das indústrias.

Esse é o ponto que está por trás da inflação que foi e ainda é observada no mundo, uma vez que a demanda aquecida e a falta de oferta geram o aumento de preços.

Crédito: Reprodução/Youtube TV Brasil

Mais recentemente, os especialistas são uníssonos em apontar para a guerra na Ucrânia como fator preponderante para desequilíbrio de suprimento de produtos agrícolas. Além disso, há pressão inflacionária sobre commodities, algo ponderado por Sayar Ferreira e Guillen.

Diante do contexto da pandemia e da guerra na Ucrânia, Lourival Batista afirma que os desarranjos causados na cadeia de suprimentos precisam ser pensados a nível global.

“Se você olhar, ainda tem países no mundo onde a vacina ainda não chegou. É preciso um esforço mundial de fazer com que as vacinas cheguem a todos. Isso tem um impacto importante na estabilização global. E você também precisa criar condições para ajudar com que os gargalos da cadeia de semicondutores sejam solucionados. Esse tipo de coisa dificulta a retomada econômica”, afirma Batista.

A nível nacional, Lourival afirma que é preciso adotar políticas setoriais e públicas para apoiar a rearticulação das condições de oferta justamente para barrar as questões inflacionárias.

Ele ressalta, no entanto, que isso não se dará por meio de medidas isoladas. A solução passa, por exemplo, pela redução da dependência do diesel e a mudança na matriz de transportes brasileira. Além disso, ele defende um estoque regulador de alimentos para que o Governo possa atuar efetivamente em meio à alta de preços.

Mauro Sayar Ferreira defende que o Governo adote políticas fiscais pensadas na população de baixa renda. “Você precisa focalizar o cuidado nas populações de baixa renda, com o cuidado de não expandir gastos gerais. Mas aqui, o que não falta, é o desperdício de recursos. Um exemplo é a má utilização das verbas com o orçamento secreto, fundo eleitoral. O Governo deveria fazer o esforço de não expandir os gastos”, afirma.

DC Responde

Como a estagflação afeta os brasileiros?

Ainda de acordo com o professor Mauro Sayar Ferreira, a principal repercussão está sobre o emprego dos brasileiros. Menos oportunidades são geradas nesse contexto e a renda também se deteriora. A elevação da inadimplência é também um reflexo da estagflação, já que as famílias perdem renda e começam a ter dificuldade de pagar por empréstimos, por exemplo.

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