Conheça a Ubérrima, moeda local que promete fomentar a economia no interior de Minas

Uma nova moeda começou a circular em Minas Gerais nesta terça-feira (16). Trata-se da Ubérrima, moeda local válida em toda a cidade de Resplendor, na região do Rio Doce, que tem cerca de 17 mil habitantes. Oficializada via lei municipal, a nova moeda foi instituída com o objetivo de manter a circulação da riqueza dentro da cidade, e é pioneira no Brasil, mas não deve ser a única.
Outras cidades mineiras já estão no radar do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG) para implementação da iniciativa. A próxima cidade a lançar sua moeda própria será Mato Verde, no Norte de Minas, com cerca de 12 mil moradores.
O presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae em Minas, Marcelo de Souza e Silva, conta que o uso da moeda local será estimulado dentro do município.
“Por exemplo, o empregador que vai dar uma cesta básica pode dar este valor em ubérrimas. Outro exemplo: o consumidor que vai no comércio comprar um produto de R$ 100, se ele pagar com a Ubérrima, o valor cai para R$ 90. A prefeitura pode adotar o pagamento de sua folha na moeda local. São sugestões de uso em determinadas situações que podem incentivar a circulação da nova moeda e fazer com que o dinheiro gerado no município, fique no município”, explica.
A moeda local não exclui a nacional, mas pode funcionar como um complemento. Para ser instituída, foram dois anos de estudo e planejamento da Prefeitura de Resplendor em parceria com o Sebrae. Junto à moeda, foram criados também um Conselho Monetário Municipal e um Fundo Monetário Municipal, para fiscalização e monitoramento de “tiragem” e circulação. O Conselho é formado por membros da prefeitura, comerciantes e sociedade civil.
“Para cada unidade de Ubérrima emitida, a prefeitura guarda o valor correspondente em Real nesse Fundo Monetário, assegurando a paridade com a moeda nacional”, explicou o presidente do Conselho, Wender Barbosa.
Tiragem e circulação
Para os seis primeiros meses de circulação da Ubérrima foram impressas 70 mil cédulas, totalizando R$ 300 mil (ou Ub$ 300 mil, na sigla da nova moeda). O valor é equivalente ao Real, ou seja, R$ 1 é o mesmo que Ub$ 1. Até então, não foram feitas notas de maior valor, somente de 1, 2, 5, 10 e 20 ubérrimas.

A moeda vai circular livremente no município, sem a necessidade de um cadastro prévio. Os próprios comerciantes e empreendedores poderão definir a porcentagem de descontos e outros benefícios para estimular e ampliar a utilização das cédulas locais.
Para trocar ubérrimas por reais, a população vai poder realizar as operações de câmbio na Secretaria de Desenvolvimento Econômico ou nos comércios conveniados.
Inovação com dinheiro de papel
No caso de Resplendor, a inovação faz o caminho inverso, sai das maquininhas e chega por meio do dinheiro de papel. A ideia de manter a riqueza onde ela é gerada depende, agora, de aderência popular.
“Vale lembrar que as cédulas atendem a todos os requisitos de segurança, como as notas de real. A expectativa é que a população use bastante a Ubérrima, valorizem a moeda local, que é um bem dos moradores e da cidade. As pessoas têm que se apropriar disso”, comenta o presidente do Sebrae, Marcelo de Souza e Silva.
Ele também explica por que a iniciativa faz sentido em cidades pequenas.
“Em cidades menores, muita gente recebe o seu dinheiro e acaba indo em cidades vizinhas fazer suas compras. Agora, a cidade vai contar com um outro meio de pagamento, como um cartão de crédito ou de débito. Só que em espécie. É uma moeda nova que vai circular na cidade com os benefícios que isso pode trazer”, conclui.
Nova moeda fortalece o senso de comunidade
O economista e mestre em Estatística pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Guilherme Almeida, explica que além de criar um fluxo interno de renda que evita que a riqueza do município transborde para outros territórios, a inserção de uma moeda local fortalece o senso de comunidade.
“A comunidade tende a apoiar os negócios locais e isso acaba fortalecendo as empresas da cidade e estimulando o empreendedorismo. Há a criação de uma rede mais forte, um senso de pertencimento que acaba ligando a população por meio da nova moeda, deixando a comunidade mais forte e mais unida. Afinal, as pessoas têm ali um interesse mútuo em apoiar as empresas locais e isso cria um vínculo virtuoso, mais renda para essas empresas, mais oportunidades para as pessoas e mais postos de trabalho”, analisa.
Além disso, para Guilherme, ao apoiar as pequenas e médias empresas, diminui-se a dependência das grandes corporações, o que pode trazer vários benefícios a médio e longo prazo para a população mas, principalmente, para as empresas locais.
Outro benefício elencado pelo especialista é o fortalecimento da identidade cultural. “Uma moeda local ajuda a preservar a identidade cultural e social do município, e a promover serviços e produtos locais que são típicos daquela cidade, produzidos só ali, principalmente, os artesanais. Outra vantagem é que uma moeda própria acaba dinamizando o município. Ele passa a ter mais controle sobre a sua política monetária e o fluxo de moeda em circulação”, comenta.
Gestão e equilíbrio com o comércio externo são principais desafios
O economista Guilherme Almeida acredita que um dos principais desafios é a incorporação da nova moeda na rotina da cidade.
“Por ser algo novo, há uma ruptura com a moeda tradicional, que é universalmente aceita. Então, pode haver resistência na aceitação do público, as pessoas podem hesitar em adotar uma nova moeda, uma nova forma de pagamento. E isso pode gerar uma instabilidade no início”, observa.
Outro ponto de atenção é a gestão e regulação da moeda. “Ela pode passar a ser universalmente aceita no município, mas ainda há todo o aspecto regulatório por trás da criação dela. Isso requer uma infraestrutura e uma regulação adequadas para garantir a estabilidade da moeda até mesmo para promover sua credibilidade junto ao público”.
Por fim, há o desafio de suprir as necessidades da população que sai do município em busca de outros produtos.
“É preciso equilibrar o estímulo à economia local com a necessidade de se envolver com o comércio externo em outras áreas também, porque isso permite a troca econômica e cultural com outras localidades. Mas o público está comprando fora do município por algum motivo, seja porque o preço é mais competitivo ou porque ele encontra produtos e serviços que não encontra na cidade dele. Então fica essa questão de o consumidor também ter estímulo suficiente para fazer suas compras ali dentro, por exemplo, incorporando esses produtos e serviços”, sugere.
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