Legislação

Ação se arrasta e empresário morre

Ação se arrasta e empresário morre
#Legislação | Imagem: Pexels / Arte: Will Araújo

São Paulo – A pandemia de Covid-19 mobilizou empresas em torno de iniciativas para aplacar os estragos sanitários, sociais e econômicos provocados pelo novo coronavírus. Em valor, a principal doação partiu do Itaú Unibanco, que, sozinho, destinou R$ 1 bilhão para o combate à doença, a maior iniciativa filantrópica já realizada individualmente para enfrentar o novo coronavírus no Brasil.

Até a última segunda-feira (21), porém, 657,3 mil vidas foram perdidas para a doença no País. Entre elas, está a do empresário gaúcho Paulo Lerner, um ex-leiteiro que se tornou dono da maior empresa de transportes de malotes do Rio Grande do Sul nos anos 1990, a Portocar.

Lerner morreu em 20 de janeiro deste ano, aos 78 anos, sem receber uma indenização de R$ 1,7 bilhão a R$ 2,8 bilhões do Itaú Unibanco, fruto de uma ação movida há 24 anos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu em 2012 o direito de Lerner, que entrou com um processo contra o banco em 1998 por rescisão contratual.

Mas a Justiça está há dez anos tentando definir o valor da indenização. Duas perícias já foram anuladas pelo juiz responsável pelo caso, o ministro do STJ Luis Felipe Salomão. O terceiro perito foi nomeado em fevereiro.

“O Itaú Unibanco apresentou no processo todas as informações disponíveis referentes ao relacionamento que manteve com a empresa durante o período em que contratou seus serviços. O banco esclarece, ainda, que os números informados pela empresa no referido processo não condizem com a realidade”, informou o banco, referindo-se aos valores em discussão.

Trata-se de uma das maiores ações individuais em curso hoje no Brasil. Não existe um ranking oficial das indenizações mais altas já pagas no Brasil, mas a maior deste século, no valor de R$ 10,6 bilhões, foi fruto de uma ação movida pela Copersucar contra a União.

Neste caso, porém, foi uma ação coletiva, envolvendo dezenas de usinas associadas à Copersucar na época, que reclamaram dos prejuízos com o tabelamento de preços nos anos 1980, praticado pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). A ação se estendeu por cerca de 20 anos e começou a ser paga em 2019.

Transporte de malotes – A Portocar manteve contrato com o então Unibanco (que só no final de 2008 se fundiu ao Itaú) entre os anos de 1990 e 1996. Pelo contrato, a Portocar tinha que fazer o transporte de malotes entre as agências do banco no Rio Grande do Sul, da capital para o interior e vice-versa. Nestes malotes, havia documentos, cheques e dinheiro em espécie.

Em 1992, a Portocar venceu uma licitação da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) para transportar os malotes dos bancos associados -nestes casos, segundo Fabiana, eram apenas documentos e cheques. “Dinheiro, a Portocar só transportava para o Unibanco», diz Júlia Lerner, filha de Paulo Lerner..

Em 1996, o banco decidiu rescindir o contrato, para continuar sendo atendido por meio do acordo firmado entre Febraban e Portocar. Em 1998, a Portocar foi à Justiça por conta da rescisão, pedindo equiparação dos serviços prestados aos de uma transportadora de valores.

“Nós entramos na Justiça pedindo os lucros cessantes -o quanto a empresa deixou de ganhar vendendo abaixo do mercado- e os danos emergentes, que decorreram do encerramento do contrato”, afirmou o advogado Luís Pascual, representante do fundo Algarve, que comprou uma pequena parte dos direitos creditórios da Portocar na ação.

Em 2012, em decisão definitiva transitada em julgado, o STJ deu ganho de causa à Portocar. O problema, de acordo com Pascual, está sendo fixar um valor para a indenização: o cálculo deve ser feito em cima da quantia transportada pela empresa, uma informação que só o banco tem. “Mas o banco se nega a passar os dados completos, de todas as 407 mil coletas feitas no período”, disse o advogado.

Diante do impasse, a Justiça designou, por duas vezes, peritos para definir o valor. “Com base nos cálculos da perícia, se chegou a três valores possíveis de indenização: R$ 1,7 bilhão, R$ 2,1 bilhões e R$ 2,8 bilhões”, afirma Pascual. “Mas o juiz responsável pelo caso no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, anulou as duas perícias após recurso do Itaú Unibanco”, afirma.

“Isso vai contra a Súmula 7 do próprio STJ: ‘A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial’”, argumentou Pascual. Procurado, o tribunal informou, por meio de sua assessoria, que “a posição do STJ encontra-se nos autos”. Um terceiro perito foi designado mês passado.

“Quanto mais a ação se estende, mais barata fica a indenização: os juros da Justiça são de 12% ao ano, enquanto o retorno sobre o patrimônio do banco é de 23% ao ano», diz Pascual. Em 2021, o Itaú Unibanco lucrou R$ 26,8 bilhões.

A Portocar não existe mais. Suas atividades foram encerradas em 28 de abril de 2006. À época, o único contrato da empresa era com a Febraban, que rescindiu o acordo no mesmo ano. “O Itaú Unibanco fez pressão, por conta da nossa ação na Justiça, para que o contrato com a Portocar fosse encerrado”, diz Fabiana.

A empresa contava com cerca de 150 funcionários e, pouco antes de ver seu contrato rescindido pela Febraban, havia encomendado 30 carros zero quilômetro para renovar a frota.

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