Legislação

Carne, jogos de azar e carros elétricos: o que diz o relatório da reforma tributária

Deputados incluem jogos de azar e carros elétricos no 'imposto do pecado'
Atualizado em 4 de julho de 2024 • 20:23
Carne, jogos de azar e carros elétricos: o que diz o relatório da reforma tributária
Reforma tributária gerou polêmica a respeito de impostos sobre carne, jogos de azar e carros elétricos. Fotos: Unsplash e Adobe Stock

Brasília – O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de regulamentação da reforma tributária não incluiu carnes na lista dos produtos da cesta básica nacional, que terá alíquota zero quando a reforma entrar em vigor.

Além disso, incluiu a cobrança do Imposto Seletivo (IS) para jogos de azar (inclusive as bets) e carros elétricos. Por outro lado, os caminhões foram retirados da lista.

O parecer foi divulgado na manhã desta quinta-feira (4). A expectativa é que o texto seja votado no plenário da Câmara na próxima semana.

A ausência do alimento na cesta básica é um dos temas mais polêmicos da reforma e acabou se transformando numa disputa política com as críticas de bolsonaristas à decisão do Executivo de deixar carnes fora da lista no projeto de regulamentação enviado ao Congresso.

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A polêmica levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a entrar na discussão, na semana passada, ao defender uma mediação com a inclusão do frango na lista. Nesta semana, Lula defendeu imposto zero para as carnes que são consumidas pelo “povo”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ironizou Lula nas suas redes sociais ao dizer que “a picanha se transformou em pé de galinha”. A razão da crítica foi que Lula tinha defendido inicialmente uma mediação para incluir na cesta básica o frango e disse que essa era “a carne que o povo come todo dia”. “Pé de frango, pescoço de frango, peito de frango”, afirmou o petista.

Na quarta (3), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou ser contrário à inclusão da carne. Ele afirmou que essa medida representaria um impacto de 0,57% na alíquota geral e disse que isso é “um preço pesado para todos os brasileiros”.

“Não tem polêmica em relação à carne, nunca houve proteína na cesta básica, nunca houve. Se couber, a gente vai ter que ver quanto essa inclusão representa na alíquota que todo mundo vai pagar”, disse.

A pressão, no entanto, segue forte para deixar as carnes em geral com alíquota zero e parlamentares nos bastidores já dão como praticamente certa a mudança.

A decisão de não colocar nenhuma carne na lista foi da equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A justificativa foi evitar uma alta dos dois tributos que serão criados pela reforma: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para estados e municípios, e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), para União.

A inclusão da carne pode elevar em 0,57 ponto percentual a alíquota média da CBS e IBS, que passaria de 26,5% para 27,1%. Mesmo fora da lista de produtos da cesta básica nacional com alíquota zero, a equipe de Haddad argumenta que as carnes terão alívio da tributação com a entrada em vigor gradual da reforma, a partir de 2026.

Lira se reuniu na quarta por mais de sete horas com os parlamentares do grupo de trabalho para fazer ajustes ao texto. À noite, os deputados participaram de reunião com o secretário Extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, para analisar as mudanças feitas ao relatório e os eventuais impactos que elas teriam na alíquota geral.

A Fazenda tem contribuído com ajustes técnicos da proposta, mas as decisões consideradas polêmicas estão sendo conduzidas por dirigentes partidários. Na noite de terça (2), Lira se reuniu com líderes e presidentes dos partidos União Brasil, PP, Republicanos, MDB, PSD e PL – com exceção de Gilberto Kassab, do PSD – para tratar da reforma tributária.

O deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que integra o grupo de trabalho, disse que as mudanças feitas pelo colegiado à proposta colocam a alíquota média do IBS e CBS abaixo de 26,5%, o valor previsto pelo Ministério da Fazenda quando o projeto do Executivo foi enviado ao Congresso.

O deputado Claudio Cajado (PP-BA), que integra o grupo, afirmou nesta quinta que qualquer “demanda extra de sugestões, críticas construtivas e novas opiniões” serão resolvidas no plenário da Câmara.

“De agora em diante, o diálogo é com a Casa, com os deputados, presidentes de partidos, líderes e suas respectivas bancadas para que possamos na próxima semana aprovar o texto. O momento de aprovação vai depender agora do colégio de líderes com o presidente Arthur Lira.”

Cajado disse que a previsão é que seja votado o requerimento de urgência do texto na terça-feira (9).

Augusto Coutinho (Republicanos-PE) afirmou que houve “harmonia” entre todos os integrantes do grupo. “A gente teve, óbvio, divergências, mas a maioria sempre prevaleceu e o resultado do relatório é o resultado de todos nós.”

O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) antecipou que o grupo decidiu deixar de fora da cobrança dos impostos os chamados nano empreeededores, como são chamados os vendedores que atuam de porta em porta das residências, com os vendedores de marca de cosméticos.

Ele também informou que o grupo de trabalho aperfeiçoou o sistema de funcionamento de cobrança do chamado “split payment”. Rocha chamou a mudança de “split payment inteligente”, que vai funcionar para não impactar o fluxo de caixa das empresas. “É uma virada de chave na economia brasileira”.

“O texto é bom, mas nós temos uma semana ainda para melhorá-lo”, disse o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA).

Deputados incluem jogos de azar e carros elétricos no ‘imposto do pecado’

O grupo de trabalho do projeto incluiu a cobrança do Imposto Seletivo (IS) para jogos de azar (inclusive as bets) e carros elétricos. Por outro lado, os caminhões foram retirados da lista.

Apelidado de “imposto do pecado”, o IS foi criado na reforma tributária para coibir comportamentos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

O deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE) explicou que todos os jogos de azar, chamados no parecer de concursos de prognósticos, terão que pagar o imposto do pecado. “Jogos físicos e virtuais”, disse.

Permaneceram na lista de produtos a serem tributados pelo IS veículos (exceto caminhões), bebidas, cigarros, minérios, bebidas alcoólicas e açucaradas.

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) explicou que a decisão de retirar os caminhões da lista está associada ao fato de que o Brasil é um país essencialmente rodoviário. “Atividade produtiva, gente. O Brasil é um país rodoviário, 85%”, disse. Ele evitou responder a razão de carros elétricos passarem a ser tributados enquanto caminhões movidos a combustíveis fósseis ficam sem a cobrança.

O primeiro a sugerir a cobrança das bets pelo imposto do pecado foi o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi. Ele propôs ao Ministério da Fazenda a taxação das bets com o IS para garantir a ampliação da lista de produtos da cesta básica nacional com zero de imposto.

As armas não foram incluídas na cobrança do IS. Na quarta (3), o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), que é membro do grupo de trabalho, afirmou que essa possibilidade estava em discussão pelo colegiado. No ano passado, quando a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma foi analisada no plenário da Câmara, deputados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, conseguiram derrubar essa cobrança.

A pauta armamentista é defendida por aliados de Bolsonaro e teve grande projeção durante a gestão do ex-presidente. O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), também do grupo, se reuniu na quarta com Bolsonaro e com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, para discutir as mudanças no parecer.

Reginaldo Lopes citou esse destaque que derrubou do texto da PEC e afirmou que, diante disso, o grupo avaliou que esse é um debate “que cabe ao colégio de líderes”.

Os alimentos açucarados, que inclui os refrigerantes, por sua vez, foram mantidos na lista dos produtos que terão cobrança de IS, apesar de pressão do setor para reverter esse item.

Relatório da reforma tributária aumenta desconto para setor imobiliário e construção civil

O parecer do projeto de regulamentação da reforma tributária reduziu a tributação para o setor imobiliário e para a construção civil. O desconto nas alíquotas dos dois novos impostos da reforma ficou em 40% para operações com bens imóveis e em 60% para operações com aluguéis.

O projeto de regulamentação da PEC havia oferecido um desconto de 20% na alíquota geral do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), dos estados e municípios, e da CBS, do governo federal.

Para o setor, no entanto, o projeto acabou elevando a carga de impostos para imóveis em geral, chegando a dobrá-la. Pelos cálculos da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil), seria necessário um desconto de 60% para manter uma carga próxima da atual.

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Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Reportagem da Folha mostrou a preocupação de representantes do setor sobre o risco de disparada de preços se projeto não sofresse ajustes.

O deputado Reginaldo Lopes , informou que a construção civil foi incluída como atividade no regime específico das operações com bens móveis. O parecer do grupo de trabalho foi divulgado nesta quinta-feira (4).

Além disso, o parecer determinou que a base de cálculo dos impostos será o valor da operação e não o valor de referência. O relatório do grupo de trabalho incluiu o valor de R$ 30 mil no redutor social para a aquisição de lotes residencial.

O projeto original previa apenas um redutor de R$ 100 mil para o imóvel residencial novo. O redutor será corrigido pelo IPCA, uma mudança introduzida no parecer.

Para bares e restaurantes, além das gorjetas, também poderão ser excluídas da base de cálculo dos tributos as taxas cobradas por serviços de entrega, o chamado delivery. Estabelecimentos que fornecem alimentação para empresas jurídicas também poderão aderir ao regime não cumulativo, gerando créditos para quem adquire.

O relatório do grupo de trabalho também detalhou no texto as regras do “split payment”. O instrumento é uma das principais apostas do governo para reduzir a sonegação.

O sistema vincula o pagamento do tributo ao documento fiscal e à liquidação financeira da transação comercial, segregando automaticamente o valor do tributo e o da operação em si.

A reforma prevê, como princípio, que o adquirente só terá direito ao crédito relativo ao tributo recolhido sobre os insumos se o fornecedor efetivamente realizar o pagamento. Mas havia o temor de que esse formato poderia converter os contribuintes em fiscais uns dos outros, sobretudo se o split payment não entrar em operação.

Os deputados alteraram o texto para deixar claro que o governo só poderá condicionar o crédito ao pagamento do tributo se houver ao menos uma das modalidades de split payment.

Essa já era uma previsão da emenda constitucional que foi explicitada no projeto de lei da regulamentação, segundo técnicos. Sem isso, a condição seria obrigatória.

“Não é correto simplesmente transferir o ônus da inadimplência ao contribuinte. Nesse sentido, garantimos que essa obrigação somente será implementada caso existam mecanismos para garantir que o IBS e a CBS sejam recolhidos a partir do pagamento pelo bem e serviço, com o uso do split payment automático ou manual”, diz o relatório do grupo.

O primeiro deles é o “split inteligente”, no qual o meio de pagamento deve consultar o sistema da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS para verificar quanto do imposto já foi pago mediante compensação de créditos do fornecedor e recolher apenas a diferença restante.

Caso a consulta não possa ser efetuada por qualquer motivo, o contribuinte deverá recolher o tributo total que incidiria na operação, e caberá aos fiscos verificar o recolhimento e devolver o excedente ao fornecedor em até três dias úteis. O fisco não pode reter o excedente para abater outros débitos que não sejam IBS ou CBS.

Já o “split simplificado” valerá em situações de venda no varejo para não contribuintes dos dois tributos (por exemplo, pessoas físicas). Nesse regime, o vendedor recolhe, no ato do pagamento, um percentual fixo de IBS e CBS em cada operação, e o acerto de eventuais diferenças é feito posteriormente.

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Foto: Reprodução Adobe Stock

O sistema é opcional ao fornecedor. A alíquota de retenção será definida em conjunto pela Receita Federal e o Comitê Gestor e pode ser diferenciada por setor econômico e por sujeito passivo, com base no histórico da margem das operações.

O terceiro modelo é o “split manual”, reservado para os pagamentos fora do sistema financeiro (por exemplo, com dinheiro em espécie). Neste caso, o adquirente pode optar por destinar a parcela do IBS e da CBS diretamente para o fisco.

“Em qualquer caso, os meios de pagamento são responsáveis apenas pelo recolhimento, não sendo responsáveis tributários em caso de inadimplência ou incorreção das informações prestadas pelo fornecedor ou pelos fiscos”, diz o parecer.

O relatório determinou também que as companhias aéreas regionais só serão beneficiadas pela alíquota diferenciada dos impostos da reforma se fornecerem até 600 assentos diários, contando os voos de ida e de volta. Uma medida para estimular os voos regionais para regionais mais distantes e menos atrativas comercialmente, como a Amazônia.

Relatório cria nanoempreendedor, informais que ficarão isentos do IVA

O grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara dos Deputados propôs a criação da figura do “nanoempreendedor”, pessoa física não formalizada com faturamento de até R$ 40,5 mil por ano. A categoria será isenta do recolhimento dos novos tributos e poderá continuar na informalidade, respeitado o limite de valor.

A medida tem potencial para alcançar revendedores de produtos de catálogo, motoristas de aplicativo e entregadores. Ela consta no relatório divulgado pelos parlamentares nesta quinta-feira (4).

Sem a mudança, a visão é de que todas as pessoas que atuam nas plataformas ou como revendedoras precisariam se formalizar, mesmo que as vendas ou a prestação de serviços sejam esporádicas ou fonte de complementação de renda da família.

Empresas como Avon, Natura, iFood e Uber, entre outras, exigiriam o CNPJ do vendedor ou do prestador de serviço, ou vetariam sua entrada nos negócios para não correrem o risco de serem responsabilizadas pelo recolhimento do tributo.

O artigo incluído pelos parlamentares assegura o direito dos nanoempreendedores de permanecerem na informalidade, mesmo que façam vendas mensais. O argumento é que normalmente esses indivíduos começam suas atividades em pequena escala.

Se o faturamento passar dos R$ 40,5 mil anuais, aí sim será exigida a formalização, que poderá ser feita na forma de inscrição como MEI (microempreendedor individual) -com recolhimento de R$ 3 ao regime do IBS e da CBS, além da contribuição previdenciária- ou conforme a nova regulamentação dos aplicativos em discussão no Congresso Nacional.

O limite de faturamento do MEI é de R$ 81 mil por ano.

“Tem uma empreendedora, a ampla maioria são mulheres, que comercializa de porta em porta. Nós achamos que nós precisamos trazer para a formalidade, para o mundo do empreendimento, que possa ter crédito sem contribuição. Hoje, se eles forem MEI, vão pagar R$ 70, se forem nanoempreendedor, vão pagar depois que eles passarem do faturamento de R$ 40,5 mil”, disse o deputado Reginaldo Lopes.

O valor foi decidido para ser metade do limite do MEI. (Victoria Azevedo, Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli)

Lula pede regime de urgência, e tributária será votada direto no plenário

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou nesta quinta-feira (4) uma mensagem ao Congresso Nacional solicitando o regime de urgência ao projeto de lei complementar que trata da regulamentação da reforma tributária.

A medida, na prática, acelera a tramitação da matéria. Isso porque os deputados irão discutir o mérito da proposta direto em plenário, sem antes ter que aprovar um requerimento de urgência, como estava previsto para ocorrer.

Segundo a Folha de S.Paulo apurou, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou a interlocutores que isso significa que o texto será votado direto em plenário. Ele também disse a interlocutores que foi avisado pelo governo sobre a solicitação do regime de urgência.

O grupo de trabalho que analisa o projeto de lei complementar apresentou nesta quinta-feira (4) o relatório com mudanças propostas ao texto enviado pelo Executivo. A expectativa é que ele seja levado ao plenário da Câmara na próxima semana.

Mais cedo, deputados do grupo afirmaram em coletiva de imprensa que seria necessário votar um requerimento de urgência e que isso deveria ocorrer na próxima terça-feira (9). (Adriana Fernandes e Victoria Azevedo)

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