Legislação

Operação de 2.645 sites ilegais é viabilizada por cinco startups de finanças

As bets analisadas estão fora das listas do Ministério da Fazenda com as empresas autorizadas a operar até o fim deste ano
Operação de 2.645 sites ilegais é viabilizada por cinco startups de finanças
A divisão entre instituições financeiras e sistemas de pagamento é utilizada para terceirizar as responsabilidades nas apostas esportivas digitais | Crédito: Bruno Peres / Agência Brasil

Brasília – Cinco instituições financeiras e dez sistemas de pagamento possibilitam o funcionamento de 2.645 sites ilegais de apostas. Todas as bets analisadas estão fora das listas do Ministério da Fazenda com as empresas autorizadas a operar até o fim de 2024 e dos portais derrubados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) após pedidos da pasta.

A instituição que mais aparece realizando os serviços é a Celcoin, com 1.075 sites. Em seguida vem a Voluti, com 835, Fitbank, com 362, Microcash, com 224, e Iugu, com 146. As cinco são startups de finanças, que se definem como plataformas para serviços financeiros. Não são classificadas como instituições bancárias porque as regras do Banco Central (BC) para chegar a esse patamar são mais rígidas. Voluti, Microcash e Fitbank informaram que não trabalham com sites de apostas, mas sim com sistemas de pagamentos que são contratados pelas bets.

Todas as cinco companhias afirmaram que seguem as normas do governo federal. Também disseram que, após a publicação do rol de mais de 2 mil sites proibidos de operar pelo Ministério da Fazenda, entraram em contato com os sistemas de pagamento parceiros para solicitar o fim da relação com sites incluídos na lista.

No dia 31 de outubro, a Fazenda enviou à Anatel nova lista de sites de aposta sem autorização com 1.443 domínios a serem bloqueados. Até o fechamento desta reportagem, os sites analisados continuavam funcionando.

Já os dez sistemas que mais apareceram como intermediários de bets ilegais são Ako Pago (292), Onepay (268), Zam Pago (266), ABC Tech (205), Golden Pig (198), Luckgame (177), HKPay (159), Zalka (138), Logame do Brasil (125) e New Pay (116).

Dos dez, oito tem cinco meses ou menos de existência. As exceções são a Onepay e a New Pay. Nenhum dos sistemas de pagamento respondeu aos questionamentos da reportagem.

O caminho entre o dinheiro do apostador e a empresa de apostas (ou vice-versa, em caso de acerto) é tortuoso. Existe no mínimo uma dezena de empresas além da bet nesse trajeto, como o desenvolvedor do jogo e a plataforma onde ele está hospedado. Entre essas empresas estão os sistemas de pagamentos, intermediários entre as instituições financeiras e os sites de aposta.

O levantamento das instituições financeiras e sistemas de pagamentos que atuam para bets ilegais foi realizado pela Associação Brasileira dos Operadores e Provedores Internacionais de Jogos (Abrajogo) e partiu de publicações em redes sociais de influenciadores divulgando os domínios na internet.

A partir daí, simulou-se uma transferência para cada site, o que possibilitou saber o banco de destino e o arranjo de pagamento que servia de intermediário. Além das cinco instituições financeiras que realizam operações com bets ilegais, há outras 19 que também adotam a prática em menor escala.

Um monitoramento contínuo da rede é feito para encontrar novos casos, acrescentaram. O Ministério da Fazenda não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a situação.
Para as associações do setor, é essencial atacar a infraestrutura financeira que permite aos sites de aposta ilegais lucrarem no Brasil.

“A parte financeira é a única forma de materializar a atividade delas no Brasil. Todo o sistema eles conseguem colocar lá fora, mas para pegar o dinheiro, eles precisam de instituições locais e é esse ponto que precisamos atacar. Não adianta bloquear os sites, tem que criar mecanismos de bloqueio de acesso ao dinheiro”, resumiu André Lins, diretor jurídico da Associação em Defesa dos Jogos e Apostas (Adeja).

Para ele, a divisão entre instituições financeiras e sistemas de pagamento serve para terceirizar responsabilidades. “Eles criam esses mecanismos para que, quando cheguem em um deles, possam dizer que sua parte é só gerar o Pix. O outro diz que é só receber o Pix. Nós temos que criminalizar o recebimento de pix por empresa não autorizada”, explicou.

O presidente da Abrajogo, Witoldo Hendrich Junior, elenca três frentes para o combate aos sites ilegais. “O combate ao pagamento é o mais importante, o governo tem que ir em cima dos bancos e dos métodos de pagamento. Na sequência, tem a mídia que divulga, os influenciadores. O domínio [na internet] é o último e o menos importante, (porque) em 30 minutos (após ser derrubado) o site ilegal cria um outro”, explicou.

Controle do vício vai ficar por conta do apostador em 2025

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) empurra a apostadores a responsabilidade de controlar o vício em apostas esportivas on-line ao incluir na regulamentação do mercado de bets uma série de regras sobre “jogo responsável” que dependem sobretudo de ações individuais.

Essa avaliação foi feita por especialistas em saúde mental ouvidos e observada na prática pela reportagem, que se inscreveu em 146 sites de apostas autorizados a operar até o fim do ano pelo Ministério da Fazenda. A nova legislação está prevista para entrar em vigor a partir de janeiro de 2025.

De acordo com a Fazenda, o normativo estabelece que o agente operador tem o dever de garantir que a prestação de serviço vai proteger a saúde mental e financeira dos apostadores e que, adicionalmente, as bets são obrigadas a ofertar meios de autocontrole aos apostadores.
A pasta vê a existência de uma regulação em si para o jogo responsável como relevante e diz que o cumprimento das obrigações será monitorado de forma contínua pela Secretaria de Prêmios e Apostas por meio do Sistema de Gestão de Apostas (Sigap).

Segundo relato de um membro do governo, o desenho da regulamentação levou em conta a experiência de outros países, como Inglaterra e Itália, que mostrou que a imposição de limites mais objetivos por parte do regulador, seja de tempo ou de volume financeiro, acaba gerando distorção no setor devido à diversidade do perfil etário e socioeconômico dos apostadores.

Conforme portaria publicada em 31 de julho, a empresa deve informar ao apostador, no momento do cadastro e do acesso ao sistema, os “riscos de dependência, de transtornos do jogo patológico e de perda dos valores das apostas”.

Também deve possibilitar que os apostadores adotem, entre outras medidas, limites por tempo transcorrido, perda financeira, valor depositado ou quantidade de apostas, façam períodos de pausas, solicitem “autoexclusão” (por prazo determinado ou em definitivo).

A norma diz ainda que deve estar disponível aos apostadores “de forma clara e acessível” o oferecimento de um questionário de autoavaliação sobre riscos associados às apostas, além da indicação de “sinais de alerta” para autovigilância quanto ao risco de dependência e de transtornos do jogo patológico.

Para Hermano Tavares, psiquiatra e coordenador do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria da USP, a discussão sobre jogo responsável é baseada no que ele chama de “falácia” da decisão informada. ”Depois que o apostador foi avisado da improbabilidade do ganho financeiro, seguir jogando é responsabilidade exclusiva dele. Além de falso, isso não vai funcionar com quem já é compulsivo”, avalia.

Reportagem distribuída pela Folhapress

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