Senado regulamenta bets e muda mercado de apostas no País

Depois de diferentes projetos tramitarem ao longo dos anos e idas e vindas pelas comissões nas duas casas do Congresso Nacional, finalmente o Senado Federal aprovou o projeto de lei de regulamentação das apostas esportivas (PL 3626/2023), o que deve mexer substancialmente com as apostas de quota fixa, as chamadas “bets”.
O projeto, que foi modificado no Senado, agora retorna à Câmara dos Deputados, mas não deve sofrer grandes alterações. O primeiro ponto que chama a atenção no texto aprovado é a tributação das empresas e dos prêmios pagos. Ele também estabelece normas para a publicidade das bets.
A proposta aprovada pelos senadores reduziu para 12% a carga tributária sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), ou seja, a receita bruta das empresas do setor obtida com os jogos, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores. A redação aprovada pela Câmara previa 18%.
Já os apostadores terão isenção tributária quando o prêmio obtido for de até R$ 2.112, correspondente à primeira faixa do Imposto de Renda. Acima desse valor, a alíquota será de 15%. Antes, a taxa seria de 30%.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
A aprovação final do projeto é ansiosamente esperada pelo Ministério da Fazenda com vistas a cumprir a meta de déficit zero no próximo ano. Estimativa do Executivo enviada no projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê um impacto de R$ 1,65 bilhão apenas em 2024 com essa proposta, entre impostos e taxas.
Os senadores mantiveram em cinco anos o prazo de autorização do Ministério da Fazenda ao agente operador de apostas, podendo ser revista a qualquer tempo. Será cobrado um valor de até R$ 30 milhões, a ser pago em até 30 dias, a título de outorga para as bets que queiram atuar no mercado de apostas do Brasil. A expectativa é que com apenas com esse registro sejam arrecadados cerca de R$ 4 bilhões pelo governo. Segundo o relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), 134 empresas já efetuaram o pedido de outorga.
Após a votação do texto-base, foram aprovadas pela oposição duas emendas que alteraram pontos específicos do projeto. O primeiro retirou a regulamentação dos jogos de azar, chamados de cassinos on-line. O segundo proibiu a instalação de máquinas caça-níqueis no Brasil.
Para o presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Wesley Cardia, a aprovação pelo Senado deve ser comemorada, mas a Câmara ainda pode melhorar o texto retornando com os jogos on-line.
“Foi extremamente positiva a aprovação do PL 3626/2023 no Senado. A casa se mostrou muito mais realista do que o Ministério da Fazenda e a Câmara dos Deputados. Se tivesse sido mantida a alíquota de 18% a maioria das empresas não teria condições de manter os negócios no Brasil porque o total, somando-se os demais impostos (PIS, Cofins, ISS), chegaria a cerca de 34%. Com a alíquota de 12%, o total vai ficar na casa dos 25%. A falha ficou por conta da exclusão dos jogos on-line da regulação. Com isso deixaram de fora 80% do mercado, mas, ainda assim, a regulamentação era uma urgência para o setor. Se não existe uma regra, cada um faz o que quer e as oportunidades para a má fé crescem”, avalia Cardia.
Legislação deve concentrar mercado de apostas reduzindo número de bets no Brasil
Ao longo da tramitação, uma das questões mais discutidas foi a possibilidade de uma debandada das empresas de apostas do País e uma consequente concentração de mercado. Segundo um estudo publicado pela Hand – assessoria independente e especializada em fusões e aquisições e na gestão de empresas -, publicado em outubro, o País possui cerca de 500 empresas de apostas esportivas em atividade, um crescimento de 160% em relação ao ano anterior, porém somente 15% delas terão capital suficiente para continuar suas operações.
O setor no Brasil tem crescido a taxas muito superiores à média global. Segundo o sócio da área de M&A da Hand, José Venâncio, o mercado bet global tem crescido a taxas próximas a 10% ao ano. Já em terras brasileiras, as taxas são superiores a 90%. A projeção é que o País seja responsável por 20% do faturamento mundial já em 2024.
O mercado brasileiro movimentou mais de R$ 7 bilhões, em 2020, de acordo com o BNL Data. A estimativa é de que em 2023 esse total bata os R$ 12 bilhões. No mundo, segundo relatórios da Grand View Research, o mercado de apostas valerá US$ 153,6 bilhões em 2030.
A tendência, para o especialista, é que os maiores players do mercado se mantenham e que novos investidores entrem em cena. “A regulação aproxima o setor bet do mercado de capitais e cria um ambiente atrativo para fundos de private equity e grandes empresas globais, especialmente as listadas em bolsas. Além disso, as empresas que não contam com a estrutura ou o capital necessário para aderir à legalização podem ser absorvidas por concorrentes, o que contribui para a consolidação do mercado brasileiro das bets”, afirma Venâncio.
A concentração do mercado deve respingar negativamente em outros setores como o publicitário e no patrocínio de eventos esportivos e equipes de diferentes modalidades esportivas.
“Até aqui o que não era pago em impostos era revertido para a publicidade. As bets estavam em busca de ganhar mercado e consolidar as marcas. Com a redução do número de players também cairá o volume de investimento. Os clubes de futebol deverão sentir esse efeito com bastante força”, pontua o presidente da ANJL.
Bets devem garantir a integridade das apostas
Os eventos esportivos que forem objeto das bets contarão com ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção nos eventos ao vivo, sendo nulas as apostas comprovadamente realizadas mediante manipulação de resultados e corrupção.
Os recursos dos apostadores não poderão ser dados em garantia de débitos assumidos pela operadora das apostas e o agente operador deverá adotar procedimentos de identificação que permitam verificar a validade da identidade dos apostadores.

Para a procuradora do Estado de Minas Gerais, Daniela Victor de Souza Melo, a proteção ao consumidor, foi uma grande preocupação do legislador, não só no que se refere às garantias para recebimento do prêmio, como ainda à extensão expressa aos apostadores de todos os direitos assegurados pelo Código do Consumidor.
“A proposta poderia ter avançado no estabelecimento de uma alíquota maior de Imposto de Renda (IR) sobre o prêmio. Inicialmente proposta uma alíquota de 30%, mediante desconto na fonte, sobre o montante que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do IR, tal como ocorre com os prêmios de loteria, essa alíquota foi alterada para 15%. Este é o tipo de ganho que merece ser tributado mais pesadamente, não só por se tratar de uma atividade supérflua e até mesmo nociva à saúde, como ainda por denotar capacidade econômica significativa. Houve rejeição de uma emenda que pretendia aumentar essa alíquota para 35%, sob o argumento de que esta carga tributária poderia canalizar as apostas para o mercado ilegal e, por conseguinte, reduzir a arrecadação. Ora, isso se combate com fiscalização adequada, e não com tributação baixa”, analisa Daniela Melo.
Menores de idade, pessoa com influência significativa ou funcionário da empresa operadora das apostas, agente público com atribuições diretamente relacionadas à regulação e à fiscalização da atividade, pessoa que tenha ou possa ter acesso aos sistemas informatizados de loteria da aposta, e qualquer pessoa que tenha ou possa ter influência no resultado do evento objeto de loteria, como atletas e demais participantes, serão impedidos de apostar.
O projeto instituiu vários dispositivos que preveem mecanismos de detecção e denúncia de operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo, impondo, inclusive, sanções aos agentes operadores que não comunicarem atividades suspeitas às autoridades competentes.
Para que exista efetividade, porém, é preciso uma fiscalização eficiente e constante. “Como envolve uma série de competências fiscalizatórias, a fiscalização é compartilhada entre Ministério da Fazenda, a quem compete conceder as outorgas e autorizar a atividade; Ministério Público (Federal e Estaduais), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Banco Central, Instituições Financeiras, Receita Federal, entre outras instituições. Essa rede reforça o controle e a fiscalização, dando ampla segurança à sociedade e aos consumidores, de um lado, e permitindo a punição severa dos infratores, de outro. O Brasil tem instituições muito fortes e que exercem seu papel com grande seriedade. Então, com a nova lei nosso País estará mais do que preparado para combater as atividades ilícitas, irresponsáveis e criminosas eventualmente praticadas no mercado das apostas esportivas”, completa a procuradora do Estado de Minas Gerais.
Ouça a rádio de Minas