Supremo começa a julgar constitucionalidade da transferência de concessões sem licitação
Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar na última quinta-feira a constitucionalidade da transferência de concessões e permissões para exploração de serviços públicos sem nova licitação. A ação foi protocolada na Corte em 2003 pelo então procurador-geral da República Cláudio Fonteles.
A questão envolve o artigo 27 da Lei 8.987/1995 e a interpretação de que, conforme a Constituição, seria necessária a realização de nova licitação quando ocorre a mudança de controle societário e transferência da concessão para outra empresa que não venceu a concorrência inicial.
Ao julgar o caso, o relator, ministro Dias Toffoli, entendeu que a licitação é exigida na autorização de outorga inicial e continua válida quando ocorre a transferência. “Não se constata burla à exigência constitucional de prévia licitação para a concessão de serviços públicos, constante do artigo 175 da Constituição Federal, a qual é devidamente atendida com o certame levado a cabo para sua outorga inicial e cujos efeitos jurídicos são observados e preservados no ato de transferência mediante a anuência administrativa’, afirmou.
Os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques seguiram o relator. Em seguida, o julgamento foi suspenso e será remarcado.
O dispositivo determina que a transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. A PGR alega afronta ao dever de licitar (artigo 175 da Constituição Federal) e sustenta que a norma discrepa do regime jurídico estabelecido na própria Lei Geral das Concessões, que prevê, no artigo 26, a obrigatoriedade de licitação prévia para a subconcessão de serviços públicos.
Na sessão de quinta-feira, o procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se pela procedência parcial do pedido, a fim de possibilitar a transferência da concessão como medida excepcional devidamente justificada, fundada em motivos idôneos que demonstrem a incapacidade do concessionário de manter a prestação do serviço. Segundo a PGR, a substituição deve ser precedida de oferta pública, permitindo que interessados em assumir o contrato se habilitem para disputar seleção simplificada, respeitada a impessoalidade.
Coletividade – O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, defendeu a validade da norma, que, a seu ver, garante a proteção dos interesses da coletividade, o direito dos usuários, a manutenção adequada dos serviços públicos e o respeito a todas as cláusulas pactuadas no processo licitatório original. Para a AGU, uma eventual declaração de inconstitucionalidade do artigo traria “impactos catastróficos” a alguns setores, como o da infraestrutura.
Também defenderam a constitucionalidade da norma a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) e a Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).
Para Dias Toffoli, o artigo 27 da Lei 8.987/1995 é constitucional. Segundo ele, o que interessa, para a administração pública, é a proposta mais vantajosa, e não a identidade do contratado. Toffoli ressaltou que é necessário zelar pela continuidade da prestação adequada dos serviços públicos, e a modificação do contratado não implica automaticamente burla à regra da obrigatoriedade de licitação ou ofensa aos princípios constitucionais correlatos.
Toffoli considera possível a transferência contratual a terceiros, pois, em regra geral, as características pessoais, subjetivas ou psicológicas do contratado são indiferentes para o Estado. No caso do particular, basta que a pessoa seja idônea, ou seja, comprove a capacidade para cumprir as obrigações assumidas no contrato, o que é aferido por critérios objetivos e preestabelecidos. Além disso, o princípio constitucional da impessoalidade veda que a administração “tenha preferência por esse ou aquele particular”.
O relator salientou que uma das peculiaridades dos contratos de concessões públicas é que são dinâmicos, e seu regime jurídico autoriza ajustes, a fim de permitir a continuidade e a prestação satisfatórias. Segundo ele, as transferências devem ser utilizadas quando as concessionárias não tiverem condições de permanecer no contrato. (ABr, com informações do STF)
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