Legislação

PL da Tarifa Zero em BH será votado em meio a intenso debate de prós e contras

Enquanto estudiosos de universidades federais defendem benefícios socioeconômicos, entidades pedem que vereadores rejeitem proposta
PL da Tarifa Zero em BH será votado em meio a intenso debate de prós e contras
Se aprovada, Tarifa Zero seria adotada gradativamente em até quatro anos. | Foto: Divulgação/ PBH

A proposta de adoção de gratuidade no transporte público por ônibus em Belo Horizonte será votada em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) nesta sexta-feira (3) em meio a um intenso debate sobre os impactos econômicos e sociais da medida.

Apenas dois dias antes da ida do Projeto de Lei (PL) 60/2025 a plenário, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) alertou para um possível prejuízo bilionário com perda de empregos, decorrente do PL, e foi questionada por um grupo de doutores de universidades federais, que propuseram um novo estudo sobre os efeitos positivos e redistributivos da medida.

Nesta quinta-feira (2), a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) e a Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas) ressaltaram a importância da discussão, mas destacaram a necessidade de que estudos técnicos mais aprofundados sejam realizados sobre o tema. A CDL/BH enviou ofício ao Legislativo pedindo aos vereadores que rejeitem a proposta “no formato atual”.

Para Fiemg, gratuidade causaria prejuízo bilionário e perda de empregos

Após a Gerência de Economia e Finanças Empresariais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) ter divulgado um estudo, na quarta-feira (1º), em que alertava que a medida poderá causar prejuízo de R$ 3,1 bilhões no faturamento das empresas, com perda de 55 mil empregos, um grupo de mais de 30 especialistas e pesquisadores (veja lista abaixo), incluindo mestres e doutores em áreas como Economia, Arquitetura e Urbanismo e Política Pública de nove universidades federais, publicou uma resposta à pesquisa da federação, na quinta-feira (2).

No texto, afirma-se que o material parte “de premissas equivocadas ou negligencia aspectos fundamentais do tema debatido, produzindo conclusões desconectadas da realidade”. Segundo os estudiosos, a pesquisa da Fiemg confunde aumento de demanda com aumento proporcional de custos, uma vez que, em sistemas de Tarifa Zero, a ocupação da capacidade ociosa aumenta a demanda sem elevar os custos na mesma proporção; omite o custo atual com vale-transporte, pois as empresas já arcam com esses gastos, que seriam reduzidos para menos da metade; e omite efeitos positivos na economia.

Novo estudo da UFMG é lançado com base em dados do IBGE

Juntamente com a resposta à Fiemg, estudiosos favoráveis à Tarifa Zero publicaram uma nova nota técnica, assinada pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo analisa os potenciais impactos socioeconômicos da adoção da gratuidade com base nos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017/2018), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Conforme os economistas da UFMG que assinam o estudo, a POF permite “visualizar o perfil socioeconômico dos usuários de ônibus”, bem como o dispêndio mensal para o mês, que fica em 19% da renda familiar em Belo Horizonte. A partir desse fator, o texto defende que a gratuidade no transporte público teria efeito redistributivo, beneficiando proporcionalmente mais os domicílios em situação de vulnerabilidade, com destaque para aqueles que dependem mais do serviço.

Por fim, ainda afirmam que, ao reduzir o peso do gasto com deslocamento, os usuários redirecionariam recursos para consumo, saúde, educação e lazer, estimulando a economia, gerando empregos e reduzindo desigualdades.

CDL/BH pede que vereadores rejeitem projeto de lei

No mesmo dia em que o mais recente estudo da UFMG foi lançado, novos posicionamentos sobre a Tarifa Zero foram divulgados. A Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) afirmou que o projeto de lei precisa de análise mais aprofundada, com projeções dos custos, cálculos de viabilidade e consideração de reflexos jurídicos e econômicos.

“O projeto de lei não enfrenta todos esses desafios e, por isso, pode ser insuficiente. É necessário avaliar com cuidado os dados apresentados, realizar os cálculos de viabilidade e considerar todos os impactos jurídicos e econômicos”, declarou o presidente da CDL/BH, Marcelo de Souza e Silva.

Segundo ele, a entidade reconhece a importância das discussões sobre o transporte público e valoriza a mobilização da sociedade para colocar em evidência a pauta da mobilidade urbana, fundamental para o desenvolvimento da nossa cidade.

Apesar disso, entende que, ao propor vincular o custeio do sistema de transporte ao número de empregados, propondo uma substituição ao sistema de vale-transporte, de forma que irá onerar o contratante, o PL não deve ser aprovado. Por isso, a entidade enviou ofício aos vereadores pedindo a rejeição da medida “no formato atual”.

“Aumentar a carga tributária das empresas pode desestimular negócios a se instalarem na cidade, afetando a atração de investimentos, a geração de empregos e o desenvolvimento econômico local. Antes de decidir quem paga a conta, é preciso discutir como melhorar o sistema: mais integração com a Região Metropolitana, menos atrasos, mais segurança, modernização da frota e transparência na gestão. Só assim teremos soluções equilibradas, sustentáveis e que realmente atendam à população”, disse Souza e Silva.

ACMinas se posiciona contra aprovação “precipitada” do PL

A Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas) também divulgou nota nesta quinta-feira (2) manifestando preocupação com a proposta de gratuidade no transporte coletivo da Capital. De acordo com a entidade, “da forma como está estruturado”, o PL “carece de estudos técnicos consistentes, previsibilidade orçamentária e um modelo de financiamento sustentável”.

Além disso, conforme a associação, a proposta não garante investimentos em infraestrutura, renovação de frota e integração metropolitana, “colocando em risco a viabilidade do metrô e o equilíbrio do sistema de ônibus”. Por isso, a ACMinas defendeu que o debate está no rumo errado, visto que nem se fala de Emissão Zero.

“Com minha experiência de mais de 60 anos no setor, posso afirmar que o caminho é a Emissão Zero. Precisamos substituir a frota atual por ônibus de zero emissão de gases poluentes, para evitar doenças graves, inclusive cancerígenas, provocadas pelo ar que respiramos. Esse, sim, deve ser o foco de uma política pública moderna e responsável”, declarou o presidente da ACMinas, Cledornivo Belini.

Por fim, a entidade pontuou que é necessário que haja um debate aprofundado e responsável, que busque alternativas que garantam eficiência, integração e sustentabilidade do transporte coletivo em Belo Horizonte.

Veja nomes dos pesquisadores que assinam nota contra estudo da Fiemg

  • Ana Maria Barbour – jornalista, historiadora e doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/USP;
  • Aidan Rossi – mestrando em Economia (USP) na área de Economia Urbana;
  • André Doca Prado – doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), mestre em Políticas Públicas (UFRGS), economista (UNICAMP) – membro do Instituto Economias e Planejamento;
  • André Veloso – doutor em economia pela UFMG e pesquisador de mobilidade urbana;
  • Clareana Cunha – socióloga, cientista política, pós-graduanda em Mobilidade e Cidades Sustentáveis pela Escola da Cidade, atua no Instituto Polis;
  • Cleo Manhas – doutora em Educação pela PUC SP, atua no Instituto de Estudos Socioeconômicos;
  • Cristiane Costa Gonçalves – engenheira da Mobilidade (Unifei), mestra em Transportes (UFMG);
  • Daniel Caribé – doutor em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA e membro do Observatório da Mobilidade de Salvador;
  • Daniel Santini – mestre e doutorando pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e coordenador na Fundação Rosa Luxemburgo;
  • Daniela Pereira Almeida – doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFV;
  • Daniele Batista Brandt – professora adjunta da Faculdade de Serviço Social da UERJ, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Espaço Urbano, Vida Cotidiana e Serviço Social (UrbanoSS) e doutora em Serviço Social (PPGSS/UERJ);
  • Giancarlo Gama – mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford, especialista no financiamento da Tarifa Zero;
  • Gustavo Serafim – doutorando em Ciência Política (UnB) e pesquisa Tarifa Zero, mobilidade urbana e Estado;
  • Heloant Abreu Silva de Souza – doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Exercício e do Esporte (UERJ); pesquisadora no Laboratório de Vida Ativa – LaVA/UERJ, mestre em Engenharia Urbana (UFRJ);
  • João Lucas Campos – mestrando em Ciência Política (UnB);
  • Letícia Birchal Domingues – professora do Instituto de Ciência Política da UnB e doutora em Ciências Políticas pela UFMG;
  • Marcela Antonieta Souza da Silva – mestranda em Ciência Política (UnB);
  • Marcos Fontoura de Oliveira – engenheiro civil (UFMG) em pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Lisboa;
  • Neiva Aparecida Pereira Lopes – doutoranda em Desenvolvimento Local (UNISUAM), mestre em Administração (Unihorizontes), engenheira química e engenheira (FOC) de Segurança do Trabalho (UFV), pesquisadora de Tarifa Zero;
  • Paique Duques Santarém – doutor em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Antropologia pela UnB;
  • Rafael Calabria – geógrafo (USP) e pesquisador de mobilidade urbana no BRCidades;
  • Ricardo Brandão de Oliveira – professor associado da UERJ e coordenador do Laboratório Vida Ativa;
  • Roberto Andrés – professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG e pesquisador de mobilidade urbana;
  • Thiago Von Zeidler Gomes – urbanista, doutorando em Planejamento e Gestão do Território (UFABC), pesquisador em mobilidade urbana;
  • Victor Henrique Calejon Santos – mestre em Geografia pela UFSC na área de Desenvolvimento Regional e Urbano e técnico em Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE;
  • Vitor Mihessen – economista (UFRJ), mestre em Economia (UFF), coordenador geral da Casa Fluminense;
  • Weslley Cantelmo – doutor em Economia (CEDEPLAR/UFMG) e diretor do Instituto Economias e Planejamento.
Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas