Antes de chegar ao STF, caso Usiminas teve bate-boca entre CSN e CVM

São Paulo – Em um memorando de 15 páginas assinado pelo presidente João Pedro Nascimento, a CVM explicou ao ministro do André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), sua visão sobre a disputa pela Usiminas, travada entre Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Ternium, do grupo ítalo-argentino Techint.
A autarquia manteve, como esperado, sua posição já manifestada em outros pareceres e em recursos: ao comprar as ações da VBC Energia e da Votorantim (27,66% do total), a Ternium não alienou o controle da Usiminas.
A CSN, acionista minoritária, insiste que a rival assumiu o controle de forma fraudulenta, em um acordo disfarçado com o Grupo Nippon (29,45% das ações). Segundo a siderúrgica, a Ternium violou a Lei das S/A ao não iniciar uma Oferta Pública de Ações (OPA).
Isso acontece quando há uma mudança no controlador de empresa de capital aberto. O comprador deve fazer, neste caso, uma oferta pelas ações dos minoritários.
“É pacífico nos precedentes da CVM que a simples troca de um ou mais membros do bloco de controle, sem que tenha havido alienação de controle, não enseja a obrigatoriedade de realização de OPA”, escreveu a CVM ao STF.
Por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), a Associação de Comércio de Exterior do Brasil (AEB) pediu que o Supremo esclareça o entendimento legal para a questão da alienação de grupos de controle. Pede também que seja dado o que considera um “entendimento constitucional” ao caso. Isso significaria prevalecer a visão da CVM.
Sob o argumento da segurança jurídica, cinco outras entidades pediram para também acompanhar o caso.
Mendonça pediu que a CVM se manifestasse.
Antes disso, em relatórios anteriores pelos últimos 12 anos, a autarquia já havia tentado encerrar o assunto de vez por todas.
“Não há como prosperar a tese do recorrente”, escreveu o gerente de registros Gustavo Luchese Unfer, ao responder, em janeiro de 2017, a um recurso da CSN, que pedia que a autarquia mudasse sua posição.
No momento em que Unfer descartou os argumentos da CSN, tudo parecia favorável à Ternium. A CVM dava razão ao seu argumento da ausência de alienação de controle e o grupo havia vencido em todas as instâncias na justiça paulista.
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No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu vitória à CSN, que passou a ter direito a uma indenização de R$ 5 bilhões, acrescidos de juros. Um dos ministros disse a advogados envolvidos no caso que ali, no tribunal, a opinião da CVM não valia nada.
Muito antes do julgamento no STJ, o clima era hostil entre a autarquia e a siderúrgica que pedia a OPA.
Na análise das correspondências, a CVM aparenta desprezar os argumentos da CSN. Quando a empresa argumentou que a “caracterização do poder de controle prescinde de uma participação majoritária”, a resposta foi: “Tal argumento nem mereceria destaque.”
O tom de impaciência acontece porque, em três recursos diferentes, a siderúrgica acusou a comissão de ser omissa, de ter escrito memorandos viciados, de não ter não usado todo o seu poder para investigar os documentos e de ter ignorado o trabalho probatório feito pela companhia.
Diante de elementos apresentados que considera novos e que deveriam mudar o entendimento do caso, segundo a CSN, ela reclama que caberia à SRE [Superintendência de registro da CVM] investigar o caso “mais a fundo”. “Valer-se propriamente do seu poder de polícia como administração pública para buscar informações e documentos que não estariam acessíveis à CSN como ente privado.”
A empresa escreveu que o parecer inicial da SRE era “eivado de vícios” e se referiu a suposta “omissão da área técnica”, o que “já seria suficiente para que se anulasse seu parecer”.
Em um dos seus recursos, critica a SRE por não perceber que fatos analisados isoladamente, e não no contexto geral, fizeram com que a Ternium induzisse a autarquia a um erro técnico. E, por fim, dá um pito: “Mas não foi por falta de aviso”.
Nas respostas da CVM, o que parece ter causado maior irritação foi a CSN dizer que o órgão não respeitou a lei nº 9.784, que regula o processo administrativo federal.
“A SRE não apenas atropelou determinações expressas da Lei de Administrativo Federal, como incorreu em uma série de equívocos, desconsiderando, no relatório de análise, preciosos elementos de prova constantes dos autos”, conclui, sem antes acusar que a secretaria da CVM “faltou com a responsabilidade”.
Os técnicos da autarquia reclamam que a empresa insistiu sempre nos mesmos argumentos e deixou claro o descontentamento por ela querer determinar o que e como a CVM deveria proceder. Chama o recurso de “tempestivo” e que os comentários sobre a legislação estavam incorretos.
“Ao contrário do afirmado pela CSN, não é o ente privado quem determina quais medidas e providências devem ser tomadas pelo órgão administrativo () O processo de análise, definição de quais medidas serão tomadas, de quem será inquirido e de que forma. Cabe à CVM, não ao reclamante.”
Para deixar claro não ver nada de especial nas “provas” apresentadas pela empresa, diz que a problemática apresentada já havia sido objeto de dezenas de processos administrativos anteriores.
“Como já exaustivamente descrito () a SRE considerou não teses abstratas de direito, mas a realidade. Negar este fato é negar a realidade”, afirmou.
Para a CVM, como informado ao STF, está claro que ninguém exerce o controle isoladamente da Usiminas. Acredita que não há maioria acionária e que as decisões são tomadas em consenso. Cita substituição de diretor-presidente, votações do conselho de administração e novo acordo de acionistas para assegurar que seu parecer está correto.
Em todas as suas manifestações para a comissão, a CSN deixa claro considerar essa visão limitada e equivocada. Alega ter apresentado provas de que a Ternium exerce o comando da Usiminas graças a um acordo com o Grupo Nippon. Diz que a rival montou sua operação de maneira a parecer uma simples alteração de integrante de bloco de controle.
“Neste caso, o que se tem não é simulação. É fraude, fraude por simulação”, afirma, antes de partir de novo para o ataque.
Ao que o colegiado da CVM, por meio do voto do diretor relator Gustavo Borba, tentou dar um ponto final ao decretar que “a área técnica atuou de forma diligente” e “a tese da recorrente [CSN] não encontra substrato fático”.
CSN vê trecho favorável em parecer da Câmara sobre caso Usiminas
Em documento enviado ao STF na última terça-feira (19), a Câmara dos Deputados citou emenda aprovada em 2001 para dizer que alterações societárias estão em constante mudança e podem embutir “verdadeiras alienações de controle”, num trecho considerado favorável pela CSN na disputa societária da Usiminas.
A Advocacia da Câmara se manifestou a pedido do Supremo sobre o caso, que envolve uma briga entre a CSN e a Ternium, do grupo ítalo-argentino Techint, sobre o comando da siderúrgica.

Ao atender pedido do ministro André Mendonça, do STF, a Câmara apresentou histórico da legislação que regula as sociedades por ações. E citou a emenda NQ 44-S/00, que deu nova redação ao artigo 254-A da Lei das S/A. Este é cerne da disputa entre CSN e Ternium.
Na justificativa para a inclusão do dispositivo de alienação de controle na lei, a emenda de 2001 fala na necessidade “de se conferir maior segurança jurídica aos acionistas, em face das constantes reestruturações societárias que, em muitas ocasiões, trazem embutidas verdadeiras alienações de controle.”
A CSN vê neste trecho uma mensagem positiva à sua reivindicação de que a mudança no controle de uma empresa pode acontecer de maneira escamoteada, sem a necessidade de ter a maioria das ações com direito a voto. É exatamente o que eles dizem ter acontecido na Usiminas, argumentando que a Ternium obteve controle ao fazer um acordo disfarçado com o Grupo Nippon.
A Ternium contesta. Diz que essa visão não corresponde à realidade e se apoia em pareceres da CVM, que lhe dão razão. No quadro societário, a Ternium tem 27,66% das ações com direito a voto. O grupo Nippon possui 29,45%.
A CSN argumenta que, na prática, quem manda na Usiminas é a Ternium. Ela teria controle do conselho de administração, tomaria as decisões estratégicas da siderúrgica e escolheria o diretor-presidente.
Assegura ter acontecido uma fraude societária e acusa a Nippon de ter sido recompensada com contratos comerciais da própria Usiminas para aceitar o acordo. Para a CSN, é preciso olhar o cenário de maneira mais aberta porque a mudança de controle não se trata apenas de um número de ações mas sobre quem, de fato, exerce controle sobre a companhia.
A justificativa da emenda discutida no Congresso Nacional, enviada ao STF, já sinalizava isso, acredita a siderúrgica.

O artigo 254-A, incluído na Lei das S.A, fala sobre a alienação de controle, quando é alterado o ente que tem o comando sobre uma empresa. A redação da legislação passou a dizer, a partir de 2001, que essa mudança obrigaria o comprador a também fazer uma oferta pública aos acionistas minoritários com “preço no mínimo igual a 80% do valor por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.”
A CSN (dona de 12,9% dos papéis da Usiminas) alega que o acordo disfarçado entre Ternium e Nippon prejudicou os minoritários. Quando suas reclamações à CVM foram ignoradas, entrou na Justiça pedindo uma indenização. Perdeu em todas as instâncias em São Paulo, mas saiu vencedora no STJ, após embargos de declaração.
O tribunal concordou com a tese de que a Ternium alienou o controle da siderúrgica de maneira disfarçada e determinou uma indenização de R$ 5 bilhões à CSN.
Por causa disso, a AEB entrou com uma ADIN pedindo que o STF estabeleça qual o entendimento para o artigo 254-A da Lei das S/A.
Sob o argumento da insegurança jurídica, solicita que prevaleça a visão da CVM, que já estaria consagrada no mercado.
Para a autarquia, a alienação de controle deve ser determinada quando apenas uma figura jurídica ou física controla a companhia com a maioria das ações, podendo nomear sozinha o presidente, entre outras coisas. A CVM afirma que isso não aconteceu na Usiminas.
Para a CSN, em visão endossada pela Casa Civil da Presidência da República em parecer também enviado a Mendonça, o assunto é de alçada do STJ, não do STF, já que não se trata de questão constitucional. (Reportagem distribuída pela Folhapress)
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