Movimento Minas 2032

Economia do Cuidado para transformar

Confira a entrevista exclusiva com Alessandra Nilo, moderadora de um dos paineis do 4th International Forum on Financing for Development
Economia do Cuidado para transformar
Crédito: Divulgação Brasil Agenda 2030

A quarta conferência preparatória para o 4th International Forum on Financing for Development, evento anual que debate e fomenta investimentos em desenvolvimento econômico sustentável, ocorreu na sede da ONU, em Nova York, nesta semana. Especialistas reforçaram a urgência de investir na Economia do Cuidado (Care Economy).

Representantes de cinco países, incluindo o Brasil, participaram do painel internacional “Uma nova economia de cuidados para transformar o mundo”. Além de debater o tema, o grupo defendeu mais práticas concretas e investimentos na equidade no cuidado de crianças, familiares e idosos. Reivindicou, ainda, a inclusão dessas demandas no documento final do Fórum.

O Diário do Comércio entrevistou, com exclusividade, a moderadora do painel e diretora de Relações Externas para as Américas e o Caribe da International Planned Parenthood Federation – Americas and The Caribbean Regional Office (IPPF Acro), Alessandra Nilo.

Segundo ela, as mulheres brasileiras são negligenciadas na Economia do Cuidado, atrapalha o desenvolvimento socioeconômico e afeta diretamente o PIB, já que meninas e mulheres seguem sendo as principais responsáveis pelo cuidado familiar. Acompanhe a seguir a entrevista:

O conteúdo continua após o "Você pode gostar".


O que é a Economia do Cuidado?

É o conceito que reconhece o trabalho doméstico, remunerado ou não, como essencial à economia e à sociedade. Esse trabalho, em grande parte invisibilizado e realizado por mulheres, inclui desde tarefas domésticas até o cuidado com crianças, idosos e pessoas com necessidades especiais. Cuidar de si, da família e da sociedade é algo revolucionário. É dever de homens e mulheres. A ideia de que o cuidado é tarefa exclusiva das mulheres gera prejuízos não só individuais, mas sociais e econômicos. O Relatório Luz 2024, que avalia o avanço das 169 metas da ONU, mostrou que mulheres trabalham 21,3 horas semanais em cuidados. São cerca de 80 horas mensais, quase a metade da carga horária máxima prevista por lei. Em geral, fazem isso sem remuneração, conciliando com o emprego. Homens gastam menos da metade desse tempo. A Economia do Cuidado revê esses papéis e fortalece a inserção dessas pessoas no mercado. Estudos apontam que investimentos nessa área poderiam aumentar o PIB brasileiro em até 20% ao ano.

Qual o propósito do painel internacional sobre Economia do Cuidado?

Investir nessa economia é essencial. Reduz as desigualdades de gênero e proporciona às mulheres acesso a melhores empregos, formações e oportunidades. Quando toda a comunidade é educada e capacitada, há impactos positivos na saúde, na família, nas relações sociais e no mercado. O painel reuniu especialistas de diversos países para discutir formas eficazes de distribuir o trabalho de cuidado, majoritariamente exercido por mulheres e ainda não remunerado por causa do machismo estrutural. Trazer esse tema ao Fórum é urgente e estratégico.

Quais são os cinco principais impactos da invisibilização do cuidador?

Os impactos diretos incluem falta de acesso de mulheres e meninas à educação; prejuízos à formação profissional; menor independência econômica; relações de gênero desequilibradas e efeitos negativos na economia doméstica e na macroeconomia, pois mulheres ficam fora do mercado. Há ainda consequências paralelas, como relações tóxicas, violência patrimonial e dependência emocional, que moldam como as mulheres educam crianças e cuidam dos idosos.

Quais são as dificuldades para o avanço dessa economia?

O machismo estrutural é um obstáculo central. Estamos num evento internacional debatendo financiamento para o desenvolvimento e precisamos explicar para estudiosos e representantes das maiores nações por que investir na Economia do Cuidado é fundamental. Nosso esforço é incluir esse tema como prioritário nas agendas de investimento para que a realidade comece a mudar.

Quais os caminhos seguir?

Ainda não existe uma cultura consolidada de valorização de quem cuida. A divisão do cuidado segue desigual. Quando cuidar da família recai sobre a mulher, mesmo empregada, é preciso repensar o papel dessas pessoas. O trabalho do cuidador deve ser reconhecido economicamente, com direitos e deveres claros, e mais bem distribuído. Se quem cuida está à margem da sociedade, falhamos em reconhecer sua importância e atrasamos avanços.

A união feminina e a mobilização social podem colaborar?

Sim. Os homens, em geral, não lutaram com a mesma força por essa pauta. E precisamos lembrar que, com o envelhecimento da população, quem cuida também precisará ser cuidado. Para garantir proteção social e economias sólidas, precisamos de persistência e união entre mulheres. É urgente revisar globalmente o entendimento sobre a importância da Economia do Cuidado. Devemos continuar educando as mulheres. Em uma sociedade deseducada, despolitizada e alimentada por redes sociais que promovem disputas e valores desconectados das necessidades reais das pessoas e do mercado, é impossível pensar sustentabilidade e longevidade para os negócios e para as pessoas.

Rádio Itatiaia

Ouça a rádio de Minas