Movimento Minas 2032

Relatório Luz aponta década de avanços insuficientes no Brasil

Durante a semana, o Grupo de Trabalho da Agenda 2030 divulgou a 9ª edição do Relatório Luz da Sociedade Civil
Relatório Luz aponta década de avanços insuficientes no Brasil
Foto: Reprodução Adobe Stock

De acordo com o Relatório Luz, dez anos depois da criação dos ODSs e metas da ONU para o mundo, o Brasil avançou com políticas sociais importantes, mas insuficientes e a agenda do desenvolvimento sustentável está ameaçada no País.

A 9ª edição do Relatório Luz da Sociedade Civil, divulgada nesta semana pelo Grupo de Trabalho da Agenda 2030, revela o Brasil numa encruzilhada a cinco anos do prazo final. Isso porque a maioria das metas previstas para daqui a cinco anos está longe de ser alcançada. Ainda segundo o documento, o Brasil avançou em algumas políticas sociais, mas, de forma geral, os resultados são insuficientes e sinalizam que a agenda do desenvolvimento sustentável está ameaçada.

De acordo com os resultados desta edição, das 169 metas que compõem os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas (ONU), 64,85% (109 metas) não apresentaram qualquer progresso ou ficaram estagnadas. Outras 73 (43,45%) apresentaram algum progresso, porém insuficiente, e 15 metas (8,92%) estão com avanço ameaçado. As 12 metas com avanço satisfatório somam 7,14%.

A conclusão do documento é clara: apesar de avanços pontuais, a implementação de políticas públicas transformadoras, capazes de enfrentar as desigualdades sociais, econômicas e ambientais, segue paralisada no Brasil. Para a editora do Relatório Luz, co-facilitadora do GT Agenda 2030, cofundadora da Gestos e Diretora de Relações Externas da Federação Internacional de Planejamento Familiar para as Américas e Caribe, Alessandra Nilo, os dados revelam contradições profundas. “Guerras esfacelam nossos pactos civilizatórios, enquanto o multilateralismo, pilar para a cooperação, sofre ataques destrutivos que levam, inclusive, ao desfinanciamento da ONU. Destinamos trilhões de dólares à indústria da guerra, ao mesmo tempo em que os recursos para a paz e os direitos humanos são minguados. Essa inversão de prioridades impacta diretamente a capacidade de todos os países, incluindo o Brasil, de cumprir a Agenda 2030, que fica cada vez mais distante de se tornar realidade”, reforça.

Alessandra Nilo
Alessandra Nilo: Relatório Luz 2025 revela contradições profundas | Foto: Divulgação ONG Gestos

A editora do Relatório Luz lembra ainda que políticas públicas relacionadas à violência policial, racismo sistêmico, população em situação de rua, educação, agrotóxicos, Pantanal, saneamento básico e desigualdade de gênero são algumas das áreas em situação mais preocupante. O cenário global, marcado por conflitos persistentes, desigualdades crescentes e o enfraquecimento do multilateralismo, também interfere nos avanços da agenda no Brasil.

Coordenadora de produção do relatório, Juliana Cesar aponta que o contexto político brasileiro drena recursos que deveriam ser destinados a áreas vitais como saúde, educação, meio ambiente e combate às desigualdades. Para ela, os entraves institucionais impedem diretamente o avanço do desenvolvimento sustentável no País.

Ela explica que, apesar da recomposição de programas como o Bolsa Família, que ajudaram a reduzir o número de pessoas abaixo da linha da pobreza de 59 milhões para 53,5 milhões em 2024 e a queda da extrema pobreza para 6,8% – menor patamar desde 2012 -, o progresso no combate à fome (ODS 2) ainda é classificado como insuficiente, ameaçado pela inflação de alimentos e por restrições orçamentárias.

Demais indicadores

Outro ponto apontado no relatório é a violência policial e o racismo sistêmico. Em 2024, as forças policiais brasileiras mataram quase três vezes mais do que a soma de outros 15 países do G20, sendo 82,7% das vítimas pessoas negras. O aumento de 30% na mortalidade indígena por omissão do poder público evidencia a persistência de desigualdades estruturais e violência de Estado.

Já a população em situação de rua também cresceu de forma significativa. Houve aumento de 25% entre 2023 e 2024, chegando a 327.925 pessoas – 14 vezes mais do que em 2013. A maioria (81%) sobrevive com até R$ 109 por mês, abaixo da linha da extrema pobreza, reflexo da ausência de políticas públicas eficazes em moradia, trabalho e educação.

Na educação, o cenário é crítico. O Plano Nacional de Educação, que encerrou seu ciclo em 2024, cumpriu apenas duas de suas 20 metas. Desafios como alfabetização precária, evasão no ensino médio e falta de infraestrutura continuam a comprometer o futuro de gerações.

Na contramão da sustentabilidade, o Brasil registrou novo recorde de agrotóxicos aprovados em 2024: foram 663 novos registros, contra 555 no ano anterior. Essa política ameaça metas ligadas à produção sustentável de alimentos, saúde e preservação da biodiversidade.

O Pantanal, por sua vez, foi o bioma mais afetado pela crise climática em 2024. A superfície de água ficou 61% abaixo da média histórica, revertendo tendências de recuperação e comprometendo ecossistemas estratégicos. A aprovação do Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, mesmo com vetos parciais, ampliou as ameaças ao meio ambiente ao flexibilizar o licenciamento ambiental e enfraquecer mecanismos de controle.

O saneamento básico segue sendo um direito distante para milhões de brasileiros. Em 2024, 17,8 milhões de pessoas ainda não recebiam água diariamente e apenas 59,7% da população tinha acesso à rede coletora de esgoto. As desigualdades regionais são gritantes: no Sudeste, o índice é de 73,9%, enquanto no Norte despenca para 15,3%.

Desafio ainda persiste na equidade de gênero. O Brasil ocupa a 132ª posição global em representação feminina na política, com apenas 18,1% de assentos na Câmara e 19,6% no Senado. No mercado de trabalho, as disparidades são ainda maiores: em 2024, o rendimento médio das mulheres negras foi 47,5% menor que o dos homens não negros, evidenciando o peso combinado do machismo e do racismo.

Relatório Luz

• Elaborado desde 2017 pela ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
• Consolidou-se como principal ferramenta de monitoramento independente da Agenda 2030 no Brasil
• Esta 9ª edição reuniu 70 especialistas de 46 organizações, movimentos e fundações, com apoio da União Europeia, Fiocruz e Plan International Brasil
• Aponta 149 recomendações para políticas públicas alinhadas ao desenvolvimento sustentável

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