Se não agregar valor, MG pode ter mais uma era extrativista
Minas Gerais vive hoje o que especialistas chamam de um possível “novo ciclo do ouro”, impulsionado pelos minerais estratégicos que movem a economia global de alta tecnologia. O Estado concentra parte das segundas maiores reservas de terras-raras do planeta (23,8%), além de deter 94% do nióbio mundial, insumo fundamental para turbinas, satélites, veículos elétricos e sistemas de defesa.
Nos últimos dois anos, a corrida internacional por esses recursos levou ao anúncio de mais de R$ 1,8 bilhão em investimentos estrangeiros apenas no Sul de Minas, potencializando a economia mineira. Porém, diversos estudos apontam a necessidade da exploração feita de modo estratégico para que se comercialize também os produtos que podem ser fabricados com os minerais.
Dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) preveem investimentos de US$ 18,45 bilhões em projetos relacionados a minerais críticos no Brasil até 2029 e esse montante deverá ser ainda maior, segundo afirmou o vice-presidente do instituto, Raul Jungman, em outubro.
Dominado pela China, responsável por 95% da produção e dona de 36% das reservas conhecidas, o valor do mercado mundial dos óxidos de terras-raras é da ordem de US$ 5 bilhões anuais. O diretor de Inovação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Fernando Landgraf, disse em reportagem no site do Ibram que pesquisas estão em curso.
“Estamos nos estruturando para, caso alguém se interesse por entrar na mineração, a gente poder apoiar as iniciativas. Temos alguns projetos de pesquisa, mas começamos devagar porque se não amadurecer a mineração de terras-raras no Brasil, não tem sentido a gente investir em pesquisa e desenvolvimento para exploração e produção”.
Em meio a esse cenário de debate sobre os melhores caminhos para o futuro longevo desses negócios no Estado e no País, o assessor da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Wadson Ribeiro, levanta alguns dos riscos, oportunidades e caminhos para quenão repitamos o modelo extrativista que historicamente exportou riqueza. Confira:
Por que as terras-raras e os minerais críticos se tornaram tão estratégicos para o mundo?
Os minerais críticos são hoje a base da economia global de alta tecnologia. Terras-raras, lítio, cobalto, níquel, grafita e nióbio estão presentes em tudo: carros elétricos, turbinas eólicas, satélites, smartphones, sistemas de defesa. São insumos essenciais da transição energética e da chamada 4ª Revolução Industrial. E é justamente por isso que o controle dessas cadeias virou um ativo geopolítico, com enorme poder econômico e militar.
Qual é o potencial de Minas Gerais nesse cenário?
Minas está literalmente sobre um tesouro. O Brasil tem a segunda maior reserva de terras-raras do mundo, e estado mineiro é protagonista nesse mapa. Além disso, temos 94% das reservas mundiais de nióbio. Só nos últimos dois anos, o Sul de Minas atraiu bilhões em investimentos internacionais. Isso mostra que o mundo inteiro sabe do valor estratégico desses minérios. A pergunta é: nós sabemos?
O senhor tem criticado o modelo atual de exploração. Por quê?
Porque estamos repetindo um padrão histórico: permitir a exploração predatória e exportar riqueza bruta sem agregar valor. Há um desequilíbrio enorme entre os interesses locais. Precisamos defendê-los para termos desenvolvimento justo e sustentável.
Há também questões de soberania envolvidas?
Pode haver e isso precisa ser debatido com transparência. Estamos falando de insumos estratégicos para sistemas bélicos. Entregar esse poder sem controle público é colocar nossa soberania tecnológica e militar em risco.
O que Minas e o Brasil deveriam fazer para evitar esse “novo ciclo do ouro” predatório?
A chave é verticalizar a produção. Temos condições de criar aqui uma cadeia completa: da extração ao refino, e do refino à fabricação de ímãs, componentes eletrônicos e tecnologias de alta complexidade. Isso gera empregos qualificados, riqueza local e autonomia nacional. Deixar que outros países façam o beneficiamento é abdicar do que há de mais valioso nessa cadeia.
Como o senhor avalia as políticas e programas atualmente em curso?
Temos iniciativas importantes, como a chamada BNDES-Finep, mas ainda são insuficientes diante da escala do desafio. Outras ações, vinculadas a fundos e editais com participação estrangeira, podem acabar capturadas por interesses privados que não necessariamente representam o interesse nacional. Precisamos de uma política industrial forte, formulada no Brasil para o Brasil.
O estudo da Fundação Maurício Grabois traz recomendações acerca do tema. Como o senhor o avalia?
O estudo é muito sólido. Ele defende a criação de uma cadeia produtiva com novos marcos jurídicos para direcionar a renda mineral à ciência e tecnologia, ampliação do investimento nacional em inovação e governança pública forte. É exatamente esse tipo de visão estratégica que precisamos adotar em Minas Gerais e no País.
Estamos diante de um desafio na exploração das terras-raras?
Sim, vivemos a encruzilhada entre repetir o passado ou construir o futuro. Ou seguimos exportando riqueza bruta e aprofundando o subdesenvolvimento ou aproveitamos essa rara oportunidade para impulsionar uma industrialização moderna, sustentável e soberana. Todos devem participar da construção de uma forma equilibrada de exploração e uso desses minerais já que as decisões tomadas agora vão definir o destino de Minas e do Brasil por muitas décadas.
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