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Depressão ainda é tabu nas empresas

Questões econômicas muitas vezes impedem que pessoas busquem ajuda; pandemia da Covid-19 estabeleceu novos desafios frente às doenças
Depressão ainda é tabu nas empresas
Os limites são diferentes para cada um e, não necessariamente, o sofrimento ou o adoecimento vai ser resolvido com o afastamento | Crédito: Pixabay

Ansiedade e depressão. Essas são palavras comuns ao dia a dia e que, ao longo dos anos, começaram a se mostrar mais presentes no ambiente de trabalho. Muito antes de representar um prejuízo para as empresas que precisam afastar funcionários, essas condições de saúde significam um dano humano em diferentes sentidos. O amparo aos trabalhadores pode ser, nesses casos, fundamentais para que a saúde tenha o seu lugar às vezes negligenciado no ambiente laboral.

De acordo com a presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), Rosylane Rocha, há sintomas que devem ligar o sinal de alerta. Entre eles estão alterações nos padrões de sono e apetite, queda de energia, irritação, desinteresse por atividades que antes eram fonte de prazer. A angústia interna também pode se tornar algo mais concreto. Isso porque a ansiedade, em algumas pessoas, se manifesta em palpitações, taquicardia, tremores e tonturas.

Rosylane Rocha explica que no ambiente de trabalho também acontece o presenteísmo, quando a pessoa comparece ao trabalho, mas não consegue produzir bem. Atrasos, ausências recorrentes, portanto, também se tornam indicativos importantes de um possível sofrimento na vida do trabalhador.

“Esses são sintomas clássicos, mas há também pessoas com depressão e ansiedade que não apresentam mudanças muito claras de comportamento, experimentando apenas uma sensação de vazio e despropósito. Estas pessoas são capazes de continuar suas atividades cotidianas e de trabalho, mas têm um custo muito alto de sofrimento para si mesmas”, explica a médica especialista em doenças do trabalho.

A professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Livia de Oliveira Borges corrobora que esses quadros de saúde refletem em custos altos. E isso não significa os custos do afastamento para os negócios, mas para as pessoas. Segundo ela, o que gera a ansiedade, a depressão e outros quadros de saúde no ambiente de trabalho é a condição inadequada das organizações.

Como exemplo, ela cita que as pessoas são colocadas para viver em competição, diferente do ideal colaborativo. Mas não é só: a pressão por metas elevadas e humilhações vividas também desencadeiam um processo de sofrimento. Isso ocorre mesmo para aquelas pessoas que têm empregos estáveis e que, em algum momento, podem passar por perseguições, desgaste e grande volume de demandas.

Afastamentos por ansiedade e depressão

Organização do trabalho, monitoramento e estilos gerenciais. Esses são os fatores que podem fazer a diferença para um ambiente saudável para empresas e trabalhadores, conforme aponta Livia Borges. Eles são peça fundamental para que os trabalhadores não passem por episódios ansiosos ou depressivos ou, ainda, possam retornar com tranquilidade após eventuais afastamentos.

“Todos nós temos nossos limites, e eles são diferentes para cada um. E não necessariamente o sofrimento ou o adoecimento vai ser resolvido com o afastamento. Mas, para que as pessoas possam sair da crise, às vezes é necessário. Principalmente quando o quadro é causado pela empresa. Você não pode se preocupar com a doença, mas cuidar das condições de trabalho. Se você levar em conta isso, os adoecimentos serão poucos frequentes”, afirma a professora Livia Borges.

O amparo diante de situações de ansiedade e depressão é o caminho indicado pelas especialistas. Mas, quando é o momento de buscar ajuda? As empresas podem dar o primeiro passo? A presidente da ANAMT, Rosylane Rocha, orienta que os trabalhadores devem buscar o médico do trabalho de sua empresa sempre que forem notados sintomas relacionados às doenças. Mas a busca pela ajuda também pode partir de um colega ou de um líder que percebe mudanças no comportamento de determinado funcionário.

“As empresas devem oferecer suporte aos trabalhadores com um serviço de saúde consistente (idealmente multidisciplinar, com Médico do Trabalho, Psicólogo, Assistente Social). Também é fundamental criar um ambiente de acolhimento em que o funcionário se sinta seguro para pedir apoio. Isto se reverte em um ambiente de trabalho mais saudável e também em termos econômicos, pois o funcionário voltará mais rapidamente a produzir como de costume”, afirma Rocha.

Ela ressalta que quando esse atendimento é feito no início dos quadros, as perspectivas de tratamentos breves e bem-sucedidos aumentam. No entanto, a busca pelo apoio esbarra em uma realidade econômica: muitos trabalhadores deixam de procurar atendimento por esse motivo.

Conforme lembra a psicóloga Livia Borges, o desamparado no Brasil é muito acentuado e também dificulta o processo de identificação e tratamento. “As pessoas demoram a receber (o benefício) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O INSS reconhece a necessidade, mas fica sem pagar. E ele está com cada vez menos funcionários (…)”, alerta.

Além disso, Rosylane Rocha afirma que os estigmas e preconceitos relacionados à saúde mental no País também impedem a busca pelo atendimento rápido.

Especificamente, sobre a relação do INSS e do direito do trabalhador, o diretor da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), Marco Antônio Freitas, lembra que a ansiedade e a depressão são consideradas como doenças, assim como diversas outras que motivam os afastamentos.

“São casos seríssimos que vêm acontecendo, ainda mais depois da pandemia. E a empresa não deve esperar só o INSS, mas passar o funcionário para o médico do trabalho para ver se podem ajudar. E essas são doenças silenciosas. É diferente do acidente de trabalho, que você consegue ver”, pondera.

Marco Freitas lembra, ainda, que a legislação prevê que a partir do 16º dia de afastamento o pagamento dos direitos do trabalhador – entre eles, o auxílio-doença – é feito pelo INSS, e não mais para a empresa. E, portanto, os afastamentos para as doenças e também aquelas que tratam de transtornos mentais são um direito de todos os trabalhadores que precisam do recurso.

Ansiedade, depressão e a Covid-19

A pandemia da Covid-19 transformou – e ainda transforma – as relações sociais. Livia Borges afirma que ainda há poucos estudos sistemáticos sobre os efeitos da crise sanitária sobre o trabalho e a intensificação de doenças como ansiedade e depressão. Mas, aqueles que já foram publicados mostram que a passagem do trabalho presencial para o remoto foi desestruturante para a sociedade.

“As pessoas ficaram sem relações sociais. E aí elas se deram conta do quanto era importante a relação no tête-à-tête. As pessoas precisam de presença, precisam saber que o outro está ali. O que houve foi uma intensificação do trabalho, e não necessariamente isso implica em produtividade, pode haver até perda”, aponta.

A professora da UFMG lembra que durante os períodos mais críticos da pandemia houve introdução de outros elementos: o isolamento, a solidão e até mesmo a dificuldade de manuseio de aplicativos. Juntos, esses fatores aceleraram os afastamentos.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência, os benefícios por incapacidade temporária, os chamados auxílios-doença, concedidos para pessoas com transtornos mentais e comportamentais tiveram um pico em 2020, conforme gráfico abaixo. Vale ressaltar que os números consideram todos os transtornos mentais, e não só a ansiedade e a depressão.

O que é ansiedade?

De acordo com a Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, a ansiedade é um fenômeno que estimula respostas nas pessoas. Mas, em excesso, ela pode impedir reações. Alguns dos sintomas a ela relacionados estão preocupação e medo exagero e falta de controle sobre pensamentos.

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