Especial: Pandemia da Covid-19 obriga empresas a encarar uma crise de saúde mental

5 de março de 2021 às 0h28

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O cenário de crise econômica, incerteza e caos sanitário impacta a saúde mental | Crédito: REUTERS/Adriano Machado

O conceito de saúde admitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) vai muito além da ausência de doenças, ele diz respeito ao equilíbrio de vários aspectos da vida de uma pessoa, gerando bem-estar.

Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”, define a entidade. Durante a pandemia, um aspecto passou a chamar a atenção das empresas de uma maneira ainda inédita: a saúde mental.

O isolamento social, as dúvidas sobre a Covid-19, o caos sanitário, o desemprego crescente e a crise econômica, além das mudanças bruscas no estilo de vida e trabalho, a começar pela desmaterialização das relações corporativas, levaram as equipes à exaustão. Era preciso agir para que a sanidade física, mental e emocional de gestores e colaboradores fosse preservada, garantindo, assim, que as empresas continuassem produzindo.

Depois de quase um ano, muitas empresas incorporaram à sua rotina os cuidados com a saúde mental dos colaboradores e decidiram transformar o que era apenas um socorro, em política de gestão de pessoas. Assim, o novo normal das empresas ganha mais um componente: a saúde mental.

Apoio psicológico on-line é grande aliado

O cuidado coletivo é um dos grandes ensinamentos da Covid-19 para todos. Cuidar de quem está dentro ou fora das empresas passou a ser um valor corporativo. A startup social SAS Brasil, instituição itinerante que leva saúde a regiões de vulnerabilidade de todo o País por meio da telemedicina e também conta com programas voltados à saúde mental, também apostou nesse cuidado para seus colaboradores, por meio do aplicativo Cíngulo, que oferece terapia guiada para tratar de questões como ansiedade, insônia e auxiliar no foco dos usuários.

Segundo a psicóloga e coordenadora da Saúde Mental do SAS, Luciana Coltri e Silva, como seres sociais precisamos de contato e o isolamento faz com que muita gente adoeça. De acordo com o levantamento Perceptions of the Impact of Covid-19, realizado pela Ipsos em 28 países – incluindo mil brasileiros -, 50% dos respondentes locais afirmam se sentir solitários. Dentre todas as nações, é o maior índice. Em segundo lugar, estão os turcos (46%) e, em terceiro, os indianos (43%). A média global é de 33%.

A sensação de solidão aumentou no último semestre, segundo 52% dos brasileiros. Já na média de todos os países, 41% das pessoas disseram que se tornaram mais solitárias nos últimos seis meses. Para 43% dos respondentes no Brasil, o último semestre gerou impacto negativo em sua saúde mental. Por outro lado, 21% declararam que o impacto foi positivo.

“Já vínhamos em um momento em que a saúde mental já vinha crescendo. O Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo. A Covid-19 só aumentou essa percepção. A pandemia trouxe problemas de saúde mental novos, mas para a maioria foi só a gota d’água. No Brasil o negacionismo vem aumentando a ansiedade. Nas ONGs fazemos um trabalho voluntário, tentando ajudar quem precisa mais, mas isso não quer dizer que a gente também não precise. A pandemia veio para todos. Estamos no mesmo oceano, mas não no mesmo barco. Para querer ajudar, cuidar da saúde mental do colaborador, tem que olhar para ele”, analisa Luciana Coltri e Silva.

Para atender a essa demanda, os profissionais de psicologia também precisaram se organizar e se fortalecer como gestores das próprias carreiras e empreendimentos.

A PsicoManager cresceu 120% em 2020, afirma Honorato | Crédito: Divulgação

De acordo com o CEO da healthtech PsicoManager, José Guilherme Honorato, o crescimento da busca por atendimento psicológico fez com que as clínicas tivessem que se organizar melhor. A plataforma que oferece esse tipo de solução registrou crescimento de 120% no ano passado.

“A Covid-19 mexeu com a saúde mental de grande parte da população e fez muitas pessoas recorrerem a esse tipo de tratamento para conseguir conviver com a crise e seus efeitos emocionais. Isso aumentou consideravelmente os atendimentos com psicólogos que, por sua vez, precisaram buscar novas tecnologias para se organizarem. Começamos criando uma Sala Virtual integrada à plataforma. A partir dela ouvimos as necessidades dos nossos clientes e juntamos o time para criar soluções que pudessem ficar dentro da própria PsicoManager, tornando a vida dos psicólogos mais fácil”, explica Honorato. (DM)

Crise coloca papel da liderança à prova

Separar a vida profissional da pessoal nunca foi uma tarefa totalmente exequível, mas o contexto de trabalho remoto e insegurança sanitária trazido pela pandemia fez com que tudo ficasse ainda mais misturado. E assim, medo e ansiedade passaram a ser constantes no dia a dia das empresas.

Segundo dados do Fórum Econômico Mundial, no Brasil, o surto do coronavírus teve impacto direto sobre a saúde mental dos colaboradores: 60% sentiram-se mais ansiosos quanto à segurança no emprego; 56% vivenciaram estresse por mudanças na rotina de trabalho e com organização; 50% tiveram dificuldades em equilibrar vida-trabalho e em trabalhar em casa devido à inadequação das instalações; 49% tiveram queda na produtividade; 48% trabalharam em horários não convencionais (muito cedo ou muito tarde); 45% vivenciaram estresse por questões familiares, como cuidado com criança; 32% aumentaram as horas de trabalho; 23% pegaram licença desde o início da pandemia; e, por fim, 19% deixaram o trabalho.

Para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Minas Gerais (ABRH) e presidente do Conselho Empresarial de Recursos da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Eliane Ramos, a pergunta fundamental é quanto custa para as empresas não investir em cuidados com a saúde mental dos seus colaboradores.

“De acordo com estudos da OMS (Organização Mundial da Saúde), após o término da pandemia o impacto sobre o emocional das pessoas pode durar até seis anos. É o chamado rebote. As pessoas estão colapsando. É o efeito de ficar desempregado, medo de pegar Covid-19, perder um ente querido, problema financeiro, distanciamento físico. Infelizmente as pessoas não têm muita coragem de reclamar, de pedir ajuda. É muito importante falar das vulnerabilidades. A depressão já era a doença do século antes da pandemia, imagina agora. Temos que perguntar quanto custa não investir no cuidado. Hoje, os problemas emocionais estão como prioridade nas organizações ou, pelo menos, deveriam estar. A Ambev, por exemplo, criou uma diretoria de saúde mental”, exemplifica Eliane Ramos.

Eliane Ramos: é importante falar das vulnerabilidades | Crédito: ABRH/Divulgação

Esse cenário, mais uma vez, coloca o papel da liderança à prova. Em um mundo de relações cada vez mais desmaterializadas, cabe aos gestores, especialmente à alta gestão, criar ambientes seguros e de confiança, mesmo quando o trabalho é remoto.

“Nunca foi possível separar totalmente a vida profissional da pessoal e com o trabalho em casa isso ficou mais latente. Precisamos, então, chamar a atenção para dois pontos: a empatia sendo o papel da liderança, no sentido de entender as dificuldades e ajudar; e a resiliência, que nos ajuda a levantar. A ajuda tem que vir da empresa e não pode ser apenas emergencial. Toda empresa quer pessoas engajadas, mas o engajamento é um estado psicológico das pessoas, de bem-estar dentro da organização. Tem a ver com as características pessoais e a sensação de comprometimento e envolvimento. Quando isso não acontece, ela pode adoecer também. É uma responsabilidade da liderança”, explica a presidente da ABRH-MG.

Capitaneando a Telavita – clínica de saúde mental on-line que conecta profissionais de psicologia a pacientes de todo o País -, a psicóloga e responsável técnica da empresa, Milene Rosenthal, avalia que há bastante tempo as empresas se voltaram para os cuidados com a saúde física das suas equipes, mas a saúde mental ainda era bastante negligenciada. O sentido de urgência causado pela pandemia fez com que muitas empresas atentassem para o problema, gerando negócios para a Telavita. Em 2020, a plataforma teve o desenvolvimento acelerado, crescendo 300% em relação ao ano anterior. A meta é repetir o resultado em 2021.

“Vínhamos crescendo bem, atendendo grandes operadoras de saúde, mas a partir de março do ano passado tivemos que acelerar nossos processos internos, aumentamos o número de psicólogos e atendentes. Já temos quase 4 milhões de pessoas na base. O diferencial é que não somos um marketplace, temos uma preocupação em acompanhar esses pacientes desde a chegada. O corpo clínico é treinado para atender on-line. As empresas estão começando a entender que esse tipo de investimento reduz os custos com planos de saúde, com absenteísmo e que melhora a produtividade. Pessoas saudáveis produzem mais e melhor”, afirma Milene Rosenthal.

Na avaliação da psicóloga, o período pós-pandemia exigirá cuidados ainda maiores. O mundo deve passar por uma quarta onda de doenças mentais causadas pelo isolamento, com estresse pós-traumático.

“Até a rotina se restabelecer ainda teremos uma ansiedade natural. O importante é, realmente, investir no autoconhecimento, atividades de prevenção e trabalhar o tema. O que está trazendo isso à tona é a telemedicina. Infelizmente ainda carregamos estigmas. O atendimento psicológico on-line funciona, mas não pode ser apenas uma transposição das consultas para o ambiente virtual. Existe treinamento para isso. A interação com um psicólogo traz informações, orientações. Os CEOs que não estão olhando para isso terão muitos problemas”, alerta a cofundadora da Telavita.

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