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A graphic novel Chumbo tem Minas Gerais como pano de fundo

Escrita pelo francês Matthias Lehmann, a obra retrata um dos períodos mais sombrios da história
A graphic novel Chumbo tem Minas Gerais como pano de fundo
Crédito: Divulgação

Em março de 1964, um golpe instaurou a ditadura militar no Brasil. Em 2024, completam-se 60 anos desse acontecimento, que deu início a um longo e violento período conhecido como “os anos de chumbo”. A expressão inspirou o título de uma das principais apostas da Editora Nemo para este ano: a graphic novel Chumbo, escrita e ilustrada pelo francês Matthias Lehmann, que será lançada este mês. A obra, que remonta aos anos mais sangrentos da história do país, foi inspirada na família brasileira do autor.

Com marcantes traços em preto e branco, Chumbo se passa em Minas Gerais. Quando a história começa, nos anos 1930, somos apresentados à família Wallace. O patriarca, Oswaldo Wallace, dirige suas empresas de mineração com mãos de ferro e é um defensor do movimento integralista. Mais tarde seus dois filhos homens, cuja diferença de idade é de apenas um ano, vão trilhar caminhos completamente opostos, evidenciando as divisões familiares que surgiram nos conturbados anos 1960. Severino, jornalista e escritor, é um militante de esquerda. Ramires, por outro lado, segue os passos do pai e torna-se um apoiador dos militares.

Aqui se insere um fato curioso: para a criação do personagem Severino, Lehmann se inspirou no tio, o escritor e jornalista mineiro Roberto Drummond (1933-2002), autor, entre outros, do romance “Hilda Furacão”. Apesar disso, o quadrinista garante: “Meu livro é, principalmente, de ficção. Apenas me inspirei nas situações e personalidades dos meus familiares”. Em recente entrevista ao jornal francês Liberation, Lehmann ressaltou a importância de lançar Chumbo no Brasil: “Este livro não estaria completo se não fosse lançado no País”, desejo que em breve se concretizará.

Belo Horizonte é cenário central da trama. Pontos turísticos como o conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer a convite do então prefeito Juscelino Kubitschek nos anos iniciais da década de 1940, estão presentes, assim como o Café Palhares e o Viaduto de Santa Teresa, imortalizado por Fernando Sabino no romance “Encontro marcado” – Sabino, inclusive, é referenciado na narrativa. Outros personagens marcantes da história belo-horizontina aparecem nas páginas, como, por exemplo, a travesti Cintura Fina (1933-1995) e a cantora Clara Nunes (1942-1983).

Retrato político e social

Lehmann, que possui 20 anos de carreira, passou anos explorando as origens brasileiras. Também contribuíram para o processo de criação a leitura de obras de autores como a historiadora Heloisa Starling e Elio Gaspari e uma intensa pesquisa nos modos de vida do Brasil à época. Apesar de todos os esforços, revelou ao Liberation, que sentiu dificuldade em reunir os documentos necessários para compreender o que foi o período ditatorial brasileiro.

Como resultado, “Chumbo” representa um importante retrato de um país marcado pelas desigualdades e pelos confrontos políticos, apesar da industrialização que também atravessou no século XX. Traços culturais, sociais e comportamentais também estão bem representados, bem como a relação entre as classes e a emancipação feminina vivida no período, entre outros aspectos. “Chumbo” já conquistou espaços de destaque nas imprensas brasileira e francesa, e fará parte da próxima seleção oficial do prestigiado festival de quadrinhos francês de Angoulême.

O autor fala sobre o processo de criação da obra em uma entrevista para a Radio France Internacional, que pode ser assistido por este link, em francês.

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