Obra ‘Mulheres com N Maiúsculo’ destaca o protagonismo de mulheres negras no Brasil
Um projeto literário e jornalístico de fôlego, resultado de dois anos de produção, “Mulheres com N Maiúsculo: Perfis Jornalísticos e Escrevivências Negras”, da Editora Arte & Letra, acaba de ser lançado.
A obra, coordenada pelas jornalistas Cláudia Kanoni e Aline Reis, reúne perfis e escrevivências de 31 mulheres negras que são referências em diversas áreas, do parlamento aos quilombos, da academia à quadra de samba.
Organizado por um coletivo de 10 mulheres negras, entre jornalistas e pesquisadoras, o livro se afirma como um ato político e de celebração da memória, da resistência e da potência intelectual e ativista das mulheres negras brasileiras. Inspirada no conceito de escrevivência, de Conceição Evaristo, a obra funde o ato de escrever com o de viver, transformando a palavra em instrumento de luta, cura e afirmação.
O título, “Mulheres com N Maiúsculo”, e não com M, é uma escolha deliberadamente semântica e política, que demarca a centralidade da raça, além do gênero, nas discussões sobre as existências negras. “Este livro é uma denúncia e celebração. Denúncia porque escancara o racismo estrutural, o sexismo e as múltiplas opressões; celebração porque afirma o direito à memória, à ancestralidade e à autoria coletiva, a força que se reinventa na escrita e na oralidade”, destaca o prefácio da jornalista e pesquisadora Cláudia Alexandre.
A obra aborda temas que atravessam a experiência negra feminina no Brasil contemporâneo, do território ao corpo, da religiosidade às artes, da educação à política, da saúde ao cotidiano.

“Entre as lideranças retratadas estão mulheres que atuam na formulação de políticas públicas pelo Bem Viver, na defesa dos direitos humanos e no combate ao racismo institucional. Há também reflexões sobre quilombos e agroecologia como práticas libertárias, a denúncia do racismo ambiental e a luta por economias solidárias e antirracistas”, destaca Cláudia Kanoni.
No campo da educação, o livro amplia o debate sobre a necessidade de uma educação antirracista e convoca a população branca a assumir a responsabilidade compartilhada nessa luta. No universo acadêmico, subverte a lógica tradicional ao posicionar corpos dissidentes como produtores de conhecimento, e não apenas como objetos de pesquisa.
A arte e a cultura aparecem como tecnologias de resistência e cura. O samba, os bailes black, o rap, a fotografia e o teatro são retratados como quilombos urbanos, espaços de transmissão de saberes e afirmação da identidade negra. “Mulheres pretas contando suas próprias histórias nos levam para a dura e bela realidade do ser e estar no mundo nesta condição racializada. Permitir que essas discussões ganhem registro e saiam da oralidade é um grande mérito desta obra, que também evidencia o talento de comunicadoras negras”, explica Aline Reis.
Mais do que um registro, “Mulheres com N Maiúsculo” é também um ato de memória e homenagem ao legado. O livro traz as trajetórias da jurista Dora Bertúlio, pioneira nas políticas de cotas no Brasil, e da professora Diva Guimarães, símbolo de resistência. Ambas participaram da proposta em vida, mas faleceram durante o desenvolvimento do projeto.
Estrutura
As histórias das perfiladas são contadas por 10 autoras e comunicadoras negras. O perfil jornalístico foi escolhido como linguagem principal por sua capacidade de unir rigor na escuta e profundidade na construção de sentido.
Assinam os textos Aline Reis, Ana Carolina Franco, Ana Carolina Pacífico, Ana Claudia Justino, Cláudia Kanoni, Débora Evellyn Olimpio, Evelin Moreira, Letícia Costa, Mônica Ferreira e Sandy Silva.
“O livro propõe narrar vivências de mulheres negras, contemplando uma multiplicidade de histórias de pessoas anônimas e de notoriedade, de especialistas e de transformadoras sociais”, destaca Cláudia Kanoni. Os temas tratados vão do território à religiosidade, das artes à política, reconfigurando a visão de mundo a partir de epistemologias negras e plurais.
“Reunir comunicadoras pretas em um projeto literário que exalta mulheres pretas é um processo de aquilombamento e também um desafio. Integrar esse time diverso amplia o próprio olhar sobre a negritude, o feminismo e as intersecções necessárias entre ambos”, complementa Aline Reis.
O livro reúne o olhar e o rigor das 10 autoras em campo para narrar o protagonismo de 30 mulheres pretas notáveis em diversas áreas. São trajetórias que levam a negritude para o centro do debate e da experiência brasileira.
Temas abordados na obra
Luta e emancipação, cultura e identidade, educação e academia, saúde e bem-estar, política e reparação, território e meio ambiente, gênero e sexualidade, comunicação, esporte e questões sociais atravessam os perfis e escrevivências reunidos na publicação.
Ao reunir jornalismo, memória e escrevivência, “Mulheres com N Maiúsculo” se insere em um movimento mais amplo de revisão crítica das narrativas que historicamente marginalizaram vozes negras no Brasil. A obra tensiona os limites do próprio fazer jornalístico e acadêmico ao afirmar mulheres negras como sujeitos centrais da produção de conhecimento, cultura e política, contribuindo para ampliar o debate público e reafirmar a escrita como espaço de reconhecimento e transformação social.
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