Sistema ferroviário, uma prioridade
Cesar Vanucci*
“Esse mal compreendido sistema ferroviário brasileiro!” (Euclides da Cunha, já naquela época)
Como acentuado no comentário anterior, ato irrefletido dos responsáveis pelas políticas de transporte resultou, num dado instante, na eliminação de empreendimentos voltados à expansão do sistema ferroviário. Na cachola do pessoal inculcou-se a insensata ideia de que ferrovia já era. Foram tomadas opções tremendamente equivocadas. Pararam o trem do desenvolvimento no meio da estrada. Chegou-se ao extremo de desativar o que já se achava solidamente implantado, nos devidos trilhos, no tocante aos esquemas de movimentação de passageiros e cargas.
Todas as vezes que evocado, esse processo demolidor que impactou em cheio a engrenagem ferroviária brasileira cria ensancha oportunosa para indagações assaz incômodas. Do tipo, por exemplo: o que foi feito, hein, dos trilhos que estavam aqui? Responda quem puder. O que se sabe, com certeira certeza, é que não mais existem na atualidade trilhos suficientes mode que conduzir, de um ponto a outro, passageiros e assegurar a circulação de mercadorias despachadas a muitos lugares, como acontecia antigamente.
O grande Euclides da Cunha lamentava, em seu tempo, a falta de compreensão que havia com relação à política ferroviária. Dizia ser “mal compreendido o sistema ferroviário brasileiro”. A verdade desconcertante que salta aos olhos é esta: um punhado de décadas depois a situação só fez piorar. E como! Ferrovia no Brasil, um país de dimensões continentais, já era mesmo… E um conformismo inexplicável com relação a essa situação despropositada continua a prevalecer, entra governo, sai governo. Os mentores dos setores de transporte dão mostras atordoantes de não saber assimilar a lição histórica, a experiência esplendidamente testada em países de avantajada presença no cenário do progresso econômico e social, de que a ferrovia é instrumento indispensável na estrada do desenvolvimento.
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O problema – visto está – suscita interrogações sem conta. Interrogações desconfortáveis que convocam à reflexão. Qualquer aluno de ensino fundamental tá careca de entender que as ferrovias e os rios representam, em qualquer parte do globo, alternativas de transporte extraordinárias dentro de um processo de crescimento ordenado e arrojado. E nem é por outra razão que os países posicionados na dianteira das conquistas do bem-estar social conferem aos setores citados tratamento prioritário no tocante a investimentos públicos e privados.
Todo brasileiro que esteve no rio Reno não consegue esconder uma santa inveja diante da visão empolgante do tríplice espetáculo que ali se desenrola, em matéria de movimentação de cargas e passageiros. Nas águas caudalosas, um deslocamento contínuo de lanchas, barcaças e navios, em todos os sentidos. Roçando as margens, são vistos, resfolegantes, imensos comboios ferroviários. Bem próximo aos trilhos, acha-se implantado um imponente conjunto de autoestradas. E, nas imediações, como uma espécie de portal de entrada da Europa para os confins do mundo, o incrível aeroporto de Frankfurt. Um quadro perfeito do entrosamento estabelecido entre os diversos meios de transporte de massa. Uma sincronia prodigiosa entre os recursos da Natureza, adequadamente utilizados, e o engenho humano.
Contemplando a quantidade dos nossos cursos fluviais navegáveis, olhar concentrado nas grandes distâncias deste nosso imenso território, embrenhamo-nos, num voo condoreiro bastante solto da imaginação, pelas ilimitadas perspectivas acenadas pelo futuro, alimentando a esperança de que, algum dia, bem próximo, possa nascer no Brasil a disposição de fazer com que nossos rios, como no título do romance conhecido, passem a imitar o Reno.
Até lá. Até que isso venha a acontecer. Até que se reabram, nos caminhos à nossa frente, as possibilidades reais no sentido da adoção de uma política diferente na área dos transportes; até lá, carregando a lembrança amarga do descabido processo de destruição das ferrovias brasileiras; até lá continuarão pendentes nas gargantas das pessoas, inconformadas com o desperdício de tantas oportunidades, as perguntas nascidas de atormentada perplexidade: por quê o Brasil parou de investir em ferrovia? Parou por que?
No fecho destas considerações sobre a importância vital da ferrovia para o desenvolvimento brasileiro,voltamos a expressar uma ardente expectativa, que quer nos parecer em sintonia com o sentimento popular. A expectativa de que alguém do grupo recém-chegado às esferas do poder, provido de capacidade para tomar decisões técnicas e administrativas, se sinta de repente impelido – como aconteceu no passado com referência à construção, em ritmo vertiginoso, de Brasília, marco histórico de elevada fulgurância no avanço civilizatório do país – a introduzir como prioridade, nos programas de realizações governamentais, a revitalização, a expansão à toda, em velocidade, por assim dizer, de “trem-bala”, do nosso depauperado sistema de transporte ferroviário. Para que ele possa ser utilizado, pela nossa gente, como caminho seguro na construção do amanhã.
* Jornalista ([email protected])
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